Relatório de danos – Editorial | Folha de S. Paulo
Vitória de premiê no Reino Unido reforça o brexit e é recado para a esquerda
O maior triunfo do Partido Conservador britânico desde o auge da era Margaret Thatcher é um conto sobre soberania popular.
Desprezado pela intelectualidade seu país, Boris Johnson será um primeiro-ministro legitimado para executar a intrincada saída da União Europeia. O brexit, aprovado por 52% dos eleitores em 2016, arrasta-se desde então.
O processo em si ainda suscita uma série de dúvidas. Questões econômicas e de liberdade de movimento já estão decantadas, porém novidades tendem a surgir dessa caixa de Pandora.
O relatório de danos inclui, por exemplo, risco existencial. A robusta votação de nacionalistas escoceses no pleito desta quinta (12) sugere que a separação do país do Reino Unido terá renovado ímpeto, com efeitos diretos na sempre instável Irlanda do Norte.
Nos três anos de debate, contudo, pouco se disse sobre os eleitores que escolheram o brexit. Em simplificação exagerada, seriam integrantes de antiquados segmentos da sociedade a se vingar de uma globalização excludente.
O argumento resistiu mal às urnas. Os motivos pelos quais o brexit constitui uma ideia ruim foram repetidos à exaustão desde 2016. Mas o eleitor falou, ampliando o poder de um premiê já altamente rejeitado. Uma explicação pode ser encontrada na concorrência.
O líder da oposição, o trabalhista Jeremy Corbyn, não reuniu condições para se colocar como um premiê viável por não transparecer credibilidade. Envolveu-se em escândalos, dos quais saiu com o carimbo de antissemita.
Para piorar, seu programa econômico previa uma volta ao mundo pré-Thatcher, com nacionalizações e arengas socialistas diversas.
O fracasso desse fóssil vivo deveria fazer soar alarmes na esquerda mundial, incluindo a brasileira, que se vê como uma solução natural de alternância política ao governo de Jair Bolsonaro mesmo ainda agarrada a arcaísmos.
O brexit sempre foi lido como a antessala de uma era de nacionalismos, de Donald Trump ao brasileiro, passando por Viktor Orbán na Hungria e Rodrigo Duterte nas Filipinas. As dificuldades recentes do americano e a derrota da direita italiana criaram uma expectativa de refluxo da tendência populista.
Boris Johnson, que sofreu derrotas duras no começo de seu termo, prova que há resiliência em movimentos considerados radicais ou simplesmente amalucados.
O recado não é só para as esquerdas. O centro brasileiro se debate entre polos, buscando soluções mágicas para ofertar em 2022. A todos os lados, falta entender os movimentos tectônicos que levam a sismos e erupções no eleitorado, assim como ocorreu com Corbyn.
Riscos do Brexit podem ser maiores sob liderança de Boris Jonhson – Editorial | O Globo
Rompe-se enfim o impasse político britânico, mas o primeiro-ministro tem tarefas desafiadoras pela frente
O primeiro-ministro Boris Johnson leva para casa o troféu da maior vitória do Partido Conservador desde Thatcher em 1987. Junto, vai a possibilidade concreta de afinal cumprir a promessa de tirar a Grã-Bretanha da União Europeia (UE), o Brexit, com ou sem acordo, a depender de aprovação do Parlamento, mas que Boris passa a controlar por uma margem de quase 80 assentos.
Entre as razões do rolo compressor, está a incompetência do Partido Trabalhista de Jeremy Corbyn de atrair votos da oposição ao Brexit e de insatisfeitos em geral com a plataforma populista de Johnson, que leva a Grã-Bretanha a aproximar-se do bloco isolacionista de Trump. No choque entre o populismo de direita e o de esquerda, ganhou o de direita, seguindo a tendência mundial. Os trabalhistas sofrem a maior derrota desde 1935.
A vitória de Johnson é um revés para o projeto europeu, mas não sua derrocada. O próprio Boris Johnson terá de enfrentar uma desafiadora missão. Para começar, no próprio bloco britânico, cujas tensões foram exacerbadas pela proposta demagógica brexista, vitoriosa por pequena margem em plebiscito realizado em 2016 (52% a 48%). Pelo menos os escoceses, que são contra o Brexit, devem acelerar seu movimento pela independência.
