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E Bolsonaro cobra licença para que a polícia mate sem culpa
Em meio à troca de opiniões no Twitter sobre a retroescavadeira e os dois tiros que levou o senador Cid Gomes (PDT), um internauta escreveu: “Vamos parar com a discussão besta. Gente armada e mascarada é bandido. Policial só existe fardado, identificado e sob ordens estritas de seu superior. O resto é milícia.”
Perfeito. Encapuzados, armados, valendo-se de parentes como escudos humanos para sua proteção, policiais rebelados que reivindicam aumento salarial ocuparam quarteis, fecharam o comércio e suspenderam as aulas espalhando o pânico em várias cidades do Ceará. Há vídeos à farta que comprovam isso.
Uma delas, Sobral, a 232 quilômetros de Fortaleza, registrou o fato mais espantoso até aqui: um senador desprovido de autoridade para tal sacou de um megafone e deu ordem de evacuação em um quartel dominado por milicianos. Sem sucesso. Montou numa retroescavadeira e tentou entrar. Baleado, por sorte não morreu.
O pano de fundo da peleja do senador com os milicianos é a eleição municipal de outubro próximo. O líder da rebelião em Sobral é um vereador bolsonarista. No Estado, o Capitão Wagner (Pros), também bolsonarista, candidato a prefeito de Fortaleza, e que em 2012 liderou um motim de seis dias da Polícia Militar.
À época, Cid era o governador do Estado. Perdeu a batalha para Wagner e acabou reajustando o salário da tropa. Nunca mais o perdoou por isso. A ascensão política de Wagner foi meteórica desde então: elegeu-se vereador em 2012, deputado estadual em 2014 e federal em 2018, sendo o mais votado com 303 mil votos.
O atual prefeito de Fortaleza é do PDT. Está em segundo mandato. O partido ainda não tem um nome para enfrentar o capitão que em 2016 disputou o segundo turno para prefeito e perdeu. O governador do Ceará é do PT, aliado de Cid. Wagner aposta na benção do presidente Jair Bolsonaro para derrotar o PDT e o PT.
Há mais dois ex-policiais bolsonaristas que alimentam a rebelião e ajudam Wagner: o deputado estadual André Fernandes (PSL) e o ex-deputado federal Cabo Sabino (Avante), eleito em 2014 também na esteira da greve dos policiais de 2012. No Ceará, em 2018, Bolsonaro colheu apenas 29% do total dos votos.
O tom do discurso dos bolsonaristas nas redes sociais a propósito da ação dos milicianos no Ceará foi dado pelo senador Flávio, na manhã de ontem, e à noite pelo pai dele. Flávio escreveu na sua conta no Twitter:
“Estimo melhoras ao senador Cid Gomes, o que não o isenta de ter provocado a reação, em legítima defesa, de pessoas que estão reivindicando melhores salários. Na democracia, existem instrumentos legais para resolver conflitos. Graças a Deus, o pior não aconteceu”.
Não explicou o que teria sido o pior: a morte do seu colega senador ou a entrada triunfal dele no quartel pilotando uma retroescavadeira. Bolsonaro, pai, comentou o assunto em sua live semanal no Facebook. E o fez, naturalmente, à sua maneira amolecada:
“Onyx, aquele cara que subiu no trator, não fala o nome dele, empurrou o trator em cima das crianças, mulheres, ele agiu corretamente? Sim ou não?”
Depois de ter perdido a chefia da Casa Civil da presidência da República e ganho como prêmio de consolação o Ministério da Cidadania, o deputado Onyx Lorenzonni respondeu que Ciro agiu erradamente porque teria posto em risco a vida das mulheres e crianças feitas reféns pelos milicianos amotinados.
Bolsonaro despachou tropas da Força Nacional para restabelecer a ordem no Ceará. Ao mesmo tempo, voltou a cobrar do Congresso a aprovação do projeto que isenta de responsabilidade os militares que matarem bandidos e inocentes em tais condições. Excludente de ilicitude, na verdade, é licença para matar.
Se a morte de inocentes só faz crescer no país, imagine se os militares se sentirem autorizados a matar? Na última terça-feira, em decisão unânime, o Conselho de Justiça Militar decretou que o cabo do Exército Diego Neitzke, que atirou em um carro com 5 pessoas, deve ser inocentado por “legítima defesa imaginária”.
O cabo, de 21 anos, “supôs” estar atirando em um carro de criminosos “na iminência” de disparar contra a patrulha do Exército. Não havia armas dentro do carro. Nem criminosos. Vitor Santiago, atingido por dois tiros de fuzil 7,62, perdeu os movimentos das pernas. Depois do julgamento, ele comentou:
“O que tem de imaginário na minha vida hoje? Sabe onde eu estou preso? Estou preso numa cadeira de rodas na hora de tomar banho”.
O problema de Guedes não é o que diz, mas o que pensa. E diz
Com benevolência, outro ato falho do ministro
Na sequência das declarações sobre a “festa danada” das empregadas domésticas na Disneylândia quando deveriam ir para Foz de Iguaçu ou Cachoeira de Itapemirim, o ministro Paulo Guedes, da Economia, cometeu mais uma pérola.
Onde qualquer pessoa diria “minha avó”, ele disse “a mãe do meu pai”, revelando que ela foi empregada doméstica. Por que preferiu referência tão pouco usual? Por ela ter sido uma doméstica? Por não reconhecê-la como avó? Por ato falho?
Ou a frase foi mais uma tirada de contexto pelo simples prazer dos jornalistas de criar intriga?
A Guedes deve ser atribuída mais uma proeza: ao mesmo tempo em que pedia desculpas pela ofensa às empregadas domésticas, duvidou que as tivessem ofendido. Confira:
(…) empregadas domésticas, inclusive, a quem eu peço desculpas, se puder ter ofendido.
Por carecer de um bom vocabulário, o presidente Jair Bolsonaro economiza palavras, embora sempre se atrapalhe quando fala.
O vocabulário de Guedes é extenso. Ele se atrapalha justamente por dizer demais e escancarar o que de fato pensa.
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