quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Merval Pereira – Nação e Exército

- O Globo

Militares não querem ser confundidos como parte do governo Bolsonaro, como não quiseram em outros governos

A relação entre os militares e o presidente Jair Bolsonaro foi mais uma vez colocada em xeque por interferência do guru Olavo de Carvalho, que foi ao YouTube para criticar a edição do livro do sociólogo Gilberto Freyre “Nação e Exército” pela Biblioteca do Exército.

O lançamento será amanhã na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), para comemorar os 70 anos da edição do livro. Olavo de Carvalho estranhou, questionando se a decisão seria uma indicação de que militares estariam se unindo a comunistas para afrontar o presidente da República.

A análise nesse sentido foi publicada no blog bolsonarista Sociedade Militar, interpretando que a publicação do livro marca “o fortalecimento de uma ala mais progressista da força terrestre” e um “gradual afastamento do presidente da República e do governo como um todo”.

O que provocou a ira de Olavo de Carvalho, que normalmente é elogiado pelo blog bolsonarista. No seu blog, Olavo disse não acreditar que essa análise representasse a visão do Exército. A informação de que Gilberto Freyre, em 1949, fazia parte da Aliança Nacional Libertadora, formada por comunistas, antifascistas e militares descontentes, e que, portanto, o livro representaria uma visão ideológica diferente da do Exército é rechaçada pelos militares responsáveis pela edição. Que, aliás, começou a ser pensada cerca de três anos atrás, sendo impossível atribuir a ideia a uma mensagem cifrada contra o governo Bolsonaro.

O neto de Gilberto Freyre, que é secretário de Cultura do governo de Pernambuco, aprovou a ideia e fará um lançamento também em Recife. No livro, Gilberto Freyre defende a tese de que o Exército não deve ser convocado pela sociedade para atuar em todos os momentos de crise.

Debate que continua atual devido ao acionamento do Exército para a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em vários pontos do país, além de atuações na área de infraestrutura. A mensagem de Freyre é de união entre civis e militares para enfrentar os desafios futuros, como está ressaltado no livro. Os militares, na verdade, não querem ser confundidos como parte do governo Bolsonaro, como não quiseram em qualquer outro governo, pois fazem questão de serem reconhecidos como parte de instituições do Estado brasileiro.

A participação de militares no governo Bolsonaro não significa a presença das instituições militares no governo, fazem questão de afirmar. O comandante do Exército, general Pujol, sempre acentua que o Exército é uma instituição do Estado brasileiro, e não de governos, que são eventuais e ligados a partidos políticos.

Por isso, há uma preocupação, por exemplo, com a adoção de “escolas militarizadas”, que fazem parte do programa do Ministério da Educação e foram prometidas na campanha por Bolsonaro como política de governo, embora alguns estados já estivessem colocando em prática a ideia.

Essa proposta não conta com o apoio do Exército, cujos líderes consideram que o que se busca com essa adjetivação das escolas é segurança e disciplina, que não são objetivos dos colégios militares, mas consequência de um programa mais amplo de preparação dos alunos para a vida na sociedade.

Tanto que eles não são restritos aos militares, havendo oficiais superiores que não cursaram um Colégio Militar, e civis que cursaram e não seguiram a carreira. Os colégios militares não fazem parte da formação da carreira, que tem três pilares: a Academia Militar das Agulhas Negras; a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (Esao) e a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme).

Os colégios militares são considerados educação assistencial, e são procurados por seus alunos, não impostos pelo governo. Não representam, portanto, uma filosofia educacional militar que possa ser transferida para o sistema nacional de educação.

Os militares como instituição consideram que muitas vezes são usados como válvula de escape de políticos, especialmente na segurança, e agora na educação, que os convocam quando a situação é grave, mas só assumem a responsabilidade quando as intervenções dão certo. Recaem sobre os militares as falhas, e seria da mesma maneira no caso de o programa educacional baseado nos colégios militares dar errado.

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