terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Joel Pinheiro da Fonseca* - Matar o general iraniano não foi imoral, foi burrice

- Folha de S. Paulo

Irã não é louco de declarar guerra, mas atentados cometidos por aliados devem aumentar

O general Suleimani do Irã, assassinado por um drone americano, era um articulador de grupos terroristas em vários países. Sua morte não deve ser condenada em termos morais; é morte de guerra. Mais relevante é saber se ela ajuda ou atrapalha a promoção da liberdade e da paz na região e no mundo.

O objetivo americano é claro: impedir que o Irã desenvolva armas nucleares. E deveria ser unânime. Alguém acha uma boa ideia deixar que os aiatolás tenham a bomba?

A questão é como fazê-lo. Obama trilhava um caminho diplomático: em primeiro lugar, impôs sanções econômicas severas ao Irã. Em seguida, ofereceu um caminho de saída: o acordo de desnuclearização. Segundo o parecer independente da Agência Internacional de Energia Atômica, o Irã estava cumprindo os passos do acordo.

Trump quebrou o acordo ao reimpor as sanções econômicas em 2018. O resultado foi o oposto do esperado: o Irã se tornou mais agressivo. Matar Suleimani foi a pá de cal. O Irã já anunciou que voltará com tudo ao programa nuclear.

Agora Trump usa seu grande trunfo: ameaças bizarras e até ilegais que, vindas de um presidente sério, jamais seriam levadas a sério, mas, como Trump é sabidamente desequilibrado, adquirem alguma credibilidade. Vamos torcer para que isso seja o bastante para desencorajar o Irã. Até hoje, não tem funcionado.

Qualquer boa-fé para uma negociação entre as partes foi destruída (assim como entre os EUA e seus aliados, de quem ele esperaria alguma ajuda militar). A região está mais instável, a violência tende a aumentar. O Irã não é louco de declarar guerra aos EUA, mas atentados cometidos por aliados iranianos contra alvos americanos e sunitas devem aumentar. E se os EUA realmente os atacarem, sabe-se lá qual o próximo passo da escalada, sem falar nos custos enormes para todos os envolvidos.

Quem assiste a isso de camarote e com um sorriso no rosto são os grupos de radicais sunitas, como o Estado Islâmico, que está em frangalhos. Agora que dois de seus principais algozes estão em pé de guerra talvez seja o momento para voltar das cinzas.

Para o Brasil, esse ataque traz duas questões principais: a primeira é até que ponto vai nossa subserviência a Trump. Durante a paz, belas palavras bastam. Na guerra, ele exigirá algum tipo de apoio. Quero crer que mesmo a ala ideológica (ou psiquiátrica) do governo —que reina sobre a política externa— sabe que envolver um país quebrado como o nosso numa aventura militar do outro lado do mundo é uma péssima ideia. Sim, sou um otimista.

A segunda é o preço do petróleo. Instabilidade no Oriente Médio significa petróleo mais caro, o que é ótimo para as empresas longe do conflito, como a Petrobras, mas que leva também a combustíveis mais caros. De um lado, os liberais do governo querem que os preços sigam a oferta e demanda. Do outro, a ala ideológica quer atender a grupos de pressão como os caminhoneiros. Entre Paulo Guedes e Olavo de Carvalho, quem prevalecerá?

Ninguém tem dúvidas quanto ao oportunismo seletivo com que os EUA perseguem sua política externa. Ela inclui muitas transigências e até mesmo violações dos próprios valores que o país diz defender; faz parte do pacote de viver em um mundo imperfeito e marcado pelo conflito. Com todas essas falhas, contudo, não há dúvida de que a ordem global liberal (imperfeita) que os EUA mantêm é preferível às alternativas. O que não dá para aplaudir é a burrice transformada em política de Estado.

*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.

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