Os 9 de Paraisópolis – Editorial | Folha de S. Paulo
Ação vil da PM precisa ser motivo de vergonha, punição e mudança de orientação
Foi acaciana e protocolar a primeira reação do governador João Doria (PSDB) à tragédia de Paraisópolis, em que nove jovens de 14 a 23 anos morreram pisoteados. Disse o tucano, no conforto das redes sociais: “Determinei (...) apuração rigorosa dos fatos para esclarecer quais foram as circunstâncias e responsabilidades deste triste episódio”.
Pouco depois dessa manifestação de escassa empatia e solidariedade, Doria enveredou por um discurso tortuoso que, pela vizinhança da mortandade, soou como ameaça de mais truculência e justificação da catastrófica investida da Política Militar que comanda.
“As ações na comunidade de Paraisópolis e em outras comunidades de São Paulo, seja por obediência da lei do silêncio, por busca e apreensão de drogas ou fruto de roubos, vão continuar”, disse.
“A existência de um fato não inibirá as ações de segurança. Não inibe a ação, mas exige apuração para que, se possa ter havido erros e falhas, possa ser corrigido.”
Um “fato”... Como assim, governador, “se possa ter havido erros e falhas”? Em qualquer lugar, uma ação policial que redunde na morte de nove civis num tropel figurará como um desastre completo.
Mais que questão de procedimento, bastaria bom senso para evitar encurralar uma multidão nos becos e escadas escuras de uma favela, obstruindo as saídas mais amplas. Circulam na rede cenas de espancamento selvagem e gratuito de rapazes e moças.
Já da alegada perseguição a motociclistas que teriam disparado armas de fogo contra policiais não há evidência, até agora, além do relato dos agentes. Testemunhas do massacre negam essa versão, de resto similar ao pretexto para o tiro estúpido que vitimou a menina Ágatha no Rio de Janeiro.
Policiais militares se sentem autorizados a surrar e a atirar a esmo em ambientes de pobreza, coisa que não praticam em bairros nobres, porque governadores como Doria e Wilson Witzel (PSL-RJ) estão sempre prontos a contemporizar com a violência policial.
Navegam com oportunismo eleitoral a onda de truculência que assola o país, a principiar do Planalto.
O presidente da República, Jair Bolsonaro, e seu ministro da Justiça, Sergio Moro, defendem uma temerária “exclusão de ilicitude” para exculpar agentes que matem sem justificativa, não só policiais como militares das Forças Armadas. Bastaria a eles alegar violenta emoção ou boçalidade similar.
PMs demonstram todos os dias que não precisam disso para matar sem causa. Os nove mortos de Paraisópolis são vítimas de uma ação que deveria ser motivo de vergonha, punição e, sobretudo, mudança profunda de orientação em um estado que se pretende civilizado.
Acuado, Trump se lança em nova investida protecionista – Editorial | Valor Econômico
Trump está em campanha eleitoral, de forma que o mundo corre agora mais riscos
Desde que assumiu a Presidência dos Estados Unidos, Donald Trump hostiliza o mundo, em especial aliados históricos. Nos últimos dias, decidiu guerrear comercialmente com vários deles. Brasil e Argentina foram os primeiros a serem agredidos, por intermédio de um tuíte no qual Trump afirmava que colocaria de imediato tarifas contra o aço e alumínio produzidos nos dois países. Em seguida, anunciou que imporá barreiras a US$ 2,4 bilhões em importações da França pelo fato de o país ter implantado uma taxa digital - Itália, Áustria e Turquia, que também o fizeram são alvos potenciais. Como os subsídios dados pelos europeus à Airbus foram considerados ilegais pela OMC, o Trump ameaçou da mesma maneira retaliar Reino Unido, Espanha, França e Alemanha. E desdenhou um acordo com a China logo.
Ser aliado ou considerar-se amigo de Trump quer dizer menos que nada, como ficou claro para o governo de Jair Bolsonaro. Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores, que chegou a considerar Trump um Deus que voltou à Terra para redimir a humanidade, mostrou-se surpreso com a súbita e vigorosa punição divina. O presidente Bolsonaro disse que amava o presidente americano, mas este sentimento não está sendo correspondido. As várias concessões feitas por deslumbrados do governo brasileiro não serviram até agora para nada. Trump é muito inconstante em suas simpatias.
O Brasil não é o único alvo, embora talvez seja um dos poucos países que acreditou estar a salvo dos caprichos do líder americano. Trump está em campanha eleitoral e com ameaça de impeachment em sua retaguarda, de forma que o mundo corre agora mais riscos. Não há a menor lógica nas justificativas para taxar os produtos brasileiros e argentinos - é uma impulsiva decisão imperial de Trump.
