terça-feira, 7 de janeiro de 2020

O que a mídia pensa – Editoriais

Itamaraty contraria tradição no apoio a Trump – Editorial | O Globo

Envolver-se com um dos lados no conflito entre EUA e Irã significa ir contra os interesses nacionais

Da mesma forma que atuam outras áreas do governo sob forte influência ideológica extremista, o Itamaraty do chanceler Ernesto Araújo reagiu de maneira desequilibrada ao ataque americano que matou nas imediações do aeroporto de Bagdá o general iraniano Qassem Soleimani, o segundo homem forte da teocracia persa, abaixo do aiatolá Ali Khamenei. Sem nenhum dos cuidados que a diplomacia brasileira costumava ter ao se posicionar sobre conflitos no Oriente Médio, Araújo avalizou a operação autorizada pelo presidente Trump.

Criticado por ex-embaixadores, o Itamaraty, alinhando-se a Trump, levou o Brasil a passar a considerar terrorista a Guarda Revolucionária persa, comandada por Soleimani. Até a chegada de Bolsonaro ao Planalto, o país qualificava como tal apenas a al-Qaeda e o Estado Islâmico, conforme entendem as Nações Unidas.

Esta é mais uma demonstração de que a nova diplomacia brasileira imita a Casa Branca, negando legitimidade aos fóruns do multilaterialismo, como a ONU. Fez o mesmo ao prometer seguir Trump e transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, o que significa desconhecer direitos palestinos.

Não estão em questão as atividades antiamericanas de Qassem Soleimani, mas o fato de que mais uma vez os Estados Unidos agem à margem da ONU — como foi na invasão do Iraque — e agora fazem o mesmo no ataque a uma autoridade de outro Estado. É sintomático que França e Alemanha tenham adotado um discurso de apaziguamento. Como o brasileiro outrora. Mesmo a Grã-Bretanha de Boris Johnson, aliado de Trump, foi nesta mesma direção, que costumava ser seguida pelo Itamaraty. Ficaram deste lado China e Rússia, signatários do acordo nuclear fechado com o Irã no governo Barack Obama, e também com Alemanha, França e Grã-Bretanha. Domingo, o Irã comunicou o abandono do acordo, e o parlamento iraquiano, certamente sob influência de Teerã, aprovou a saída das tropas americanas do país. Do lado de Trump, ficou Israel de Netanyahu.

O Brasil, antes de tudo, precisa preservar seus interesses, que não podem ser deste ou daquele governo. O de Bolsonaro apoia uma ação que torna o Oriente Médio mais perigoso e, por consequência, o mundo, devido à importância da região no suprimento mundial de petróleo. Não servem ao Brasil choques que abalem mercados.

Trump assume um discurso cada vez mais agressivo — na noite de domingo ameaçou bombardear até o patrimônio cultural do Irã. Que é da Humanidade. Não se pode descartar que ele também joga com a carta do impeachment e principalmente das eleições deste ano. É quase certo que, aprovado na Câmara dos Comuns, o impedimento não passe pelo Senado, sob controle dos republicanos. Um presidente belicoso deve melhorar a sua blindagem nas duas frentes. Não é jogo para o Brasil entrar. Precisa é se preocupar, por exemplo, com os bilhões de dólares que obtém com as vendas do agronegócio para países islâmicos. Só com o Irã, acumula um saldo de US$ 2 bilhões.

Crise em potencial – Editorial | Folha de S. Paulo

EUA geram nova incerteza na economia global ao acentuar conflito com o Irã

As consequências econômicas do ataque americano ao Irã são ao menos por ora muito limitadas, com efeitos modestos sobre os mercados financeiros e de petróleo. Não há nem sinal de pânico. O futuro desta crise, porém, é uma incógnita, em particular para os analistas e políticos ocidentais.

Especialistas na política externa americana e governos aliados dizem não compreender o plano de Donald Trump, se é que existe algum. Tampouco há clareza sobre quando e como o governo iraniano reagirá ao assassinato de seu líder militar e figura política popular.

Decerto haverá desdobramentos. Em 2018, Trump abandonou o acordo nuclear do Irã. Desde então, houve escalada dos contra-ataques assimétricos iranianos. Isto é, atos de terror, suspeita de autoria ou mando de ataques a navios no Golfo Pérsico e contra instalações petrolíferas na Arábia Saudita e intensificação do apoio a milícias no Iraque, na Síria e no Líbano.

O regime teocrático não pode deixar de responder a uma afronta a interesses e à honra nacional, sob risco de incentivar reação popular e de facções insatisfeitas do governo. Por outro lado, não pode se sujeitar a um ataque destruidor das armas americanas.

Por ora, há promessas de vingança e de aceleração do programa nuclear. No mínimo, o risco de que o Irã fique mais próximo de produzir uma bomba atômica tende a provocar reações americanas.