A vitória da separação no referendo já havia disparado um processo de revisão de planos estratégicos de grupos industriais e financeiros, para escapar dos efeitos da construção de barreiras protecionistas, decorrente deste projeto isolacionista.
Instituições financeiras instaladas na City de Londres, um dos centros globais das finanças, trataram de se mudar para Frankfurt, Paris e outras praças. Também na indústria, linhas de montagens que dependem de cadeias mundiais de suprimentos, como a produção de veículos, começaram a sair da Grã-Bretanha para escapar de possíveis sobretaxas.
O Legislativo sob controle dos conservadores de Boris deve aprovar o Brexit sem dificuldades. A questão é saber se o primeiro-ministro cumprirá a promessa de tirar a Grã-Bretanha da UE mesmo sem acordo. Deflagrará o caos na fronteira com o continente e na emigração. O perfil ousado e agressivo de Boris causa preocupação.
Seja como for, terá de negociar um tratado comercial com a UE, o que levará tempo. E confiar na palavra de Trump de que os Estados Unidos assinarão com Londres um acordo de comércio vantajoso para ambos os lados. Prognóstico arriscado. Pelo menos, o impasse político que paralisa os britânicos foi rompido. Da maneira como ocorreu, prenunciam-se mais turbulências.
Os dólares e a imagem do agro – Editorial | O Estado de S. Paulo
A grande barreira do Brasil contra choques externos tem sido e continua sendo o agronegócio, principal fonte de receita e garantia do superávit comercial. A principal ameaça ao agronegócio brasileiro, depois dos desastres naturais, tem sido o governo federal, principal fornecedor de argumentos ao protecionismo europeu. Nos 12 meses até novembro, o setor exportou produtos no valor de US$ 97,7 bilhões e acumulou um saldo positivo de US$ 84 bilhões nas trocas internacionais. Graças a isso o Brasil conseguiu nesse período um excedente de US$ 47,5 bilhões na balança de mercadorias, condição essencial para manter as contas externas em condição satisfatória. O excedente garantido pela agropecuária tem compensado o saldo negativo de outros setores e deixado uma sobra considerável.
Qualquer obstáculo a essas exportações é um risco para a solidez cambial do Brasil. Quem desconhece os efeitos desastrosos de uma crise cambial pode aprender algo dando uma olhada na crise argentina.
A ameaça de taxação de produtos de países poluidores reapareceu em Madri, nos últimos dias, na conferência sobre o clima promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU). O assunto foi mencionado por dirigentes da Comissão Europeia, em comentários sobre a proposta de um “Green New Deal Europeu”.
Mesmo sem decisão oficial, a mera referência ao assunto é inquietante. A questão ambiental tem reforçado o velho discurso protecionista europeu, apoiado pelo setor agrícola, já fartamente subsidiado, e por movimentos sociais.
Ao entrar num embate com a ativista sueca Greta Thunberg, a propósito de índios assassinados, o presidente Jair Bolsonaro mais uma vez se expôs como adversário do ambientalismo, ajudando, por tabela, quem acusa de devastação o agronegócio brasileiro.
O verdadeiro agronegócio, eficiente e competitivo, opera de maneira responsável e, além disso, há décadas tem ampliado a produção muito mais do que a área ocupada. Mas nem todos sabem disso e muitos preferem, com certeza, deixar esses fatos na obscuridade.
Não adianta condenar o protecionismo e ao mesmo tempo reforçar o discurso de quem lucra com a deturpação da imagem do Brasil. Perder mercados é geralmente uma tolice – e tolice maior é pôr em risco o acesso a um mercado como o europeu. É esta a questão.
A União Europeia é o segundo destino mais importante das exportações do agronegócio brasileiro. O maior é a China. Mas o bloco europeu, classificado logo em seguida, absorveu neste ano, até novembro, produtos brasileiros no valor de US$ 15,5 bilhões, ou 17,4% do total exportado pelo agronegócio. Foi a mesma participação registrada um ano antes, embora o valor tenha diminuído 3,8%. A parcela chegou a 17,6% nos 12 meses até novembro, com transações no valor de US$ 17,2 bilhões.
