terça-feira, 1 de outubro de 2019

Paulo Hartung* - Investimento verde

- O Estado de S.Paulo

Clima é economia na veia, é oportunidade para o Brasil e para os brasileiros

Os recorrentes abalos ético-políticos no âmbito das institucionalidades, somados à instabilidade econômica que assola o Brasil ao longo de tantos anos, vêm incrementando dia a dia as dificuldades para a retomada do desenvolvimento no País. Uma crise fiscal profunda cerca de 12,6 milhões de desempregados.

Queda de renda e muita desconfiança com relação ao nosso futuro mantêm um horizonte de prosperidade vicejante como pura miragem. A perspectiva é de crescimento tímido, mesmo quando concluída a reforma da Previdência.

O governo adotou medidas para tentar acelerar a retomada, como a liberação de saques do FGTS e o incentivo à Semana do Brasil. Mas o caminho seguro para crescer é o investimento. E nessa rota do desenvolvimento há uma estação de parada obrigatória: a efetivação das reformas estruturantes, como a tributária, reforma de RH dos governos e privatizações, entre outros.

Somente pela refundação de leis e marcos regulatórios nacionais nos tornaremos um país viável a investimentos de relevância e na medida de nossas necessidades e oportunidades. Esse é o meio para impulsionar projetos e obras que criem oportunidades, restabeleçam a confiança na economia e ponham o Brasil, novamente, no rumo do desenvolvimento.

É urgente consertar as contas públicas na União, nos Estados e municípios. É preciso criar um ambiente de negócios sustentado por segurança jurídica, transparência e contemporaneidade com o mundo integrado que hoje experimentamos.

Mas não dá para ficarmos parados enquanto o País tenta atualizar-se. Em face da baixíssima capacidade de investimento público, este é o momento de setores maduros, que trabalham alinhados ao conceito de bioeconomia, fazerem aportes significativos na produção de riqueza no País, sinalizando que o futuro é inovação, sustentabilidade, competitividade e produtividade.

A indústria de árvores cultivadas para fins industriais, um setor nacional competitivo e integrado às cadeias globais, tem investimentos de R$ 32 bilhões previstos até 2023, com geração de 36 mil empregos nas obras e 11 mil vagas fixas na operação dos empreendimentos. Esse é um setor que, mesmo no período entre 2014 e 2017, quando a crise atingiu seu ápice e diversos segmentos apresentaram retração, investiu mais de R$ 20 bilhões no Brasil.

A Klabin, com investimentos na cidade de Ortigueira (PR) de R$ 9,1 bilhões, deve criar 9 mil empregos no período de expansão da fábrica. A Berneck iniciou as obras da nova unidade da empresa, que produzirá MDF e serrados, em Lages (SC), com mais R$ 850 milhões investidos. Em Mato Grosso do Sul, a Eldorado planeja uma usina de energia renovável, movida a biomassa, com investimento de R$ 350 milhões, que deve empregar 1.500 pessoas nas obras. Em Três Barras (SC), a WestRock está desembolsando mais R$ 1,2 bilhão, com 2.700 vagas temporárias.

Não para por aí. A Bracell aplica R$ 7,5 bilhões no interior de São Paulo, em Lençóis Paulista, que deve gerar 7,5 mil vagas no período de implantação. Já a Duratex, com investimentos de R$ 3,5 bilhões em Araguari (MG), abrirá mais 6,5 mil vagas. Nestes dois casos, as empresas trabalharão com celulose solúvel, produto inovador, que é capaz de produzir lenços umedecidos e tecidos finos para confecções.

Mais dois investimentos foram anunciados no Nordeste, um projeto da WestRock e outro da Klabin, mostrando a amplitude de regiões que essas iniciativas cobrem. São duas novas fábricas de embalagens de papel, importantes protagonistas da bioeconomia. Esse setor, aliás, é crucial para a entrega de produtos renováveis, biodegradáveis, e contribui para as metas do Brasil no Acordo de Paris e os objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 da ONU. É importante mencionar também a conclusão da fusão Suzano- Fibria no início de 2019, uma empresa que nasceu como a maior produtora de celulose de fibra curta do mundo.

Mas não adiantará investirmos altos valores se não cuidarmos do futuro. É necessário rever a maneira de fazer negócios, pensar em alternativas a materiais de origem fóssil.

Nesse sentido, os serviços ambientais realizados pela floresta em pé têm muito valor, até para girar a economia. As florestas são responsáveis por remover e estocar carbono, produzir o oxigênio que respiramos, conservam solo e água. Servem de hábitat para a biodiversidade. Tudo isso contribui para um regime de chuvas e clima mais estáveis, evita pragas e doenças, entre outros aspectos que impactam as atividades de uso da terra. O Brasil é uma potência ambiental.

A COP-25, que será realizada em Santiago, no Chile, em dezembro, é a oportunidade para que governo, setor privado, ONGs e academia se unam para que o Brasil assuma o protagonismo ambiental e auxilie o mundo na mitigação das mudanças climáticas. Não é à toa que o tema deixou de ser pauta de uma área e passou a ser assunto estratégico. Clima é economia na veia, é oportunidade para o Brasil e para os brasileiros.

Precisamos garantir que o artigo 6 do Acordo de Paris, que regulamenta internacionalmente o mercado de carbono, seja finalizado em Santiago. O mercado de carbono, com uma política clara e bem definida, pode incentivar o setor produtivo, principalmente os pequenos empreendedores, a atuar como indutor da economia de baixo carbono.

Se quisermos concluir a travessia rumo à retomada do crescimento econômico, é preciso acelerar os investimentos de porte e sustentáveis. O governo, com baixa capacidade de investimento, deve evoluir com a aprovação de reformas estruturantes, que melhorem o ambiente de negócios. Assim se abre espaço para o avanço dos recursos da iniciativa privada. Mas é preciso investir com consciência e atuar com responsabilidade, cuidando do meio ambiente e trabalhando para que o Brasil modernize sua governança, garantindo às futuras gerações condições para a construção de uma nova nação.

*Economista, presidente da IBÁ, foi governador do Estado do Espírito Santo (2003-2010 e 2015-2018)

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