- Valor Econômico
Ministro nega que tenha pensado em sair e também que esteve perto de ser dispensado
Por mais que o presidente Jair Bolsonaro tente desmentir, um fato é inquestionável: Paulo Guedes, ministro da Economia, pensou em deixar o governo ou o governo pensou em tirá-lo do posto. Não há hipótese de uma boa explicação para o que aconteceu na terça-feira quando, sem que fosse perguntado, Bolsonaro saiu em defesa da permanência de Guedes no comando da economia durante todo o seu governo.
Até as portas e janelas da Esplanada dos Ministérios sabem que, quando o presidente de um time de futebol diz que o técnico, que acabou de perder o campeonato, está prestigiado, está dada a senha para sua queda.
Na visão de uma parte importante dos colaboradores do presidente da República, sediados no Palácio do Planalto, Guedes não entregou o crescimento econômico que havia prometido e é um ministro que pensa muito em números e pouco na população.
O ministro da Economia diz que tudo que se fala dele, nesse episódio, é “fake news”. Ou seja, não pediu demissão nem quase foi demitido. Mas esse é um conjunto de fatos e de impressões que merece reflexão.
Guedes, sozinho, não faz milagres! Com o conjunto de reformas e uma política fiscal austera, ele acalmou as tensões na economia, renovou as pré-condições para a queda dos juros e injetou ânimo no mercado de capitais, mas não é capaz de produzir a expansão do investimento produtivo que sustentaria o crescimento da atividade. O país precisa de capitais externos para crescer e o investidor estrangeiro quer mais segurança nos rumos do governo para colocar aqui o seu dinheiro.
Com a queda da taxa Selic, os ganhos de arbitragem com juros desapareceram e os investidores que estavam aplicados no país para obter esses ganhos foram embora. A taxa de câmbio mudou de patamar. Na sequência, o que se esperava é que houvesse a substituição do investimento no mercado financeiro por investimento estrangeiro direto, no setor real da economia. O que está ocorrendo, porém, são operações de compra de ativos já existentes, que não aumentam a capacidade produtiva do país.
No aspecto macroeconômico, o Brasil está em boa situação: inflação sob controle, juros baixos como nunca foram, potencial de crescimento com investimentos em projetos lucrativos, mas falta algo para disparar o processo de novos investimentos.
Se na economia o governo vem, até aqui, seguindo o livro-texto, na articulação política recebe nota zero, e as brigas que compra ou são indevidas ou totalmente dispensáveis.
As relações do Palácio do Planalto com o Congresso estão esgarçadas. Um assunto espinhoso para o Executivo no Congresso é o do orçamento impositivo que colocou nas mãos do relator do Orçamento da União R$ 30 bilhões, por cochilo da área econômica e da Casa Civil. Tema que motivou a reação chula do ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno: “Não podemos aceitar esses caras chantagearem a gente o tempo todo. Foda-se”, disse ele durante conversa com Guedes e com o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, que vazou pela internet. Heleno se referia aos parlamentares que ampliaram a execução obrigatória do Orçamento, deixando o Executivo de mãos atadas para administrar a política fiscal.
O ministro da Economia não esconde o seu desconforto com a vagarosa tramitação das reformas e das privatizações. No início do mês, em uma conversa com um pequeno grupo de interlocutores, Guedes chamou a atenção para a sua situação: apesar de já exercer o cargo de ministro há mais de um ano, ele nunca providenciou um apartamento em Brasília e continua instalado em um hotel nas proximidades do Palácio da Alvorada. “Assim, fica mais fácil de ir embora. E, se vou embora, o dólar vai para R$ 7”, disse.
Ele demonstra insatisfação com a articulação política e vê nos filhos do presidente um fator de instabilidade para o governo, ao fazerem declarações que julga impertinentes e/ou desnecessárias.
Nos últimos dias, partiram do ministro da Economia declarações impertinentes e desnecessárias. Guedes associou o funcionalismo a parasitas e, poucos dias depois, criticou o fato de a taxa de câmbio valorizada permitir que empregadas domésticas pudessem viajar para a Disney. A mãe de Guedes era funcionária pública (do IRB), e a avó paterna, empregada doméstica. Ele ficou muito abalado com a péssima repercussão dessas declarações.
Para entender melhor essas falas é preciso conhecer um pouco o que o ministro da Economia gostava de fazer antes de ocupar esse cargo. Guedes sempre foi um excelente palestrante e animador de auditórios e nunca teve que se preocupar com o que é politicamente correto, explica um de seus mais antigos colaboradores. Ele é capaz de falar por duas horas sem pausa e sempre, nas suas palestras, tem tiradas curiosas ou ferinas. No setor público, porém, a conversa é outra, a começar pelo interesse da mídia sobre o que pensa e fala o ministro.
De Davos, onde esteve participando do Fórum Econômico Mundial, Guedes saiu convencido de que a elite econômica e financeira global já o reconhece como um modernizador do Brasil. Algumas pessoas lhe disseram que nenhum outro país do mundo toca hoje um programa de reformas tão amplo. De um megainvestidor espanhol, ouviu que o governo deveria inclusive falar mais sobre as ações que tem tomado na proteção do meio ambiente.
O amplo leque de reformas já no Congresso e de propostas de emenda constitucional (PEC) em preparação - a exemplo das reformas administrativa e tributária - dá, porém, a impressão de falta de foco da área econômica.
Mais recentemente começaram a surgir sinais preocupantes na política fiscal, ao buscar contornar as restrições impostas pela Lei do Teto de Gastos com brechas legais pouco ortodoxas, como a capitalização de empresas estatais para que elas invistam.
O feriado do carnaval é uma excelente oportunidade para governo e Parlamento esfriarem a cabeça e procurarem um modo de convivência que privilegie os interesses do país, e não apenas os de cada um com suas picuinhas.
*Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação
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