quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Opinião do dia: Luiz Sergio Henriques* - As esquerdas na democracia de 1988

O ocaso dos comunistas do PCB terá deixado algumas referências para a reconstrução da esquerda: uma reconstrução que deve ser, antes de mais nada, cultural: faltam-nos categorias e modos de pensar minimamente articulados. Mas tais referências parecem em grande parte ainda muito marginais em relação ao sentimento médio das pessoas de esquerda – tanto dos intelectuais quanto dos “simples”, tanto dos políticos quanto dos homens e mulheres da cultura. Ter ignorado, desde sua gênese, a complexidade social brasileira e o percurso acidentado da redemocratização terá sido, nesta hipótese, o pecado original – “oriental” – do petismo.

Na teoria, o Gramsci petista – que houve e se disseminou em discurso frequentemente martelado na academia e fora dela – muitas vezes foi mero expediente para encobrir arraigadas convicções marxistas-leninistas típicas da extrema-esquerda. Na política concreta, de resto muito mais fundamental do que o plano da doutrina, o petismo nunca esteve à altura de uma reflexão sobre o que merece viver e o que merece morrer em nossa tradição republicana: uma reflexão sempre difícil e incompleta sobre o conflito e a conciliação entre os valores liberais, as regras da democracia e as instâncias de igualdade que a esquerda por definição tem o dever de elaborar permanentemente.

*Luiz Sérgio Henriques é editor do site "Gramsci e o Brasil" [www.gramsci.org]. “As esquerdas na democracia de 1988”. In: As esquerdas e a democracia, coletânea organizada por José Antonio Segatto, Milton Lahuerta e Raimundo Santos. Brasília, Verbena Editora/FAP, dezembro de 2018.

Nenhum comentário: