- Valor Econômico
Contenção do gasto e do crédito público abre espaço para juro menor
A grave recessão que abateu a economia brasileira terminou no quarto trimestre de 2016, mas a atividade ainda não engrenou. A indústria e os serviços caminham a passos lentos e a inflação segue bem abaixo da meta perseguida pelo Banco Central (BC), como fica mais claro no comportamento dos núcleos, medidas que buscam eliminar a influência dos itens mais voláteis. Em 2018, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechou em 3,75%, enquanto uma média de sete núcleos subiu apenas 2,8%, muito abaixo da meta de 4,5%. Para alguns economistas, são sinais de que os juros básicos, hoje em 6,5% ao ano, precisam cair mais, para estimular uma economia que demora muito a ganhar fôlego.
As incertezas provocadas pelas eleições e pela greve dos caminhoneiros decerto ajudam a explicar a fraqueza da atividade em 2018. Muitos empresários optaram pela cautela, segurando investimentos, ainda mais num cenário em que há enorme ociosidade - na indústria de transformação, o nível de utilização de capacidade instalada ficou em apenas 74,3% em janeiro, um número bem inferior à média de 80,1% registrada desde 2001, segundo números da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Passadas as eleições e dissipados os efeitos da greve, o grau de indefinição na economia diminuiu consideravelmente, embora ainda haja dúvidas sobre a aprovação de reformas, como a da Previdência. Sem indicações claras de que o desequilíbrio fiscal será enfrentado, a incerteza sobre a sustentabilidade das contas públicas impedirá uma recuperação mais firme dos investimentos e a consolidação dos juros em níveis mais baixos.
O economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero, é um dos analistas que veem espaço para mais cortes nos juros. Montero tem insistido que, num cenário de contenção dos gastos do governo e com o crédito dos bancos públicos na retranca, é grande o terreno para redução da Selic. Na época da chamada Nova Matriz Econômica, as despesas públicas e os empréstimos de instituições como o BNDES cresciam com força. Já no atual ciclo, o governo tem segurado os gastos e o crédito dos bancos públicos, "abrindo espaços à política monetária", segundo Montero.
Ao analisar a nota de crédito de dezembro, divulgada ontem pelo BC, o economista compara o comportamento dos juros e dos spreads nas operações com recursos livres nos dois ciclos mais recentes de redução da Selic. "Em setembro de 2011, quando o BC do governo Dilma Rousseff começou a cortar a Selic, os spreads do crédito livre alcançavam 27,4 pontos percentuais, e os juros, 38,3% ao ano. Em outubro de 2016, quando o atual BC começou a cortar a Selic, os spreads do crédito livre alcançavam 42,01 pontos percentuais, e os juros, 53,9%", diz Montero.
"Em ambos os ciclos, os spreads caíram muito: 24% no primeiro e mais fortes 34% no segundo." O ponto é que, no ciclo mais recente, os spreads começaram de um nível 50% maior do que no primeiro, aponta ele. "Apenas em dezembro, movido em parte pela sazonalidade, os spreads atingiram o patamar anterior ao ciclo da flexibilização monetária de 2011." Os spreads mostram a diferença entre a taxa cobrada em financiamentos e o custo de captação dos bancos. No fim do primeiro trimestre de 2013, os juros das operações com crédito livre eram de 30% ao ano; em dezembro de 2018, as taxas ainda estavam em 35,8%.
Nesse quadro, haveria mais espaço para baixar os juros, num momento em que a inflação está extremamente comportada e a economia ainda patina. "O formidável trabalho de desinflação e ancoragem inflacionária permite às autoridades avaliar, com sua cautela, serenidade e perseverança, quão suficiente é o estímulo monetário em cenário de retomada de expectativas e da confiança", avalia Montero, observando que a chave para isso é o andamento da reformas, o que ainda não está definido. Para o BC, a discussão pode ocorrer cedo demais, mas é bem-vinda para um mercado financeiro que, em geral, aposta no avanço das reformas, diz ele.
Economista-sênior da LCA Consultores, Bráulio Borges também considera que novos cortes dos juros são necessários. Ele ressalta o comportamento da inflação, em especial dos núcleos. Para Borges, a política monetária está em terreno estimulativo desde o final de 2017, mas ainda em magnitude insuficiente. "Sim, os ruídos da greve dos caminhoneiros, a incerteza das eleições domésticas, a crise argentina, tudo isso foi importante para explicar a frustração de crescimento de 2018. Mas, na medida em que o efeito líquido desses fatores se revelou um choque de demanda negativo, derrubando também a inflação corrente e esperada, o BC deveria ter reagido a isso com mais estímulo - e não simplesmente ter ficado parado, como vem fazendo desde meados de 2018", diz Borges, para quem há sinais de que o juro neutro na economia é hoje mais baixo do que se imaginava - essa é a taxa que permite a economia crescer sem gerar pressões inflacionárias.
De acordo com cálculos dos economistas do Itaú Unibanco divulgados em dezembro, o juro neutro estaria em torno de 2,5% a 3% ao ano, descontada a inflação. Uma política fiscal mais austera e uma expansão do nível do crédito em relação ao PIB, aumentando a potência da política monetária, teriam contribuído para essa queda. De difícil cálculo, as estimativas de vários analistas apontavam para uma taxa real neutra na casa de 4% a 5% ou até um pouco mais. Para estimular a atividade, o juro precisa ficar abaixo da taxa neutra. Hoje, o juro real está um pouco abaixo de 2,5%, considerando uma Selic de 6,5% e um IPCA projetado para os próximos 12 meses de 4,03%. Se for usado o juro privado de um ano, dado pelo swap de 360 dias, a taxa real é de 2,36%.
Economistas como Montero e Borges avaliam que novos cortes dos juros podem ajudar a atividade, sem pressionar a inflação. Um crescimento próximo de 3% em 2019, como preveem os mais otimistas, parece menos factível, visto de hoje. O consenso do mercado é de uma expansão de 2,5%, número que também pode ficar difícil se a economia demorar a reagir.
Para consolidar os juros baixos de modo duradouro, porém, é fundamental aprovar reformas como a da Previdência. Sem contas públicas mais equilibradas, as taxas voltarão inevitavelmente a subir.
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