sábado, 14 de dezembro de 2019

Hélio Schwartsman - O pulo no fosso

- Folha de S. Paulo

Quando a maioria dos eleitores decide marchar para o precipício, o país cai no abismo

Um dos problemas da democracia é que, quando a maioria dos eleitores decide marchar para o precipício, o país cai no abismo. É o que acontece no Reino Unido com a maiúscula vitória do premiê Boris Johnson.

A principal consequência da votação é que Johnson conseguiu carta branca para efetivar o divórcio entre os britânicos e a União Europeia, que agora deve ocorrer antes do final de janeiro. E é o brexit que pode ser objetivamente descrito como um pulo no fosso.

Embora muitos britânicos achem que a separação representará a retomada dos tempos gloriosos, nos quais o povo decidia seu próprio futuro sem a interferência de estrangeiros e em que os bons empregos não eram roubados por estrangeiros, ela significa, em termos mais concretos, a renúncia ao acesso privilegiado a um mercado de mais de 500 milhões de pessoas e a inutilização da melhor ferramenta para lidar com o problema da estagnação demográfica, que é a imigração.

Se é tão claro assim que o brexit é objetivamente ruim, por que tantos eleitores o apoiaram? Aí é que está o pulo do gato. A ideia de um Reino Unido glorioso e independente circula como meme e está ao alcance fácil de qualquer um que se disponha a apanhá-la. A constatação dos prejuízos, porém, exige a montagem de cenários contrafactuais mais difíceis de visualizar, que não raro envolvem muita estatística: como ficaria a economia se o Reino Unido continuasse na UE?

Um estudo do próprio governo britânico que vazou em 2018 estimou que, com o brexit, até 2034, o PIB ficará entre dois e oito pontos percentuais menor do que seria em caso de permanência. Com a saída nos termos pretendidos por Johnson, o prejuízo seria de 6,7 pontos percentuais.

O diabo é que as lideranças populistas estão cada vez mais hábeis em fazer com que os eleitores se enamorem dos memes fáceis e ignorem os cenários só um tiquinho mais complexos.

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