- Valor Econômico
Direcionamento de eventual redução das despesas obrigatórias para investimentos públicos é alvo de discussão no governo
Discute-se, no governo, a viabilidade de se garantir, na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da revisão de regras fiscais, o direcionamento de eventual redução das despesas obrigatórias para investimentos públicos.
Segundo uma fonte graduada da área econômica, esse caminho seria uma alternativa a propostas de modificações no teto de gastos, rejeitadas amplamente no time do ministro Paulo Guedes.
Independentemente de se formalizar ou não tal dispositivo na nova legislação que está sendo gestada, é possível perceber maior preocupação na área econômica com a forte contração dos investimentos públicos nos últimos anos e suas consequências para o nível de atividade do país.
A ideia de tentar assegurar que eventual espaço nos gastos obrigatórios seja pelo menos em parte ocupado por investimentos contém a premissa de que o país precisa crescer mais rapidamente, inclusive para reforçar o ajuste fiscal que vem sendo feito há anos. “Se a economia não crescer, não tem como resolver a questão fiscal”, disse a fonte.
É bom deixar claro que essa discussão não significa mudança de concepção da equipe econômica sobre a necessidade de reduzir o tamanho do Estado. Mas mostra um reconhecimento da importância de o setor público investir mais, como ocorre no mundo avançado, a despeito do objetivo de se promover maior presença privada no conjunto de investimentos do país, em especial na infraestrutura.
No início do mês passado, Guedes lançou o conceito de “furar o piso” em vez de “elevar o teto” de gastos públicos, em vigor desde 2017. A ideia ali expressa é a de que a redução das despesas obrigatórias é o caminho para afastar os riscos de paralisia da máquina governamental, que ocorreu no ano passado e também neste ano, e ainda recuperar os investimentos.
O deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), provável relator na Câmara da PEC que vai revisar e harmonizar as regras fiscais, disse ao Valor que, de fato, há um debate entre os técnicos do governo e os do Congresso para tentar garantir o aumento dos investimentos a partir da redução de gastos obrigatórios. Ele pondera, contudo, que é necessário cuidar para que não se crie uma nova vinculação orçamentária, reforçando ineficiências.
“Existe a intenção de que o dinheiro economizado possa ser aplicado em investimentos, mas ainda não sabemos como fazer isso sem gerar outras ineficiências”, disse Rigoni, explicando que a liberação de eventuais recursos não deve ser só para investimentos.
O parlamentar acredita que a PEC pode ser aprovada ainda neste ano nas duas casas legislativas, provocando o acionamento dos gatilhos de redução de despesas obrigatórias já em 2020, como a diminuição da jornada de servidores públicos com redução de salários. Assim, afirma, seria possível mais que dobrar os investimentos.
Na área econômica, a ideia era colocar as despesas discricionárias - que incluem investimentos, mas também outras despesas - acima dos R$ 100 bilhões. Atualmente, estão em R$ 89 bilhões.
O acionamento imediato dos gatilhos de corte de gastos após a aprovação da PEC se daria por causa do déficit que existe na chamada “regra de ouro” das contas públicas, que define que o governo só pode se endividar para pagar investimentos, e não para cobrir gastos correntes. Esse dispositivo constitucional, hoje, não tem cláusula de escape ou de ajuste, que é o que está se pretendendo colocar na legislação, alinhando essa regra com a do teto de gastos.
Segundo Rigoni, com a PEC aprovada, o Orçamento de 2020 seria todo refeito, já com menores previsões, por exemplo, de despesas com pessoal.
Hoje há uma proposta da revisão da “regra de ouro”, de autoria do deputado Pedro Paulo (MDB-RJ), sendo discutida na Câmara. Mas na semana passada o ministro Paulo Guedes colocou o tema como prioritário e acertou com os presidentes da Câmara e do Senado que a sua discussão seja reiniciada pelos senadores, acoplada ao tema do pacto federativo.
Segundo Rigoni, mesmo que esse novo trâmite se confirme, há chances de aprovar a PEC neste ano, dado o tom de prioridade ao tema manifestado por Guedes na semana passada.
Na área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU), há simpatia em torno dessa discussão de rever e harmonizar as regras fiscais.
Uma fonte aponta que a redução das despesas obrigatórias é realmente o melhor caminho para ampliar os investimentos. O mesmo interlocutor reforça que a União também precisa trabalhar em uma carteira de projetos efetivamente estruturais para que o eventual mecanismo seja eficaz. “Não é qualquer gasto que pode ser chamado de investimento”, alerta a fonte.
É positivo que o governo e o Congresso trabalhem juntos para construir um novo arcabouço que não só dê mais racionalidade e harmonia ao sistema de regras fiscais do Brasil, mas também reverta a improdutiva trajetória de queda nos investimentos.
O processo de redução de gastos obrigatórios tem limites, políticos e técnicos. Certamente o país precisa de mais dinheiro público em obras estruturantes e para o bom funcionamento da máquina. A limitação imposta pelo teto de gastos, nos moldes atuais, também precisa ser discutida, como apontou o próprio presidente Jair Bolsonaro - que, repreendido por Guedes, voltou atrás.
Não se trata de defender a ausência de limites para o crescimento dos gastos públicos. Mas não são poucos os analistas que apontam o excesso de restrição que a correção somente pela inflação representa.
Seria interessante aproveitar a discussão das regras fiscais para reabrir o debate sobre o indexador do novo regime fiscal. Vale lembrar de algumas ideias que surgiram na origem dessa regra, como a vinculação do limite ao PIB nominal ou inflação mais uma taxa fixa. O processo de redução do Estado seria menos intenso do que alguns gostariam, mas o equilíbrio das contas públicas não estaria em risco.
Combinando-se redução de despesas obrigatórias com regras fiscais mais plausíveis, as chances de o Brasil conseguir equacionar o problema do crescimento com responsabilidade no gastos certamente se elevariam. Dogmatismo só produz baixo PIB sem solucionar a crise fiscal.
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