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Como o presidente interpreta a Constituição
Em sua 11ª entrevista exclusiva em 11 meses para a TV Record, o presidente Jair Bolsonaro negou a Lula o que concedeu ao seu filho Eduardo e ao ministro Paulo Guedes, da Economia.
Disse não ver como direito de expressão as críticas que Lula lhe faz. Disse que ao falarem sobre um novo Ato Institucional nº 5 Eduardo e Guedes apenas exerceram o seu direto de expressão.
Quando Eduardo acenou com uma versão atualizada do AI-5 para conter manifestações de ruas que estão em falta no Brasil, Bolsonaro, pressionado, o desautorizou: “Isso não se diz”.
Uma vez que Guedes seguiu os passos de Eduardo, Bolsonaro achou melhor então defender os dois. O AI-5 foi o ato que permitiu à ditadura de 64 fechar o Congresso e suspender os direitos civis.
Está na Constituição:
“É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.
Também está na Constituição:
“Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, […] sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”.
Criticar o governo e o próprio presidente da República não atenta contra o Estado de Direito. Ameaçar com a reedição de um ato ditatorial atenta, sim, e foi o que fizeram Eduardo e Guedes.
Paraisópolis, a crônica de uma tragédia anunciada
Estava escrito
Em meados de novembro último, o sargento da Polícia Militar de São Paulo, Ronaldo Ruas, 52 anos, foi morto por traficantes na favela de Paraisópolis. No dia em que ele morreu, a Polícia Militar distribuiu o seguinte comunicado:
“Centenas de agentes do Policiamento de Choque, do Policiamento de Trânsito, do Comando de Aviação e dos Batalhões da Zona Oeste intensificarão o policiamento para combater o tráfico de drogas no local e prender criminosos, sem previsão de término”.
Dado o aviso, no dia seguinte houve uma megaoperação policial na favela. E o clima de tensão só fez aumentar com o patrulhamento ostensivo e a revista constante de pessoas a pretexto de qualquer coisa. Os moradores mais antigos sabiam que algo estava por vir.
Uma espécie de ensaio do que aconteceu no último domingo teve registro no dia 19 quando um grupo de policiais militares cercou as entradas e saídas de algumas vielas. Há vídeos que mostram cenas do cerco e o resultado da violência aplicada sob medida.
Em um dos vídeos, pessoas em fila indiana e com as mãos para o alto são liberadas em uma das vielas. Ao passarem por um policial armado com uma vara de madeira ou de aço, quase todas levam uma pancada, até mesmo um homem que andava com muletas.
No vídeo, ouvem-se xingamentos e palavrões gritados por policiais. O que portava a vara parecia cumprir uma tarefa burocrática. Batia em algumas pessoas com mais força e em outras com menos. Em alguns casos, limitava-se a encostar a vara. Sorria.
O sargento Ruas fazia parte da Força Tática do 16º Batalhão da Polícia Militar. Foi esse grupo o responsável pela chacina que no domingo passado resultou na morte de 9 jovens entre 14 e 23 anos de idade e no ferimento de 12 que se divertiam num baile funk.
A prefeitura de São Paulo confirma que o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) recebeu uma ligação sobre o que acabara de acontecer em Paraisópolis. Uma pessoa dizia que havia dezenas de feridos e mortos e pedia socorro.
Um bombeiro cancelou o pedido sob a alegação de que a Polícia Militar já providenciara o atendimento. O Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana acusou a polícia de “alterar a cena do crime” ao remover dali os corpos dos mortos.
O Ministério Público de São Paulo anunciou que tratará as mortes como homicídios. O governador João Doria voltou a elogiar a Polícia Militar, “a melhor e mais bem treinada do país”, e disse que ainda é cedo para que se tire conclusões a respeito do que ocorreu.
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