No front diplomático regional, o Irã pode fomentar mais desordem. Seus aliados e inimigos locais, porém, não sabem como reagir e o demonstram sendo prudentes nesta nova rodada da crise. Não sabem se os EUA pretendem a médio prazo se retirar da região, como pregava Trump, ou se a presença militar americana vai se intensificar, dado o risco ou a realidade de mais conflitos militares.

As duas situações elevam a probabilidade de desordem ou guerra difusa. A retirada americana propiciaria um avanço iraniano, diplomático e militar, além de inspirar outros inimigos; a presença ampliada dos EUA na região seria oportunidade ou incentivo para mais embates na guerra assimétrica.

A escalada do conflito teria consequências óbvias e funestas. A alta do preço do barril de petróleo, da casa dos US$ 70 para algo perto de US$ 100, teria efeitos contracionistas na economia mundial e poderia provocar acidentes no sistema bancário. Um trimestre de petróleo caro e de aperto nas condições financeiras bastaria para nova degradação do ritmo da economia do planeta inteiro.

Depois de avariar o crescimento mundial em 2019 com seu conflito econômico-tecnológico com a China, Trump lança novas sombras sobre a economia mundial.

Resultado fiscal melhora, mas depende de ganho extra – Editorial | Valor Econômico

Não é possível contar eternamente com fatores extraordinários para fechar as contas

Os resultados fiscais dos últimos meses de 2019 animaram o governo. Queda dos juros, leilões de concessões e outras receitas extraordinárias ajudaram na melhora das contas. O setor público consolidado fechou novembro com déficit primário de R$ 15,3 bilhões, conforme dados do Banco Central (BC), pouco abaixo do déficit de R$ 15,6 bilhões registrado um ano antes. No acumulado em 11 meses a melhoria é mais expressiva: o déficit ficou em R$ 48,4 bilhões, bem abaixo dos R$ 67,1 bilhões do mesmo período de 2018. Foi o menor déficit registrado desde 2015.

No conceito nominal de resultado fiscal, número mais comparável com o resultado de outros países e com as métricas internacionais, que inclui os juros, mas exclui bancos estatais, Petrobras e Eletrobras, o déficit foi de R$ 53,2 bilhões em novembro, maior do que o apurado um ano antes, de R$ 50,6 bilhões. Pesaram na conta as despesas com juros de R$ 37,8 bilhões, quase o dobro do déficit primário. Nos 11 meses do ano, porém, o déficit nominal somou R$ 390,7 bilhões, 7% a menos do que os R$ 419,4 bilhões no mesmo período de 2018. Nos 12 meses até novembro, o déficit nominal foi de R$ 458,8 bilhões, ou 6,36% do PIB. Somente a conta de juros ficou em R$ 369,3 bilhões, ou 5,12% do Produto Interno Bruto (PIB).

A dívida líquida do setor público não financeiro recuou de outubro para novembro em relação ao PIB, de 55,2% para 54,8%. Já a dívida bruta avançou ligeiramente, de 77,3% para 77,7% do PIB no mesmo espaço de tempo. Entre os fatores que influenciaram a conta estão a incorporação de juros nominais (aumento de 0,4 ponto), a desvalorização cambial (aumento de 0,3 ponto) e a emissão líquida de dívida (0,1 ponto). Já o crescimento do PIB reduziu em 0,4 ponto percentual a relação com a dívida. O custo de carregamento da dívida líquida do setor público (DLSP) ficou estável em 10,2% entre outubro e novembro, quando medido em 12 meses.

Para chegar a um resultado melhor em 2019, o governo contou principalmente com a arrecadação dos leilões de petróleo. Apenas o megaleilão do excedente da cessão onerosa, apesar de ter ficado aquém do esperado, garantiu uma receita de R$ 23,6 bilhões, já descontadas as transferências para a Petrobras, Estados e municípios. Também reforçou o caixa da União a antecipação de dividendos de estatais. Do lado das despesas, o governo gastou menos do que o autorizado porque as liberações foram feitas em cima da hora e não houve tempo - é o chamado empoçamento.

As receitas extraordinárias, obtidas principalmente no segundo semestre, levaram o ministro da Economia, Paulo Guedes, a estimar que 2019 fechou com um déficit primário de R$ 80 bilhões. Fontes do governo falam até em menos, algo ao redor de R$ 60 bilhões. A meta para o ano é quase o dobro, de R$ 139 bilhões. O otimismo contagiou as previsões para este ano quando o déficit é projetado em R$ 124,1 bilhões. Mas o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, disse que é provável que as contas do governo central fechem o próximo ano “dezenas de bilhões de reais” melhor que o projetado.

Além da antecipação de dividendos de estatais e da perspectiva dos leilões da cessão onerosa dos campos do pré-sal de Atapu e Sépia, que não foram vendidos no ano passado, o governo conta com o aumento da arrecadação, alavancado pela melhora do nível de atividades, sem falar no efeito positivo da queda dos juros e dos primeiros impactos da reforma da Previdência. O Planalto já cogita que o superávit primário pode voltar ainda no governo de Jair Bolsonaro, ao que era esperado apenas para 2023.

