- O Estado de S.Paulo
Política externa baseada em laços pessoais causa mais problemas do que resolve
No momento em que esta coluna vai para publicação está ainda indefinido o resultado das eleições gerais em Israel. Não se sabe se Binyamin “Bibi” Netanyahu irá para o quinto mandato como chefe de governo em Jerusalém (um impressionante recorde) ou, ao contrário, se ele acabará até mesmo na cadeia, acusado de corrupção. Ou se dividirá de alguma forma o poder com amigos transformados em adversários, ou inimigos transformados em amigos.
Para o governo Jair Bolsonaro, a eleição israelense oferece uma eloquente lição, que até agora ele e seus assessores têm se recusado a admitir. Não é o fato de que apostas políticas podem dar assustadoramente (para quem aposta) errado – Netanyahu apostou que convocar uma nova eleição depois da apertada vitória nas últimas, em abril, o consolidaria no poder, o que não parece estar acontecendo.
Apostas que causam mais problemas do que resolvem são aquelas feitas em política externa nas pessoas, na relação pessoal entre governantes, uma evidente marca da maneira como o atual governo enxerga boa parte dos laços com o mundo lá fora. Os atuais entre Brasil e Israel foram descritos como resultado da “amizade pessoal” entre Bibi e Jair. Também o que seria a “reorientação” do Brasil em relação ao complexo quadro do Oriente Médio surge nessa descrição como consequência desse entendimento pessoal.
Ao que tudo indica, do ponto de vista político, o Bibi depois das eleições não será o mesmo Bibi de antes. Efeito semelhante foi registrado há menos de dois meses na Itália. Condutor (no sentido mesmo de “condottieri”) de uma vigorosa campanha política da direita italiana, Matteo Salvini fez uma arriscada manobra política e perdeu. Foi apeado do poder, o país foi para uma improvável coligação de grupos antiestabelecimento com a esquerda e Bolsonaro ficou sem um de seus mais eloquentes amigos dentro da Europa – uma aposta pessoal com a qual se pensava numa rearticulação de movimentos semelhantes que incluiria o Brasil.
Nesse sentido, ao que tudo indica o pior vai acontecer no país cujas relações são historicamente as de maior importância para o Brasil: a Argentina. Bolsonaro apostou que seu empenho pessoal em dar respaldo político ao atual presidente, Maurício Macri, consolidaria não só o entendimento com um vizinho tão relevante, mas, muito além disso, ajudaria a coordenar uma “onda” política em torno de um eixo liberal-conservador (para utilizar uma nomenclatura do debate político brasileiro) numa região notória pelo apego a populistas, sobretudo de esquerda.
Está dando muito ruim para quem apostou. Pessoalmente odiados por Bolsonaro (a recíproca é verdadeira), peronistas responsáveis em ampla medida pelo mais recente fracasso econômico de um país extraordinariamente rico em recursos naturais voltarão ao poder em cerca de um mês. Por ter pessoalmente se empenhado, não há como negar que Bolsonaro terá sido pessoalmente derrotado.
Ainda assim é possível prever que as relações entre vizinhos tão dependentes entre si, como é o caso de Brasil e Argentina, não vão se deteriorar a ponto de uma hipotética ruptura ou paralisia. A abrangência dos assuntos e os interesses envolvidos vão muito além de amizades ou inimizades pessoais entre mandatários políticos. O mesmo vale em grande medida para Brasil e Estados Unidos, país no qual Bolsonaro aposta fervorosamente na reeleição do amigo Donald Trump em 2020.
Significa, então, que o “lado pessoal” nas relações entre países não tem importância? É óbvio que ajuda – ou atrapalha. Depende de entender que países não têm amigos, têm interesses. Saber quais são e promovê-los sem submetê-los às tais relações pessoais é o que, de fato, permite ganhar sempre, não importa qual a aposta.
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