“Desde a sua formação, o capital variável, o do trabalho, encolheu em face do capital constante, o da máquina. O capital mudou de composição à custa da crescente insignificância do trabalho e da pessoa que trabalha. Esta é a sociedade do desemprego, dos que foram descartados pelo sistema produtivo. Para que esta sociedade funcione, é necessário que haja sempre desempregados. São eles que tornam o trabalho barato para o capital. Portanto, a classe operária da formação do PT já não é mais a mesma. Os filhos do proletariado dos tempos de Lula ascenderam para a classe média, mergulharam na sociedade de consumo, já não aspiram apenas ao salário, tornaram-se adeptos do capitalismo, conservadores e até reacionários. As eleições no ABC mostram isso cada vez mais.
Um outro setor decisivo na formação do PT foi o setor católico, das comunidades de base e da aguerrida base dos trabalhadores rurais sem-terra, informalmente ligados à Igreja. No entanto, esse grupo está muito modificado. O episcopado já não tem pelo PT o mesmo apreço de antes. Em 2003, Lula foi entusiasticamente acolhido na assembleia da Conferência Episcopal. Não há nenhum indício de que os bispos se dispusessem, hoje, a repetir o ato. Ao longo dos últimos anos, não só Lula descartou os militantes católicos do PT que faziam a ligação entre bases sociais do governo e a CNBB, como os bispos reduziram significativamente sua proximidade com o partido.
Antes mesmo que o PT surgisse, uma parcela dos agentes de pastoral formou o MST, libertando-se da tutela dos bispos. Foram ativíssimos no enfraquecimento do governo FHC, com as ocupações de terras reguladas pelo calendário eleitoral. Mas foram enfraquecidos pelo surgimento de mais de setenta organizações similares e dissidentes. Foram decisivos na eleição de Lula. Mas quando Lula assumiu a Presidência, tratou, em pouco tempo, de esvaziar o protagonismo dessa organização, xiiita, como ele a denominava, sobretudo com a criação da versão petista do Bolsa Família, que acabou instituindo uma tutela sobre 42 milhões de pessoas, capaz de esvaziar um campo decisivo no recrutamento de militantes do movimento.
O futuro do PT não poderá depender da reconstituição de suas bases de origem, que foram as bases do PT radical e demolidor. Elas foram minadas pelos próprios governos petistas, mais por Dilma do que por Lula. O PT se aliou a inimigos históricos dessas bases. Vai ser difícil justificar essas alianças e ganhar novamente a confiança dos que foram deixados para trás. No entanto, Lula tem um carisma próprio e resistente que poderá dar ao partido novas oportunidades, especialmente num cenário em que os outros partidos estão enfraquecidos e desgastados. Talvez uma nova geração de dirigentes possa valer-se de Lula para reconstituir o partido, promovendo internamente uma rotação de elites.
No entanto, a principal arma que o PT começou a brandir, no dia da condução coercitiva de Lula à Polícia Federal, foi a da ameaça ‘posso incendiar o país’. Pode. Várias demonstrações tópicas da ação de multidões têm se espalhados pelo Brasil, raramente com clareza suficiente para agregar simpatizante e aderentes. O PT poderá eleger não só o governo Temer como alvo desse ímpeto incendiário. Mas os partidos que historicamente foram escolhidos por sua obsessão antagônica desde a disputa entre Lula e Fernando Henrique Cardoso, em 1998, já não estão desabrigados. Estão munidos e documentados de todos os problemas que o PT deixa, justamente, nos campos mais nobres de suas promessas não cumpridas ou mal comprimidas.
O PT de hoje é um partido desprotegido e frágil, ainda que possa mobilizar multidões para vingar a derrota da eficácia de seu milenarismo, cujo governo está em julgamento. A consigna de considerar que a guerra ainda é a dos éticos do PT contra os maus das oposições não resistirá à metamorfose dialética que converte os opostos no seu contrário".
*Cf. “Uma nova chave do poder”. In As esquerdas e a democracia, coletânea organizada por José A. Segatto, M. Lahuerta e Raimundo Santos. Brasília: Verbena Editora/FAP, dez. de 2018.
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