- Editoriais de hoje:
Uma reforma sem projeto – Editorial | O Estado de S. Paulo
O ministro da Economia, Paulo Guedes, continua em busca de uma reforma tributária, segundo ele mesmo anunciou. Sem poder ressuscitar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), a equipe econômica procura uma fórmula para livrar as empresas da contribuição previdenciária sem abrir um buraco nas contas da Previdência. Só isso? Sim, só isso ou bem pouco mais, segundo as informações até agora fornecidas pelo Executivo. As mudanças defendidas pelo ministro da Economia e pelo recém-demitido secretário da Receita, Marcos Cintra, podiam divergir em alguns detalhes, mas coincidiam em dois pontos fundamentais. As alterações dependiam, nos dois casos, de uma versão mais potente do chamado imposto do cheque, a extinta CPMF. Além disso, a desoneração da folha salarial das empresas seria, em qualquer dos casos, um dos objetivos centrais. Também se prometeu simplificar o sistema de impostos e contribuições, mas a grande utilidade da nova CPMF seria, mesmo, livrar os empregadores do custo previdenciário.
Como o presidente da República proibiu a circulação do vampiro tributário, o imposto do cheque libertado da cova, foi preciso recomeçar todo o trabalho. As ideias de reforma tributária do ministro da Economia, como se comprovou mais uma vez, eram pouco mais que nada. Que o secretário da Receita por ele escolhido insistisse em algo como a CPMF era previsível. O economista Marcos Cintra era conhecido, havia muito tempo, pela pregação de um imposto único. Que esse tributo seria parecido com o velho imposto do cheque também era sabido. Uma das poucas novidades foi a adesão do ministro Paulo Guedes a essa ideia como se fosse uma fórmula milagrosa. Outra novidade – esta um tanto chocante – foi a insistência na desoneração da folha como grande foco da reforma.
Em quase nove meses de governo, assim como durante a campanha eleitoral, o atual ministro da Economia nunca iniciou uma discussão ampla sobre os defeitos da tributação em vigor nem sobre a construção de um sistema funcional, favorável ao crescimento, à modernização e à integração do País ao mercado global e às cadeias de valor.
Simplificação seria um objetivo importante, sim, mas apenas um entre muitos. Além disso, uma discussão realmente séria envolveria o conjunto do sistema, nos níveis federal, estadual e municipal. Se um projeto para todo o sistema fosse considerado inviável ou muito difícil, o governo central teria motivo razoável para fixar um objetivo menos ambicioso para uma primeira etapa.
Mas tomaria um bom caminho se partisse de um projeto ambicioso, levando em conta a ideia de ampliação numa etapa seguinte. Algumas das maiores distorções do sistema estão no tributo estadual mais importante, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Seria necessário, por exemplo, pensar na desoneração completa das exportações, sem diferença entre produtos elaborados e os demais. A desoneração dos primários tem sido garantida com recursos da Lei Kandir, aquela lei, criada há mais de 20 anos, que, por incrível que pareça, foi concebida como solução provisória, para durar pouco tempo.
Mas ninguém, no governo federal, abriu um debate realmente amplo e bem informado sobre todo o sistema. Nem sequer chegou a propor com clareza uma articulação entre a sua reforma e qualquer mudança aplicável aos Estados. Dando um passo atrás: como se poderia conciliar, por exemplo, a nova CPMF com a tributação estadual? O tributo sobre movimentação financeira incidiria em cascata sobre o ICMS, como incidia o velho imposto do cheque?
Livrar empresas do encargo previdenciário é um objetivo muito pobre, até porque a criação de empregos depende infinitamente mais do crescimento econômico do que do barateamento das contratações. Compensar essa desoneração com o aumento de outros tributos – por exemplo, pela redução de isenções do Imposto de Renda Pessoa Física – poderá ter efeitos muito regressivos. Mas isso parece importar à equipe econômica tão pouco quanto a funcionalidade geral do sistema tributário.
Meu pirão primeiro – Editorial | Folha de S. Paulo
Corrida por verba envolve de militares a congressistas e impõe mediação política
O teto para os gastos federais inscrito em 2016 na Constituição deve ser encarado como uma medida emergencial, a durar somente até o reequilíbrio das contas do governo. Entretanto o aprendizado da sociedade com o mecanismo deveria se mostrar mais duradouro.
Nunca se demonstrou de modo tão evidente ao país que a elaboração do Orçamento implica escolhas difíceis, a exigir a comparação de benefícios e custos —e que a alocação de recursos adicionais para uma determinada atividade significa perdas para outras.
