terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Juiz das garantias deve ser decidido por plenário do STF

Medida sancionada na véspera de Natal por Bolsonaro tem de entrar em vigor em 23 de janeiro

Por Carolina Freitas | Valor Econômico

SÃO PAULO -O Supremo Tribunal Federal (STF) deve apresentar até a próxima semana uma resposta a ações que questionam a figura do juiz das garantias, criada pelo pacote anticrime para controlar a legalidade de investigações criminais e garantir direitos dos acusados até a fase de recebimento de denúncia. O tema divide a magistratura e a aposta tanto dos defensores quanto dos críticos ao novo posto é que a Corte procurará ganhar tempo: a tendência é que o prazo para implantação da mudança, que termina dia 23, seja estendido por uma liminar para que haja tempo de uma regulamentação pelos tribunais. E que a decisão futura caiba ao plenário do Supremo.

A lei foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro na véspera do Natal sem veto ao juiz de garantia, instituto inserido no Congresso, por iniciativa do deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ). Magistrados e advogados que acompanham de perto as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) no Supremo afirmaram ao Valor que a expectativa é de uma decisão liminar proferida pelo presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, antes do dia 20. Depois dessa data, quem assume o plantão é Luiz Fux, que é relator das ADIs. A lei implica em uma reorganização do trabalho de juízes em todo o país. Pela nova lei, o juiz das garantias fica responsável pelas decisões para produção de provas e, após decidir pela denúncia ou não dos acusados, um juiz de instrução decide se a pessoa é culpada ou inocente e determina a sentença.

A preocupação central das associações de juízes autoras das ADIs é estender esse prazo. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) só deve apresentar uma proposta de implementação no dia 15, depois de abrir uma consulta pública de dez dias sobre o assunto.

“A criação do juiz das garantias representa uma completa reformulação da Justiça Penal brasileira”, afirma Renata Gil de Alcântara Videira, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e juíza criminal no Rio há 22 anos. A AMB é autora de ação contra esse ponto, ao lado da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

Ainda que a ação inicial das entidades cite pontos de inconstitucionalidades, a maior preocupação agora é ganhar tempo. “Conceitualmente, o juiz das garantias pode ser um aperfeiçoamento, mas deveria ter sido instituído dentro de uma mudança do Código de Processo Penal”, diz o presidente da Ajufe, Fernando Mendes.

“Sequer conseguimos mensurar o impacto. Há uma série de dúvidas em aberto e de decisões necessárias para implantar o sistema.”

Em relação ao prazo exíguo, até quem defende a criação do juiz de garantia concorda. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) manifestou ao Supremo, no âmbito das ADIs, que Toffoli dê mais prazo para permitir que o CNJ regulamente a medida. “Reconhecemos que o período é curto e se encerra justamente em meio ao recesso do Judiciário”, afirma Juliano Breda, presidente da Comissão de Garantia do Direito de Defesa da OAB.

Um grupo de 53 magistrados lançou neste início de ano um manifesto favorável ao juiz das garantia. O desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) e juiz há 25 anos, é um dos signatários. “É uma solução moderna, de primeiro mundo”, afirma Bello, que cita como exemplos os sistemas de Justiça da Itália e da Alemanha. “O objetivo é garantir um julgamento equilibrado, em que um juiz busca provas e o outro decide. O trabalho é dividido, não aumentado.” Para o desembargador, o sistema do Processo Judicial Eletrônico (PJE) permitiria que houvesse juízes de garantia mesmo em comarcar onde hoje só existe um juiz. A digitalização, porém, ainda não funciona em muitas localidades do Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país.

O juiz de garantias não estava no projeto original e o ministro da Justiça, Sergio Moro, havia recomendado ao presidente que vetasse esse tópico. Bolsonaro ignorou a recomendação. O tema era discutido no Congresso há dez anos. Em 2010 o Senado aprovou projeto com a iniciativa, mas, depois disso, o assunto ficou parado na Câmara.

Questionam a iniciativa no Supremo, além de AMB e Ajufe, três partidos políticos: Podemos, Cidadania e PSL. A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) estuda ingressar também com um questionamento. Segundo o presidente da associação, Fábio George Cruz, o projeto anticrime traz pontos contraditórios em relação ao papel do juiz de garantias e dos procuradores no sistema acusatório do processo.

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