quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Ribamar Oliveira - Entre o gradual e o choque está o possível

- Valor Econômico

Desindexar o mínimo exige três quintos dos votos do Congresso

A proposta de reforma da Previdência Social, aprovada pela Câmara dos Deputados e prestes a ser votada pelo Senado, prevê a indexação dos benefícios previdenciários e assistenciais. Foi o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, que propôs a correção para manter o valor real dos benefícios, no texto original que encaminhou ao Congresso, em fevereiro deste ano.

Agora, Guedes quer acabar com a indexação para reduzir o crescimento das despesas obrigatórias. Qual é a chance de a proposta ser aprovada? Ou seja, que deputados votem contrário ao que acabaram de aprovar e que senadores votem contra o que irão aprovar em breve?

Em artigo publicado recentemente no Valor, o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Carlos Von Doelling, disse que o Brasil vive hoje um dilema: seguir uma trajetória gradualista para combater o déficit fiscal ou tentar uma alternativa de choque. Para ele, a alternativa mais sensata é o choque. Ao permanecer na linha gradualista, segundo Doelling, “perpetua-se o círculo vicioso déficit-dívida”.

Uma alternativa para o choque, segundo Doelling, seria aprovar as medidas previstas na proposta dos “3ds” defendida pelo ministro Guedes. Ou seja, fazer a desindexação das despesas orçamentárias, a desvinculação e a desobrigação, embora ainda não se saiba exatamente o que Guedes pretende com o terceiro “d”.

Com a desindexação das despesas, de acordo com alguns de seus interlocutores, o ministro da Economia espera acabar com a correção automática e anual do salário mínimo e de todos os benefícios previdenciários e assistenciais.

Neste ponto, Guedes inova, pois até agora a maioria dos economistas, preocupados com o crescimento vertiginoso das despesas públicas, propunha apenas acabar com a vinculação dos benefícios previdenciários e assistenciais ao salário mínimo. Isto porque a legislação em vigor estava concedendo aumentos reais para o piso, que eram repassados aos benefícios previdenciários e assistenciais, provocando um forte crescimento dos gastos públicos.

Os interlocutores de Guedes informam que a proposta do ministro vai mais longe, pois prevê que não haverá correção anual pela inflação dos benefícios previdenciários e assistenciais nem do salário mínimo. Não se trata de impedir aumentos reais, mas de evitar correções automáticas dos valores dos benefícios pela inflação passada, ou seja, a preservação do valor real.

Um estudo divulgado recentemente pela Secretaria de Política Econômica (SPE), do Ministério da Economia, estimou que 81% do aumento do gasto de 2019 para 2020 é explicado pela indexação e pelo crescimento vegetativo, que é o aumento do número de pessoas que recebem algum tipo de benefício oferecido pelo Estado. Só a indexação, ou seja, os reajustes vinculados à inflação e ao salário mínimo, representa 46% do aumento do gasto primário (não considera o pagamento dos juros da dívida pública).

Assim, o fim da indexação reduziria a despesa pública em R$ 35 bilhões em um único ano, abrindo espaço para aumentar os investimentos públicos e os gastos em áreas consideradas essenciais. A medida permitiria também cumprir o teto de gastos, que somente teria uma nova forma de correção em 2026, como prevê a Constituição.

“O Guedes tem essa ideia de ser para sempre [a desindexação do salário mínimo], mas acho que nem o Parlamento, nem eu, que sou o relator, nem o deputado Pedro Paulo [DEM-RJ], que é o autor da PEC, vamos bancar uma dessas”, disse ao Valor o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), que é o relator da proposta de emenda constitucional (PEC) 438/2018. Esta proposta dá um novo desenho às regras fiscais brasileiras.

Para o brasileiro, que sofreu as agruras dos períodos de hiperinflação e que até pouco tempo convivia com inflação anual superior a 6%, falar em não corrigir os benefícios para manter o valor real vai parecer um grande absurdo.

A cultura inflacionária ainda está presente no dia a dia da população e ela pressupõe a figura da indexação. Provavelmente, o Brasil terá que conviver um tempo ainda longo com taxa de inflação muito baixa para que a ideia da indexação seja abolida da cultura popular. Isto não poderá ser feito por decreto.

Para executar uma política de choque no combate ao déficit público, como quer Doellinger, o governo teria que contar com grande apoio político. Afinal, para desindexar o salário mínimo e os benefícios previdenciários e assistenciais, é necessário alterar a Constituição e, para isso, é preciso que 308 deputados e 49 senadores sejam favoráveis à medida. Isto dá a dimensão do desafio. É preciso acrescentar que no próximo ano haverá eleições municipais.

Ao avaliar que caminho tomar para enfrentar os problemas, a análise não pode ser apenas técnica, mas também política, como lembrou o deputado Pedro Paulo, em conversa com o Valor. Ele disse que o governo precisa defender a proposta de desindexação do salário mínimo e dos benefícios. “Não somente a defesa técnica, mas sim a política”, afirmou. E isso deve ser feito, na opinião do parlamentar, tanto pelo ministro Guedes, como pelo próprio presidente Jair Bolsonaro.

Para ele, o governo precisa dizer que a reforma da Previdência só enfrentou 40% do problema e que ainda falta resolver as outras despesas obrigatórias, que representam 60% do problema. “Assim, criamos as condições políticas para avançar.”

Os desafios para ajustar as contas públicas ainda são imensos, mas o país está avançando. A reforma da Previdência está para ser aprovada e há grande chance de que a reforma tributária seja votada ainda neste ano, pelo menos em uma das casas do Congresso.

A urgência neste momento é tornar possível que as medidas de ajuste previstas na emenda constitucional 95 possam ser acionadas pelo governo. Para isso, o governo e os parlamentares precisam continuar a discussão que está ocorrendo em torno da PEC 438/2018. O ajuste mais sensato é o politicamente possível.

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