- O Globo
Escolas para militarizar consciências
Alguém deveria explicar ao presidente da República que a época de impor coisas a pessoas ou comunidades já passou. Embora esse seja um país muitas vezes inacreditável, o tempo de empurrar decisões goela abaixo acabou há mais de 30 anos. Na quinta-feira, ao lançar programa para ampliar o número de escolas cívico-militares no Brasil, Jair Bolsonaro reclamou com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, por ter consultado determinada escola sobre adotar ou não o modelo. A escola, ouvidos alunos, pais e professores, rejeitou a proposta. O presidente disse ao governador que a consulta era desnecessária. “Não tem que perguntar para pai e responsável. Tem que impor. Tem que mudar”, ele teve coragem de afirmar.
O modelo acrescenta ao currículo obrigatório das escolas princípios de moral e civismo, de patriotismo e todo aquele arsenal de conceitos que se conhece nas escolas geridas por militares. Mas, sobretudo, o que se prioriza é a disciplina. Ninguém é contra disciplina nas escolas. Ao contrário, as imagens de professores sendo agredidos por alunos em sala de aula são exemplos do que não se pode tolerar. Mas a disciplina e a segurança obtidas pela mão de ferro militar também podem ser alcançadas por boa gestão civil. O que as escolas precisam é de bons professores, bons diretores, equipamentos adequados e recursos para fazer todos esses elementos rodarem em harmonia.
Dar status cívico-militar a uma escola pública regular sem lhe garantir esse conjunto de necessidades é apenas dotar o ambiente de palmatórias. Os alunos passam a ser tratados como se fossem soldados. Segundo a professora Priscila Cruz, presidente e fundadora do movimento Todos Pela Educação, em artigo publicado na “Folha de S. Paulo”, o preço que se paga com esse modelo “é o senso de repressão e da supressão da individualidade dos alunos”. Ela diz ainda que “o favorecimento de projetos pedagógicos mais colaborativos e sintonizados com as competências do século 21” deveria ser o objetivo governamental, não as escolas militarizadas.
As escolas cívico-militares são diferentes dos colégios militares porque os currículos permanecem sob responsabilidade das secretarias estaduais de Educação. Elas também se distinguem das escolas civis regulares porque seus alunos usam fardas, cantam o Hino Nacional, cortam os cabelos de acordo com o padrão militar e são monitorados por militares da reserva contratados exatamente para fiscalizar esse conjunto de, digamos, bobagens. E essa, aliás, é a outra sacada por trás do modelo. Além de doutrinar a garotada, as escolas servirão para abrir mais algumas boquinhas remuneradas pelos cofres públicos para militares da reserva.
Se de fato o governo alcançar o seu objetivo de transformar 216 escolas regulares em cívico-militares e contratar três militares por escola, pelo menos 648 oficiais da reserva terão um extra garantido para organizar a execução do Hino Nacional no início dos turnos, dar ordem unida, fiscalizar as fardas dos alunos e não deixar que a meninada se altere. Boquinha ou não? E há ainda um problema de isonomia a ser enfrentado. Segundo o MEC, os militares bedéis que serão contratados receberão 30% da remuneração que percebiam na ativa. Quer dizer, um coronel ganhará mais do que um major para exercer a mesma função.
O MEC alega que os alunos das escolas cívico-militares já em funcionamento têm melhor desempenho que os matriculados em escolas normais e que a evasão é muito menor. De acordo com Priscila Cruz, as escolas regulares bem geridas também são melhores do que as mal administradas, o rendimento dos alunos é melhor e a evasão é da mesma forma menor. A questão é de gestão, não de militarização. O que está por trás disso, em última análise, e aí não se pode negar transparência ao presidente Bolsonaro, é militarizar consciências desde cedo.
“Queremos colocar na cabeça de toda essa garotada a importância de valores cívico-militares, como tínhamos há pouco no governo militar, sobre educação, moral e cívica, sobre o respeito à bandeira”, nas palavras do capitão.
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