- Valor Econômico
Limite para a dívida pode ser a âncora da política fiscal
A comissão criada pelo relator da proposta de emenda constitucional (PEC) 438/18, deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), para definir um novo desenho de regras fiscais para o Brasil debateu, recentemente, o modelo utilizado pela Suécia. Desde 1997, o governo daquele país adota uma política fiscal que tem um limite para a dívida pública bruta - a âncora do regime - uma meta fiscal e um teto para os gastos de base móvel.
Há um reforço importante às regras: a legislação adotada pela Suécia exige que o governo adote todas as medidas necessárias para evitar que o teto de gastos seja descumprido, inclusive encaminhando ao Parlamento proposições legislativas que julgar necessárias.
Quem tiver interesse em conhecer mais sobre o modelo de regras fiscais daquele país pode acessar o Estudo Técnico nº 24/2018, disponível na página da Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional, de autoria do economista Hélio Tolini, ex-secretário da Secretaria de Orçamento Federal (SOF) e consultor da Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados.
A Suécia enfrentou uma grave crise econômica no início da década de 1990 que derrubou o Produto Interno Bruto (PIB) do país por três anos consecutivos, aumentou o desemprego e provocou déficits nominais do setor público que excederam 10% do PIB. Para enfrentar a situação, Tolini informa, em seu estudo, que o governo sueco introduziu metas fiscais, fez a reforma da Previdência, a reforma tributária, deu independência ao banco central e instituiu o regime de metas para a inflação.
Uma agenda semelhante, é bom que se diga, à que o governo brasileiro está tentando executar neste momento, em que o país continua com altas taxas de desemprego e com a economia com crescimento anêmico, depois de forte recessão.
Como a maioria dos países membros da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), a Suécia utiliza um quadro das despesas de médio prazo (QDMP) como um instrumento básico de sua política fiscal. O quadro é usado pelo governo sueco para realizar o seu planejamento fiscal de médio prazo, fixando o teto de gastos de caráter impositivo com três anos de antecedência e subtetos de caráter indicativo para 27 áreas temáticas, como explica Tolini em seu estudo.
A âncora da política fiscal do governo sueco é o limite para a dívida bruta consolidada que, para 2019, foi fixada em 35% do PIB. Se a dívida se desviar, para cima ou para baixo, mais de cinco pontos percentuais do PIB, o governo é obrigado a apresentar uma comunicação ao Parlamento, explicando a causa do desvio e apresentando um plano de como pretende retornar a dívida para o patamar determinado.
Ao elaborar a proposta orçamentária, o governo sueco trabalha com um teto de gastos (que exclui a despesa com os juros da dívida) para um período de quatro anos, sendo que o valor definido para o terceiro ano (T+2) é considerado impositivo. Ou seja, não pode ser alterado nos novos cenários a serem apresentados em anos seguintes. Para o quarto ano, o valor é apenas indicativo.
Os novos cenários econômicos são anualmente analisados. Com base neles, o governo define o teto de gastos para outro período de quatro anos. Há, portanto, a possibilidade de ajustar o valor do teto ao fim de três anos. O objetivo do modelo é evitar pressões políticas de curto prazo e dar uma previsibilidade para a trajetória da despesa. As metas de resultado primário são fixadas também para o período de quatro anos. Tanto o teto de gastos como a meta de resultado primário são fixados para manter a dívida bruta na trajetória definida.
O modelo sueco prevê também a existência de uma "margem orçamentária". Ou seja, uma reserva de recursos que não é distribuída entre os órgãos. Ela serve para evitar alterações no teto de gastos por causa de incertezas na evolução das despesas provocadas por mudanças da conjuntura econômica ou erros de estimativas. A reserva varia de 1% a 3% do valor do teto, dependendo do ano.
Há muita semelhança entre os instrumentos fiscais disponíveis e os processos orçamentários da Suécia e do Brasil. A semelhança mais evidente, segundo Tolini, é a estruturação do processo orçamentário em duas etapas distintas. Aqui, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) antecede a proposta orçamentária. Na Suécia, uma Lei de Política Fiscal, apresentando o cenário macrofiscal, é aprovada antes da lei orçamentária.
Mas há, como é evidente, grandes diferenças entre os dois modelos. O teto de gasto no Brasil foi fixado para o período de dez anos, com os valores anuais sendo corrigidos pela inflação. As medidas para o ajuste das contas públicas só podem ser adotadas depois que o teto for descumprido, o que, segundo a área técnica, é algo impossível de acontecer. O teto só será descumprido no momento em que todas as despesas discricionárias (custeio e investimento) forem cortadas, o que é uma impossibilidade, pois isso paralisaria totalmente a administração pública.
A segunda diferença marcante entre o modelo sueco e o brasileiro é que, no marco legal do Brasil, não existe uma determinação para que as metas fiscais sejam estabelecidas de forma compatível com uma trajetória pré-definida para a dívida bruta. Em seu artigo 30, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) determinou que o Senado aprovasse limites globais para o montante da dívida consolidada de União, Estados e municípios.
O Senado só aprovou para os Estados e municípios, pois o governo federal nunca aceitou um limite para a dívida da União. A LRF também determinou que fossem aprovado limite para o montante da dívida mobiliária federal e que ele fosse compatível com o limite para a dívida consolidada. Isto nunca foi feito.
Na comissão criada pelo deputado Rigoni, que conta com participação de representantes do Ministério da Economia, um princípio de entendimento começou a ser esboçado. A necessidade de estabelecer um limite para a dívida, como âncora da política fiscal, parece ser o caminho a ser proposto, assim como a obrigação de o governo adotar medidas de ajuste para que o teto de gastos seja cumprido.
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