- O Estado de S.Paulo
Governadores e prefeitos continuam à mercê de interesses políticos do presidente da ocasião
Na semana em que o Supremo Tribunal Federal formou maioria a favor da tese de que é crime, com reclusão de até dois anos, deixar de pagar ICMS declarado ao Fisco como devido, vale reflexão sobre as decisões da Corte que dão aos governos regionais o direito de não honrar as suas dívidas com a União e permitem a suspensão do bloqueio das garantias previstas nos contratos em caso de calote.
Enquanto é duro de um lado, o STF é frouxo de outro. É preciso reconhecer que, na maioria dos casos, as decisões do STF têm retardado o ajuste que deveria ter começado há anos nas contas estaduais e municipais. Em 87,2% das ações que os Estados disputam no STF envolvendo dinheiro, a União perde.
A situação é tão estranha que o STF deu liminar para Goiás ingressar no Regime de Recuperação Fiscal, o socorro que a União dá para os Estados em grave crise fiscal. Pelas vias tradicionais, a adesão depende do atendimento de uma série de requisitos, inclusive medidas de ajuste nos gastos.
De alguma forma, a suspensão do pagamento da dívida pelos Estados pelo Supremo removeu o sentido de urgência para a adoção de medidas impopulares. Os argumentos são de que a União tem capacidade de absorver a decisão e que a população não pode sofrer com a falta de serviços essenciais.
Governadores e prefeitos continuam de pires na mão batendo à porta do governo federal e à mercê de interesses políticos do presidente da ocasião. Vide a ajuda prometida pelo presidente Jair Bolsonaro ao prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, para pagar o 13.º de servidores e a fila de outros que também buscam ajuda semelhante.
Um ano após as eleições e, mesmo com sinais mais fortes da retomada da economia, o quadro continua falimentar para muitos governos regionais.
A proposta da União de não mais dar garantia a operações de crédito contratadas por Estados e municípios no futuro, incluída na PEC do pacto federativo enviada ao Congresso, é fruto do sistemático desrespeito aos contratos incentivado pelo STF.
Se aprovada pelo Congresso, essa proposta – que está no centro da política do ministro da Economia, Paulo Guedes, de distribuir recursos federais para Estados e municípios – vai trazer dois efeitos colaterais.
O primeiro deles: os governos regionais vão pagar mais caro pelos empréstimos, pois as operações sem garantia têm custo mais elevado. O segundo é a concentração dos empréstimos em bancos públicos, em especial a Caixa, que aceita receitas dos Fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM) como garantia. A Caixa acelerou esses empréstimos ao longo ano e, em setembro, o limite dado pelo Tesouro para financiamento desse tipo já tinha estourado.
A pergunta que fica: o STF vai seguir a mesma lógica das decisões passadas com os bancos públicos e obrigá-los a absorver o calote dos Estados e municípios em nome de não comprometer os serviços à população?
Sem aval da União, os bancos públicos serão os provedores de crédito aos governos regionais. Logo, poderão sofrer com o desrespeito aos contratos incentivado pelo STF. É só esperar.
O ano está terminando, e Estados em situação crítica, como Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Goiás, ainda não acertaram o socorro.
Estado do Rio de Janeiro, o primeiro a ser socorrido ainda no governo Michel Temer, já quer mudanças nas regras. Mesmo com o aumento das receitas de petróleo, continua em situação difícil e sem cumprir todas as exigências do governo federal para se manter sob a proteção do socorro financeiro.
O Plano Mansueto, como foi batizado o projeto de socorro a outros Estados em tramitação na Câmara, ainda não foi aprovado. Ficou para 2020. O que está emperrando: a disputa política entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador do Estado, Wilson Witzel, agora inimigos.
Bolsonaro não quer ajudar o Rio, que, por sua vez, é o Estado do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que domina a pauta da Casa.
O projeto prevê garantia da União para empréstimos a Estados com nota C (o ranking é de A a D) de crédito. Hoje, são 13 que não têm acesso ao aval da União.
Já era para esse programa ter saído do papel. O Brasil não sai das dificuldades enquanto a situação dos Estados não se ajeitar. Nesse caso, não basta o crescimento chegar e as receitas aumentarem. Prova disso é que os bilhões obtidos com o megaleilão do pré-sal serão desperdiçados cobrindo o rombo herdado de anos anteriores. É preciso arrumar a casa.
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