Ou, num exemplo mais palpável, que a criação de vantagens para a carreira militar —ao custo de R$ 4,7 bilhões em 2020, conforme reportagem desta Folha— obriga os gestores a retirar verbas de outras finalidades, sejam obras de infraestrutura, sejam bolsas para o financiamento da pesquisa científica.
Na tradição brasileira, a defesa de novos gastos públicos se ampara em objetivos isolados do contexto geral. No caso em tela, o aumento da remuneração das Forças Armadas corrigiria uma injustiça percebida por oficiais de alta patente, que reclamam ao ver servidores civis em início de carreira recebendo salários maiores.
O mesmo se dá em causas menos e mais nobres. Partidos políticos pressionam por mais verbas para o financiamento de eleições; a Câmara dos Deputados ensaia quadruplicar os repasses da União para a educação básica.
Discute-se, quando muito, a justeza da causa. Não se leva em conta se existe dinheiro para tanto, muito menos se a aplicação reivindicada é a mais adequada e eficiente.
Desde a redemocratização o Orçamento tem sido usado como amortecedor de conflitos sociais, ao acomodar as mais diferentes demandas mesmo sem os meios necessários —por meio de inflação, aumento de carga tributária ou endividamento. Todos esses artifícios parecem esgotados.
Não há mais como expandir simultaneamente despesas com educação, saúde, amparo à velhice, assistência, segurança, defesa, cultura, infraestrutura e outras tantas áreas também defensáveis. Pelo contrário, é preciso definir quem perderá mais e menos.
A única forma virtuosa de arbitrar as prioridades do gasto público é a mediação política. A opção de elevar vencimentos militares em detrimento da educação ou da ciência reflete, decerto, preferências do governo Jair Bolsonaro (PSL), mas provavelmente não do conjunto da sociedade.
Nesse cenário, cabe ao Congresso uma atuação mais altiva e responsável no debate orçamentário. Os parlamentares não estarão à altura da tarefa enquanto se dedicarem à demagogia perdulária ou apenas aos próprios interesses.
A busca pelo equilíbrio na Amazônia – Editorial | O Globo
Deve-se chegar ao consenso sobre a execução de projetos que protejam a floresta sem impedir sua exploração
Transformada em assunto mundial, merecidamente, e colocada no centro de uma crise diplomática em que só o Brasil perdeu, a Amazônia precisa ser tratada por todos com serenidade. O presidente francês, Emmanuel Macron, errou ao levar a questão do desmatamento e das queimadas na região ao encontro do G-7, sem a presença do Brasil, e de uma forma que só fez inflar o velho sentimento nacional de “defesa da Amazônia” historicamente cultivado pelos militares.
De forma acertada, no encontro, a chanceler alemã, Angela Merkel, descartou a ideia de Macron de impedir a assinatura do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, em retaliação. Na verdade, Macron se aproveitou da crise para se livrar das pressões que sofre dos agricultores franceses contra o tratado. Mas a melhor forma de induzir o governo brasileiro a proteger a Amazônia é firmar o acordo, em que existe uma cláusula ambiental.
O lado brasileiro também precisa rever a atuação. Não bastasse Bolsonaro haver prometido que o Brasil sairia do Acordo de Paris sobre o Clima —erro de que recuou —, seu governo, por meio do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, passou a desmantelar os sistemas de vigilância e de controle da região.
Mesmo que as queimadas da temporada não tenham sido tão grandes como no passado, o desmatamento na Amazônia, entre janeiro e agosto, quase dobrou (aumento de 91,9%), em relação ao ano passado, de acordo com os dados do sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), cujo diretor, o cientista Ricardo Galvão, foi exonerado.
O flagrante descaso com os sistemas de vigilância da região, exposto pelo corte de verbas, por exemplo, para a prevenção de incêndios no ano que vem, pode ter a justificativa da crise fiscal. Ou isso servir de álibi conveniente.
Passados os momentos mais tensos da crise, o aconselhável é se buscar um terreno comum em que se possa dialogar em busca de apoio a ações razoáveis de proteção da floresta, mas sem impedir sua exploração econômica, para dar subsistência aos 20 milhões de habitantes daquela região.
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, tem demonstrado a serenidade que falta a outras autoridades. Faz parte do governo Bolsonaro, o qual defende de acusações que considera infundadas, mas não descarta a ajuda externa e apoia a integração de pequenos agricultores e suas comunidades a sistemas de produção que usem métodos autossustentáveis. Quem será contra?
Os governadores dos estados locais contribuem para a moderação, ao fazerem contatos com diplomatas da Noruega e Alemanha, a fim de restabelecer o funcionamento do Fundo Amazônia, onde há US$ 1,3 bilhão em doações para projetos como os citados por Tereza Cristina. É preciso equilíbrio e sensatez nesta hora.