Há dúvidas a respeito do sucesso do governo em relação a suas metas fiscais. O Orçamento de 2020 será o primeiro impositivo, obrigando a execução das emendas feitas por parlamentares, o que reduz o espaço de manobra do Executivo. Há receitas previstas no Orçamento que dependem do Congresso, como a descotização de usinas da Eletrobras. Sem falar que o ajuste fiscal deve prosseguir para garantir o corte das despesas de forma mais efetiva e a manutenção dos juros baixos. Há três Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que tratam dos gatilhos de ajuste nas despesas públicas, dos fundos de recursos federais e do Pacto Federativo, além do plano de socorro aos Estados, elaborado pelo secretário do Tesouro, Mansueto Almeida. A retomada do crescimento deve ser ainda aquém do necessário. Não é possível contar eternamente com fatores extraordinários para fechar as contas.

A estação do otimismo – Editorial | O Estado de S. Paulo

O crescimento econômico valerá dois brindes, no próximo fim de ano, se o Produto Interno Bruto (PIB) avançar pelo menos 2,3% em 2020. O primeiro será para festejar o resultado. O segundo, para marcar um evento excepcional. Com frequência o desempenho da economia é inferior ao projetado em janeiro pelos analistas do mercado. Desta vez será diferente? Expectativas de tempos melhores parecem razoavelmente fundadas. Diante dos juros em queda, investidores têm de rever estratégias, consumidores podem aumentar seus gastos e o setor imobiliário começa a reagir. Mais construções abrem perspectivas de maior demanda de aço, cimento, vidro e outras matérias-primas. A isso se acrescenta, como sempre, a expectativa de criação de empregos. Mas também vale a pena levar em conta a experiência.

Entre 2015 e 2019 só uma vez o desempenho econômico foi melhor que o inicialmente apontado na pesquisa Focus, publicada semanalmente pelo Banco Central (BC). Em 2017 a expansão teria sido de apenas 0,50%, se estivesse correta a projeção divulgada no dia 6 de janeiro. Depois de dois anos de recessão muito severa, os economistas apostaram num desempenho levemente positivo. Mas a economia avançou 1,1%, apesar das dificuldades políticas do presidente Michel Temer, pressionado por uma tentativa de impeachment. O processo resultou de uma ação combinada entre a Procuradoria-Geral da República e os irmãos Batista, do Grupo J&F, envolvidos num dos maiores escândalos de corrupção da história da República.

A realidade voltou a ser pior que as previsões em 2018, quando o PIB cresceu 1,3%. No começo de janeiro a mediana das projeções havia apontado expansão de 2,69%. A expectativa de aceleração era razoável. Havia sinais de firme reação da atividade industrial. Mantida a recuperação nas fábricas, estímulos poderiam espalhar-se por toda a economia, aumentando a ocupação de máquinas e equipamentos e gerando empregos. Mas os sinais positivos sumiram no primeiro semestre, com o aumento da incerteza política e os danos causados pelo bloqueio das estradas, ação apoiada pelo candidato Jair Bolsonaro.

Em 2018 a economia cresceu, segundo 0 primeiro balanço oficial, 1,1%. Teria repetido, portanto, o desempenho do ano anterior. Uma revisão divulgada no fim de 2019 mostrou um resultado melhor. Apesar das muitas dificuldades, o PIB cresceu 1,3%, confirmando a tendência de aceleração herdada do ano anterior.

Só em março o primeiro retrato geral da economia em 2019 será divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por enquanto, a avaliação do mercado é muito ruim. Pela mediana das projeções, o PIB deve ter crescido apenas 1,17% – menos, portanto, que no ano anterior, o último do governo Temer, marcado pela insegurança política, pela incerteza quanto à orientação econômica da administração seguinte e pelo desastre resultante da ação dos caminhoneiros.

Talvez o resultado final seja menos vexaminoso. Faltam informações, ainda, para uma revisão das estimativas. De toda forma, dificilmente o balanço de 2019 será muito melhor do que hoje se estima. O primeiro semestre foi pantanoso, com pequeníssima reação no período de abril a junho. O desemprego se manteve próximo de 12% na maior parte do ano. No trimestre móvel encerrado em novembro ainda havia 11,9 milhões de desocupados e 26,6 milhões de pessoas subutilizadas. Números como esses foram tratados pelo governo, durante a maior parte do ano, como detalhes desimportantes. Só a partir de setembro surgiram os primeiros estímulos proporcionados pelo Executivo. Até aí, só a redução dos juros básicos, decidida pelo BC, ofereceu algum combustível ao consumo e à produção. O esforço de correção fiscal, dirão alguns, deu o espaço necessário ao corte de juros. Mas esse espaço já vinha sendo criado pelo governo anterior.

Apesar de tudo, pode-se apostar num ano melhor. Uma recuperação mais firme e duradoura dependerá de mais ajustes e de mais investimentos. Algum cuidado para evitar desastres políticos também ajudará.

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