No mês de novembro, embora a participação asiática tenha atingido o recorde de 52,6%, por causa das exportações de carnes para a China, a fatia da União Europeia ainda ficou em 15,7%, ou US$ 1,3 bilhão. As vendas de carnes para o mercado asiático, de US$ 4,3 bilhões, foram 22,1% maiores que as de igual mês do ano passado.
As vendas externas do agronegócio representaram em novembro 46,6% do valor total das exportações brasileiras. A participação se manteve em 43,4% no ano e em 12 meses. Em todos os períodos considerados a fatia da União Europeia nos negócios do agronegócio brasileiro ficou quase estável, com pequena variação em novembro. Menosprezar esse mercado, pondo em risco a imagem dos produtores brasileiros, seria um erro terrivelmente custoso para o País.
Erros graves foram cometidos há meses, quando tropeços diplomáticos puseram em risco os negócios com países muçulmanos e com a China, maior parceira comercial do País. Essas imprudências foram corrigidas, em grande parte pelo esforço da ministra da Agricultura. O presidente da República participou, afinal, do conserto. Mas, seguido pelos ministros do Exterior e do Meio Ambiente, ainda age como se pouco ou nada houvesse aprendido com as falhas. Será necessário um desastre irreparável?
PEC paralela entrou em um desvio – Editorial | O Globo
Era para ajudar governadores e prefeitos, mas virou instrumento contra reforma da Previdência
A ideia do lançamento da emenda à Constituição específica para permitir que estados e municípios também façam suas reformas previdenciárias parecia salvadora. Na Câmara, devido a interesses políticos regionais, deputados não estavam, nem estão, dispostos a ajudar eventuais adversários no poder em estados e municípios, por sinal onde haverá eleição no ano que vem. Daí a resistência a estender a toda a Federação a reforma do INSS e da seguridade dos servidores federais. Já esta PEC, batizada de “paralela”, transitaria à parte, sem prejudicar o andamento da reforma maior.
Sua tramitação começou pelo Senado, onde foi aprovada, e chega à Câmara para a fase final de votação, também em dois turnos. Mas o que seria uma fórmula engenhosa foi convertida numa plataforma para grupos políticos contrários à própria reforma da Previdência. A PEC paralela passou a ser usada em sentido contrário ao das mudanças, que é frear o crescimento dos gastos na seguridade.
A PEC, então, terminou sendo ornamentada com vários penduricalhos que precisam ser eliminados na Câmara dos Deputados. É uma prática deletéria no Legislativo usar projetos de lei e MPs como barriga de aluguel a serviço de lobbies e de grupos de pressão diversos. Quando isso ocorre numa PEC sobre um tema estratégico, o caso ganha a dimensão de escândalo.
Houve contrabandos diversos. Alteraram até o período de transição para efeito do cálculo da aposentadoria. Foi suavizada também a transição para o caso de mulheres que se aposentam por idade. Em um ato de grande benemerência, mas inapropriado para a conjuntura, criou-se um benefício universal para as crianças pobres. E a pensão por morte para menores de 18 anos de idade passou de 10% do benefício para 20%.
Há mais. Além de lobbies da área de segurança terem se aproveitado da PEC, ficou estabelecido no projeto que estados que replicarem a reforma feita pela União ficarão livres de qualquer penalização se suas previdências entrarem em déficit. Cria-se assim uma anistia prévia no campo fiscal.
A tramitação da PEC paralela no Senado terminou contaminada por aquela conhecida e errada percepção de que o Tesouro tem capacidade ilimitada para gerar dinheiro. Quer dizer, os déficits que são acumulados nas contas públicas há cinco anos consecutivos não são levados a sério.
Há a intenção na Câmara de retirar todos os penduricalhos, para que a proposta da emenda volte a ser um instrumento que facilite governadores e prefeitos a aprovarem suas reformas, nas respectivas Casas legislativas, por meio de projeto de lei ordinária. Este é o caminho.
Não é possível que a grave crise no sistema de seguridade de estados e municípios seja usada em manobras de lobistas, como aconteceu no Senado com a PEC paralela.
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