sábado, 20 de julho de 2019

Bolsonaro declara que fome no Brasil é mentira, mas recua após polêmica

Afirmação foi feita em café com jornalistas estrangeiros; mais tarde, presidente afirmou que alguns passam fome

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO E BRASÍLIA - Em um dia de declarações controversas em sequência, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) afirmou que não existe fome no Brasil e criticou a multa de 40% do FGTS em caso de demissão sem justa causa.

A divulgação de dados sobre desmatamento e a Ancine (Agência Nacional do Cinema) também foram alvos do presidente.

Em um café com correspondentes da imprensa internacional na manhã desta sexta-feira (19), Bolsonaro negou que houvesse pessoas no Brasil passando fome.

“Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira. Passa-se mal, não come bem. Aí eu concordo. Agora, passar fome, não.”

“Você não vê gente mesmo pobre pelas ruas com físico esquelético como a gente vê em alguns outros países pelo mundo”, disse o presidente, sem citar nominalmente quais nações seriam essas.

A declaração foi uma resposta a uma representante do jornal espanhol El País, que disse que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), havia manifestado preocupação com a desigualdade no Brasil e quis saber que medidas o governo tem tomado para reduzir a pobreza no país.

Mais tarde, Bolsonaro amenizou a fala. Ao fim de uma cerimônia em homenagem ao Dia do Futebol, o presidente reconheceu que “alguns passam fome” e afirmou que era inadmissível isso ocorrer em um país com as características naturais do Brasil.

Questionado se estava recuando sobre a afirmação de que não havia fome no Brasil, Bolsonaro se irritou com os jornalistas presentes.

“Ah, pelo amor de Deus, se for para entrar em detalhes, eu vou embora. Eu não tô vendo nenhum magro aqui [entre os jornalistas]. Temos problemas no Brasil, temos, não é culpa minha, vem de trás. Vamos tentar resolver”, afirmou.

No café da manhã, Bolsonaro disse ainda que o Brasil é um país privilegiado e que os Poderes Executivo e Legislativo podem “facilitar a vida do empreendedor, de quem quer produzir, e não fazer esse discurso voltado para a massa da população, porque o voto tem o mesmo peso”, disse.

“É só as autoridades políticas não atrapalharem o nosso povo que essas franjas de miséria por si só acabam no Brasil, porque o nosso solo é muito rico para tudo o que se possa imaginar.”

Segundo Bolsonaro, é o conhecimento que tira o homem da miséria —área que, para o presidente, não foi bem cuidada nas últimas décadas. “A educação aqui no Brasil, nos últimos 30 anos, nunca esteve tão ruim”, avaliou.

Nas redes sociais, o Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente, criticou o encontro do pai com os correspondentes.

“Por que o presidente insiste no tal café da manhã semanal com ‘jornalistas’? Absolutamente tudo que diz é tirado do contexto para prejudicá-lo. Sei exatamente o que acontece e por quem, mas não posso falar nada porque senão é ‘fogo amigo’. Então tá, né?! O sistema não parará!”, afirmou.

Após as declarações, o presidente publicou na tarde desta sexta um vídeo nas redes sociais em que exibe entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), veiculada em 2014, afirmando que “cansou de viajar o mundo falando mal do Brasil” e ironizando que “era bonito a gente viajar o mundo e falar que o Brasil tem 30 milhões de crianças de rua”.

Na publicação, Bolsonaro diz: “Hoje fui entrevistado por essa mesma imprensa [internacional]. O que eu disse? Que não temos esta quantidade de gente propalada por eles passando fome aqui. Acaso tivesse falado que temos 50 milhões de pessoas passando fome eu seria aplaudido por essa mesma imprensa estrangeira”.

A erradicação da fome e da desnutrição foi uma das principais bandeiras do governo do ex-presidente Lula, que no início do seu primeiro mandato, em 2003, lançou o programa Fome Zero, que posteriormente se tornou referência para outros países.

Por meio dele e de ações subsequentes, como o Bolsa Família, o Brasil reduziu as estatísticas de fome de 10,6% da população no início dos anos 2000 para menos de 2,5% no final da década, segundo dados da FAO (braço da ONU para a alimentação e agricultura).
Esses indicadores, porém, voltaram a piorar nos últimos anos em meio à recessão econômica.

Segundo cálculo da Folha com base em documento divulgado em 4 de abril pelo Banco Mundial, a crise econômica dos últimos anos empurrou 7,4 milhões de brasileiros para situação de pobreza entre 2014 e 2017.

Com isso, houve um salto de 20,5% —de 36,5 milhões para quase 44 milhões— no número de pessoas vivendo com menos de US$ 5,50, ou seja, R$ 21,20, por dia.

Em 2017, uma proposta do então prefeito de São Paulo e hoje governador do estado, João Doria (PSDB), para combater a fome e a desnutrição gerou controvérsia e acabou descartada após ser criticada por nutricionistas.

O tucano havia sugerido incluir na merenda da rede municipal de ensino e em projetos da prefeitura a farinata, um “granulado alimentar” feito à base de alimentos como frutas e legumes que estão perto da data de vencimento e seriam incinerados por supermercados e produtores.

Doria apresentou o granulado dentro de uma embalagem com uma imagem de Nossa Senhora e o chamou de “produto abençoado”. Entre nutricionistas e chefes de cozinha, a farinha ganhou o apelido de “ração humana”.

Semanas depois, o tucano foi obrigado a recuar da proposta e decidiu ampliar a compra de alimentos orgânicos para a merenda. “Dada a polêmica, entendemos que não seria adequado insistir nesse projeto”, disse Doria na época.

OS TEMAS DE BOLSONARO NESTA SEXTA

Ancine
Presidente afirmou que a Agência Nacional do Cinema poderá ser privatizada ou extinta caso não seja possível usar filtros nas produções nacionais. Plano é que vire uma secretaria, transferindo sua estrutura do Rio para Brasília

Multa do FGTS
Presidente disse que índice de 40% do saldo do fundo, pago em caso de demissão sem justa causa, desestimula contratações. Não deixou claro, porém, se pretende acabar com ele

Diretor do Inpe
Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais foi criticado por causa de dados que apontam aumento de 68% do desmatamento na Amazônia. Bolsonaro diz que números não condizem com a verdade

Eduardo nos EUA
Para o presidente, filho como embaixador vai ser um cartão de visitas do Brasil nos EUA. Bolsonaro disse ainda que, para formalizar a indicação, falta a resposta dos Estados Unidos ao 03

Reforma Tributária
Bolsonaro ressaltou que vai enviar proposta no início de agosto e que o documento tratará apenas dos tributos federais. Segundo ele, não daria certo propor mudanças que envolvessem estados e municípios

Greve de caminhoneiros
Bolsonaro defendeu que é um direito de todas as categorias fazerem greve, mas reconheceu que uma paralisação poderia prejudicar a economia brasileira

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