- Folha de S. Paulo (publicada originalmente em 29/8/1987, esta foi a quarta coluna de Clóvis Rossi neste espaço)
A segunda e decisiva fase dos trabalhos constituintes começou ontem no exato nível do subdesenvolvimento político e cultural do país: o presidente da Comissão de Sistematização, senador Afonso Arinos, recebeu para almoço e para uma discussão sobre o sistema de governo quatro dos ministros militares, que, como todo mundo o sabe, são as pessoas investidas da representatividade e do saber político e jurídico indicado para debater esse tipo de questão.
Com isso, o senador e seus pares civis do almoço de ontem revogam, na prática e por antecipação, qualquer dispositivo constitucional que venha a determinar que as Forças Armadas devem se restringir às suas funções clássicas, em vez de se intrometerem nos assuntos de política interna.
Se são consultados, agora, a respeito do sistema de governo, é de se supor que os ministros militares se sentirão autorizados, no futuro, a se intrometerem de novo, se e quando o sistema (parlamentarismo ou presidencialismo) não estiver funcionando direito.
Ocorre, nesse capítulo, um duplo equívoco. De um lado, os que brigam para incluir na Constituição um item que limite a possibilidade de intervenção das Forças Armadas em questões políticas estão sendo meramente acadêmicos, por mais razões filosóficas, jurídicas e políticas que possam apresentar em defesa de sua tese.
Não há, em Constituição alguma, autorização para golpes de Estado e, não obstante, eles ocorrem com razoável frequência, especialmente ao sul do Equador.
Do outro lado, os militares não receberam, nas eleições de novembro, para a formação do Congresso constituinte, mandato algum para deliberarem sobre o sistema de governo ou sobre qualquer outra questão. Podem até opinar, como cidadãos, sobre os temas que dizem respeito às suas áreas específicas, mas daí a se aceitar que o presidente da Comissão de Sistematização saia do almoço trombeteando que “os militares não são empecilho ao parlamentarismo” vai uma enorme distância. E se fossem, a Constituinte se curvaria ao presidencialismo, com base nessa constatação?
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