Ontem mesmo ele voltou a derrubar os mercados ao mencionar que o possível acordo com a China poderia bem ficar para depois das eleições americanas de novembro de 2020. Os EUA deram uma data limite, 15 de dezembro, para que algum tipo de entendimento fosse anunciado. Caso contrário, mais US$ 156 bilhões em importações chinesas passariam a pagar tarifa de 15%. O tempo está correndo, mas as negociações parecem estagnadas. Trump saiu-se com esta. “O acordo de comércio com a China depende de uma coisa: será que estou interessado em fazê-lo?”
O governo americano age com uma falsa e engajada ignorância. É risível a argumentação de que Brasil e Argentina estão desvalorizando suas moedas para obter vantagens no mercado americano. O Banco |Central brasileiro tem agido no mercado quase diariamente para justamente amortecer a depreciação do real. E uma das coisas que a Argentina mais gostaria é de ter algum controle sobre o câmbio - o peso perdeu 40% de seu valor ante o dólar no ano.
Quando em março de 2018 os EUA impuseram tarifas sobre aço e alumínio de vários países, Brasil e Argentina se encaixaram em esquemas específicos. Os produtores de alumínio preferiram ficar sem cotas e pagar sobretaxa de 10%, que incidiu sobre 47 mil das 52 mil toneladas vendidas no mercado americano este ano. Para o aço semiacabado, que compõem dois terços das vendas brasileiras destes produtos aos EUA, foi estabelecido um limite correspondente à média dos volumes exportados de 2015 a 2017 e, para o aço acabado, 70% desse volume médio.
Nessas condições, a desvalorização, ainda que existisse, pouco poderia fazer. No caso do aço, tudo que exceder a cota já paga tarifa punitiva. A depreciação do real pode melhorar a renda do exportador, mas não ampliar substancialmente sua fatia no mercado dos EUA. No caso do alumínio, as tarifas já são pagas. O que Trump pretende com a medida, tomada contra dois governos amigos, talvez nem ele saiba - houve surpresa até nos altos escalões da diplomacia americana, que se acostumou aos espasmos da Casa Branca.
Politicamente, sabe-se o que Trump deseja com esses atos - reeleger-se a qualquer custo. No caso do aço e alumínio, revigorar seu eleitorado no “cinturão da ferrugem”, cuja performance, apesar da proteção tarifária, não é animadora. Michigan, Ohio e Indiana são Estados decisivos nas eleições e neles Trump derrotou sua rival Hillary Clinton.
Trump pode dar-se ao luxo de ser truculento com Brasil e Argentina, mas com a China a conversa é outra e a encrenca, muito mais séria. Sem alguma saída provisória na guerra tarifária, a economia mundial continuará a desacelerar e novas ondas de instabilidade chegarão aos mercados financeiros globais.
PIB começa a ganhar impulso – Editorial | O Estado de S. Paulo
O Brasil superou a pior fase, a economia ganha impulso e 2020 poderá ser melhor do que têm previsto os economistas: esta foi a avaliação dominante do novo balanço geral da atividade – produção, consumo, poupança, investimento e comércio exterior.
O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 0,6% do segundo trimestre para o terceiro, na maior expansão registrada até agora em 2019, segundo os números divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Diante da boa novidade, por muitos classificada como surpresa, analistas do setor financeiro e de consultorias já falam em rever suas projeções. Temperando o otimismo com uma boa pitada de moderação, especulam sobre um possível crescimento em torno de 1,1% neste ano e de 2,2% em 2020. Mas o otimismo, embora contido, já será uma novidade positiva, se contaminar o mundo real dos consumidores, produtores, comerciantes e empregadores.
Há um amplo espaço, ainda, para a expansão da atividade em todos os segmentos de negócios. Tendo crescido 0,6%, o PIB no terceiro trimestre ainda ficou 3,6% abaixo do pico registrado nos primeiros três meses de 2014, pouco antes do mergulho na recessão. Fábricas ainda operam com capacidade ociosa de 25% a 30%, de acordo com informações da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Segundo o IBGE, 12,4 milhões de pessoas buscavam emprego no trimestre móvel encerrado em outubro. Mas os disponíveis para trabalhar deveriam ser bem mais que 24 milhões, considerando-se também os subempregados, os desalentados e uma fração com certeza considerável dos novos trabalhadores por conta própria.
Apesar das condições ainda ruins do mercado de trabalho, no terceiro trimestre o consumo das famílias foi 0,8% maior que no segundo e 1,9% superior ao de um ano antes. Esse grupo de despesas permaneceu, no entanto, ainda contido. Essa é uma das explicações, provavelmente a mais importante, da inflação moderada e abaixo da meta anual de 4%. A aceleração ocasional da inflação decorreu principalmente, em 2019, de aumentos de preços administrados, como os da energia elétrica, do gás e do transporte coletivo.
