- O Globo
Bem fez Fernanda Montenegro, que não respondeu aos xingamentos
Quando você pensa que já viu de tudo, até que a Terra é plana e que “DiCaprio paga pra tocar fogo na Amazônia”, amanhece com o novo presidente da Funarte afirmando, acredite, que o rock não só ativa a droga como “alimenta uma coisa muito mais pesada, que é o satanismo”. Como Lulu Santos, eu fico com o funk. Bem fez Fernanda Montenegro, que não respondeu aos xingamentos do secretário de Cultura, “um tal de Roberto Alvim”, no dizer de quem o nomeou. Em vez de bater boca com a insensatez reinante, ela preferiu atender aos admiradores que têm lotado seu espetáculo “Nélson Rodrigues por ele mesmo” e fizeram de seu livro “Prólogo, ato e epílogo” um campeão de vendas. Outro é o “Essa gente”, de Chico Buarque, um autor que, se o presidente gostasse de ler, não leria.
Os responsáveis atuais pela cultura podem ser birutas, mas pelo menos um não rasga dinheiro. O “tal”, quando ocupou uma diretoria na Funarte, convidou a esposa para gerenciar um fundo de R$ 3,5 milhões. Ela podia ter dito “sim” na cama, mas preferiu oficializar em documento: “Eu, Juliana Galdino, aceito o convite do sr. Roberto Rego Pinheiro (o nome civil de Alvim) para diretora artística do teatro Plínio Marcos”. Por que o presidente da República não protestou contra o ato de nepotismo do subordinado? Estranhou quem não conhece a tradição dos Bolsonaro, que nomearam 102 pessoas com laços de família, inclusive ex-sogros.
Aliás, como estamos às vésperas do dia da “comemoração” do AI-5, não custa lembrar aos que se interessam pelo tema, como Paulo Guedes, a música “Pesadelo”, de Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro, que explicam assim o paradoxo de tantas obras-primas durante a ditadura: “Você corta um verso, eu escrevo outro”.
Depois de assistir ao recente Festival de Brasília, Cacá Diegues declarou: “O cinema vive o melhor momento de sua história e, no entanto, somos objeto de desejo de destruição do governo, que quer acabar com a gente e com nossos filmes”.
Não só com os filmes. Mas não vai acabar. Vai ficar no desejo.
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