- O Globo
Não aceitaram que a construção de justiça social exige economia eficiente. Não entenderam a gravidade do desequilíbrio ecológico
Na véspera dos 40 anos do PT, alguns analistas, inclusive militantes e simpatizantes, afirmaram que o partido está obsoleto. Mas cometeram dois erros: não é só o PT, toda a esquerda tradicional ficou obsoleta; e eles usaram argumentos superficiais para justificar a ideia de obsolescência. O obsoletismo tem razões mais profundas.
Alguns ficaram indecentes pela corrupção, mas tornaram-se obsoletos pelo apego a ideias e propostas do passado. Não viram a história avançar. Não acompanharam as transformações tecnológicas e seus impactos sociais e políticos no mundo contemporâneo. Não entenderam que as novas tecnologias modificaram as relações entre trabalho, capital e consumidor; ficaram no tempo em que o progresso criava emprego formal e permanente, sem ver que o progresso atual cria apenas certos empregos, quase sempre qualificados, informais e provisórios.
Não enxergaram que a classe trabalhadora está dividida entre categorias com privilégios, sem interesses comuns com as massas excluídas. Que a “mais-valia” foi substituída pela “desvalia” sobre os pobres e uma “pactuada-valia” entre capitalistas e trabalhadores especializados. Por isso, os sindicatos representam trabalhadores do setor moderno, não ao povo.
Não viram que a globalização não permite políticas econômicas nacionais voluntariosas, que terminam populistas e irresponsáveis. Não aceitaram que a construção de justiça social exige economia eficiente. Não entenderam a gravidade do desequilíbrio ecológico, e continuam prometendo aumentar o consumo de tudo para todos, no lugar de apresentar propostas para elevar o bem-estar social e a qualidade de vida. Elevaram o salário mínimo, mas não melhoram a qualidade de vida dos pobres, nem da escola de seus filhos.
Não perceberam que o vetor do progresso não está mais no chão da fábrica, mas nas bancas das escolas; que a distribuição estrutural da renda não se dá por bolsas, mas pela garantia de qualidade na educação de base para todos. Não viram que o Estado se esgotou, ficou ineficiente, injusto e corrupto; continuam insistindo no equívoco de que estatal é sinônimo de público. Tampouco entenderam que devemos respeitar as restrições técnicas da economia e garantir acesso universal aos bens e serviços públicos — meio ambiente, saúde, educação, estabilidade monetária — deixando para o mercado a produção e distribuição dos bens e serviços privados. Perderam as velhas utopias do socialismo, e não construíram outra proposta para todos. Ficaram sem bandeiras transformadoras para o país, que foi dividido em corporações e segmentos sociais, sem a defesa de reformas estruturais.
Os partidos progressistas foram rejeitados porque abandonaram os valores morais que apresentavam, mas ficaram obsoletos porque abandonaram a lógica com a qual deveriam observar a realidade do mundo em transformação. A perda da vergonha levou à desmoralização, mas o obsoletismo veio da perda de vigor transformador e de bandeiras para o futuro.
Os partidos ficaram prisioneiros do imediatismo eleitoreiro de seus políticos e sem contar com pensamento modernizador em relação ao mundo, aos riscos de sua marcha e aos sonhos do que será possível construir. Ficaram com políticos ruins e sem bons filósofos. Porque cooptaram e silenciaram nossos intelectuais, prisioneiros das siglas e dos líderes que reverenciam. Como nas religiões, passaram a acreditar nas suas narrativas e em seus santos. Pior do que não ver a banda passar foi fechar as janelas que dão para a rua e transformar os salões de debate em templos reverenciando crenças do passado.
Nestes últimos anos, o PT sobreviveu como um partido parecido a uma religião, por isso sobreviverá preso a doutrinas do passado mais do que a políticas para o futuro. No seu 40º aniversário, deveria lançar um movimento “Lula Livre e PT Livre, um do outro e os dois do passado” — Lula, usando sua liderança para falar ao Brasil, não apenas aos seus militantes, e estes pensando livremente, com esperança para 2060 e não com nostalgia de 1980.
*Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília
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