Inflação baixa e expectativas inflacionárias muito moderadas proporcionaram espaço, nos últimos anos, a uma acentuada redução dos juros básicos. Em menor proporção, esse corte chegou ao mercado de crédito, barateando o capital de giro e parte dos demais financiamentos. Esse foi o principal, quase único, estímulo oficial à reativação dos negócios. O governo reivindica uma parte do mérito pela recente aceleração da economia, mas nada ou quase nada fez, durante oito meses, para intensificar a atividade. Seria um exagero atribuir qualquer melhora econômica, nos últimos meses, a iniciativas como a da reforma previdenciária. No máximo, a reafirmação do compromisso com a pauta reformista deu alguma segurança ao Banco Central para avançar na redução dos juros.
Mas nem tudo é claramente positivo no balanço econômico do terceiro trimestre. O crescimento industrial de 0,8% dependeu da exploração mineral, principalmente de petróleo, e da construção. A indústria de transformação, a mais importante na caracterização de uma economia emergente, recuou 1% em relação ao segundo semestre e perdeu 0,5% no confronto com igual período de 2018. Em 12 meses sua produção diminuiu 0,5% em relação ao volume do período imediatamente anterior. As últimas perdas são em parte atribuíveis à crise na Argentina, importante compradora de bens industriais fabricados no Brasil. Mas a deterioração da indústria começou pelo menos em 2012. Não há, ainda, sinal de reversão desse longo processo de enfraquecimento.
Outro dado pouco brilhante é a taxa de investimento, medida com base na aplicação de capital em máquinas, equipamentos e construções.
Esse item cresceu 3% em 12 meses, mas o total investido ficou em 16,3% do PIB. Foi a mesma taxa de um ano antes, muito inferior à necessária – cerca de 25% – à ampliação e à modernização do potencial produtivo. Sem isso, nenhuma retomada irá muito longe.
Um prefeito que desconhece a dimensão do cargo – Editorial | O Globo
Crivella não responde ao GLOBO, veta jornal em entrevista e transforma prefeitura em propriedade privada
Como qualquer homem público, o prefeito Marcelo Crivella está exposto a cobranças e críticas, sendo esta uma das missões do jornalismo profissional. Mas o prefeito não se sente confortável nesta posição, mesmo que esteja à frente do Executivo do Rio, segunda maior cidade da Federação, e, como todo grande centro urbano, repleto de desafios e dificuldades. Com a promessa de enfrentá-los é que o prefeito foi eleito.
Crivella demonstra dificuldades em conviver com o jornalismo, que tem, entre suas funções, a de acompanhar a gestão pública em todas as suas instâncias. É o que faz O GLOBO.
Há alguns dias, repórteres do jornal procuraram a prefeitura para que Crivella respondesse a questões levantadas pelo Ministério Público do Rio.
E que podem sustentar uma denúncia formal de que foi instalado no seu governo um balcão de negociatas para vender facilidades no pagamento de dívidas antigas com fornecedores, em troca de propinas.
A investigação parte de delação premiada do doleiro Sérgio Mizrahy, apanhado na Operação Câmbio, Desligo, em 2018. A colaboração do doleiro foi homologada pelo Tribunal de Justiça fluminense, e dela consta que o empresário Rafael Alves, convertido em pessoa de confiança de Crivella, ao ajudá-lo a financiar a campanha em 2016, instalou na prefeitura um “QG da Propina”, e ainda nomeou o irmão, Marcelo Alves, na Riotur.
Mizrahy, no depoimento, relata que recebia semanalmente de Rafael Alves cheques emitidos por prestadores de serviço à prefeitura, para que fossem convertidos em dinheiro vivo, devolvido a Rafael.
O GLOBO insistiu em ouvir o prefeito, sem êxito. Crivella não quis prestar esclarecimentos à população, mesmo tendo sido avisado de que a reportagem seria publicada na edição de segunda-feira.
Preferiu divulgar vídeo com insultos aos jornalistas do GLOBO. Que seguiram os Princípios Editoriais do Grupo Globo ao buscar as respostas de Marcelo Crivella às acusações de um inquérito em que ele também é investigado.
O prefeito continuou ontem a agir como se não devesse explicações à população, que paga seu salário e todas as despesas na prefeitura.
De manhã, repórter e fotógrafo do jornal foram impedidos de participar de entrevista sobre a festa de réveillon em Copacabana. Em solidariedade, equipes da TV Globo, da GloboNews, do G1 e da CBN, do mesmo grupo, se retiraram.
Mas, como o compromisso do jornal é com os leitores, as informações sobre o evento serão prestadas. Mais uma vez, Crivella demonstrou não entender que é um funcionário dos cariocas, e que por isso precisa ser transparente na sua administração. Não pode tratar a prefeitura como propriedade privada. Tudo o que faz ou não no governo é do interesse de todos, e que por isso continuará a ser acompanhado pelo GLOBO.
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