sábado, 10 de agosto de 2019

Míriam Leitão: Austeridade não é só corte

- O Globo

Política ambiental do governo desperdiça recursos públicos, prejudica a imagem do país e afeta o agronegócio

Do ponto de vista estritamente econômico, apolítica ambiental do governoBol sonar o está errada. Ela promove o desperdício de recursos públicos quando ataca órgãos públicos e os constrange no exercício de suas missões, como o Ibama, ICMBio e Inpe. Com a briga destemperada contra a Noruega e o Fundo Amazônia, ela rasga dinheiro que tem ajudado estados e municípios. Ela cria um ambiente favorável às barreiras não tarifárias contra o agronegócio brasileiro. É ela que está piorando a imagem do Brasil no exterior e isso tem um custo.

O Brasil tem um imenso rombo nas contas públicas e precisa ter como meta a redução do déficit. A política de austeridade não é apenas cortar gastos, mas usar de forma mais eficiente os recursos. No caso da briga contra o monitoramento das florestas, é ainda pior porque o ministro do Meio Ambiente tem falado em contratar um serviço privado para fazer o mesmo que o setor público já faz. Que explicação terá o governo, que corta gastos com educação, para contratar uma empresa privada para monitorar o desmatamento, que é a função do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)? Nenhuma explicação é boa. O ministro Ricardo Salles fala constantemente disso, desde antes da posse. Qualquer que seja o custo será inaceitável num contexto em que o governo precisa economizar.

Austeridade é usar de forma mais eficiente possível os órgãos públicos, o trabalho dos servidores, os equipamentos, a máquina. O custo fixo já está dado. Os salários dos servidores são pagos, a máquina é sustentada pelo Orçamento, os investimentos em todos os instrumentos e ferramentas de trabalho já foram feitos. Quando o presidente abre uma guerra contra os órgãos ambientais ele está inibindo a prestação de serviços que são pagos por nossos impostos.

Uma das funções do Inpe é monitorar o desmatamento, e é o que o instituto tem feito no cumprimento do princípio da responsabilidade. Esse é seu dever. Nas últimas semanas o órgão foi acusado de mentir sobre os dados, de estar ligado a ONGs, de os dados serem ruins para o país, e, por fim, Bolsonaro exonerou o diretor Ricardo Galvão que tinha mandato para mais dois anos. O governo quer que o Inpe não monitore, que os dados não sejam divulgados, que os servidores não trabalhem.

O Inpe fez investimentos em novos equipamentos e tecnologias para saber com mais precisão e rapidez os números do desmatamento. Por isso foi criado o Deter, para se ter, além do dado anual do Prodes, um alerta em tempo real. Em 2015, para melhorar os dados do Deter, passou a usar o satélite sino-brasileiro (CBERS-4) capaz de “ver” áreas menores. Os cientistas do instituto sempre alertaram que a melhor forma de entender os dados não é a comparação de um mês contra o mesmo mês do ano anterior, porque pode haver um efeito de cobertura de nuvens distorcendo o dado. É melhor fazer uma comparação em bases mais longas, de 12 meses, a cada mês. Assim: o período de agosto de 2018 a julho de 2019 deve ser comparado com os 12 meses de agosto de 2017 a julho de 2018. Resultado: dá 49,5% de aumento. É alto e deveria levar o governo a agir. Contra o desmatamento e não contra o Inpe.

O ministro do Meio Ambiente escala a cada semana abriga sem sentido contra a Noruega e o Fundo Amazônia. No Fundo, ele acabou coma representação de cada um dos nove estados. Agora há apenas um. Eles receberam dinheiro do Fundo para a implantação de políticas públicas. O governo alega estar brigando com as ONGs, mas está tirando recursos das administrações estaduais.

O estrago para a imagem do Brasil da desastrada política ambiental do governo é evidente. Três influentes órgãos dedicaram grande espaço ao assunto recentemente: “The Guardian”, “The New York Times” e “Economist”. Eles são lidos por dirigentes de empresas e fundos de investimentos que prestam contas a acionistas e cotistas. Isso pode, também, alimentar barreiras contra o agronegócio. O maior preço a pagar, contudo, é de todo o país, que perde patrimônio natural, paga o salário de servidores que são constrangidos no exercício de seu dever e sofrerá as consequências climáticas da insensatez. A economia não está encapsulada em seus conceitos. Precisa ser capaz de ver além dos dogmas para entender o que também é desperdício, risco e prejuízo.

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