Fed volta a cortar juros e não vê sinais de recessão – Editorial | Valor Econômico
Federal Reserve sinaliza mais um corte no ano e não vê recessão em 2020
O Federal Reserve americano reduziu os juros ontem para a faixa de 1,75% a 2% e só tem a intenção de fazer um novo corte em 2020, se as condições da economia permanecerem como estão. Ao mesmo tempo, o presidente do Fed, Jerome Powell, disse que é difícil ver com algum grau de certeza o que pode ocorrer em 2020. Uma aposta é que não haverá recessão, a outra é a de que os juros nos Estados Unidos não mergulharão em terreno negativo, como na Europa e no Japão. Os repentinos problemas de liquidez surgidos nos últimos dois dias, que obrigaram o banco a realizar operações de compras com compromissos de recompra (reverse repo) que envolveram US$ 128 bilhões, não chegaram a surpreender o Fed e Powell afirmou que eles não afetam os rumos da política monetária.
As divergências internas sobre os rumos da política monetária aumentaram no Fed. Dois membros do Fomc indicaram que não era o momento para se fazer mais um corte das taxas (os mesmos da reunião anterior) e outro defendeu uma redução mais forte - dos 10 integrantes que votam, 7 acompanharam o consenso organizado por Powell, em estado crescente de erosão.
O cenário principal vislumbrado pelo Fed não se alterou. No geral, são a desaceleração da economia global e as restrições ao comércio internacional colocadas pelos Estados Unidos contra a China que afetam as duas condicionantes que o Fed olha para tomar decisões monetárias, emprego e inflação. A Europa e a China estão crescendo menos e, no caso europeu, as incertezas que levaram ao acúmulo de uma montanha de títulos com juros negativos influenciaram também a inversão da curva de juros nos Estados Unidos. Powell não atribuiu muita relevância a este fato e não está no radar da maioria do banco um evento recessivo.
As projeções pelo gráfico de pontos indicam mudanças mínimas no crescimento da economia este ano (de 2,1% na reunião de junho para 2% agora) e estabilidade no ano que vem (2%). Com isso, os EUA estão muito próximos de sua expansão de longo prazo, estimada em 1,9%. Entre os fatores positivos do desempenho estão o forte consumo interno, que se mantém, e o grau de confiança do consumidor. Entre os negativos estão a queda dos investimentos das empresas e das exportações, estas claramente influenciadas pela guerra comercial declarada pelo governo de Donald Trump, e jamais mencionada como tal por Powell.
Se a performance da economia americana não mudou significativamente ao longo das duas reuniões do banco central, a perspectiva para a inflação também não, ou seja, a necessidade de uma política monetária acomodativa persiste. Embora Powell acredite que a inflação caminhe para a meta de 2%, a expectativa média dos membros do Fomc é de que ela chegue lá apenas em 2021 (considerando-se o núcleo dos gastos de consumo pessoal, medida preferida do Fed). Com sorte, ela fará pequena escalada, atingindo 1,8% agora e 1,9% no ano que vem. O índice cheio, porém, claudica. Não passa de 1,5% em 2019 e apenas aproxima-se da meta com mais velocidade em 2020, quando atingiria 1,9%.
Os investidores aguardam mais dois cortes das taxas até o fim de 2020, ante apenas uma sinalizada pelas projeções dos integrantes do banco. O Fed vê um corte este ano e está dividido quanto a 2020 - metade por manter os juros, outra metade por elevá-lo uma vez. O principal crítico da política monetária do Fed, o presidente Donald Trump, demonstrou mais uma vez sua insatisfação, ao tuitar que “falta coragem, senso e visão” a Powell, chamado de “péssimo comunicador”.
Os dados mais recentes da atividade econômica dão certa razão à atitude cautelosa da maioria do Fomc. Agosto mostrou melhoria da atividade da indústria, após os escorregões dos meses anteriores. O ritmo de construção de novos imóveis no mês foi o maior em 12 anos. O desemprego continua abaixo da tendência histórica, em 3,7%. A política de estímulos monetários terá de ser graduada pelos dados futuros, voltou a repetir Powell.
Apesar de contrariar a expectativa mais complacente dos investidores, que aguardavam mais dois cortes no ano, a decisão foi bem recebida pelos mercados. As bolsas se moveram suavemente para o terreno positivo, assim como o dólar e os rendimentos dos títulos do Tesouro. O dólar, pode se valorizar mais, diante do desaquecimento global, mais intenso na Europa e pelo diferencial de juros, positivo nos EUA e negativo nos países europeus.
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