- Valor Econômico
General assume a Casa Civil num momento em que a família Bolsonaro dá início a uma estratégia de vitimização por seu envolvimento com milícias
Foi a ida do ex-secretário da Previdência do Ministério da Economia, Rogério Marinho, para o Ministério do Desenvolvimento Regional que possibilitou ao presidente Jair Bolsonaro convidar o segundo general da hierarquia do Exército, o chefe do Estado-Maior Walter Souza Braga Netto, a ocupar a Casa Civil.
Colaborador de melhor trânsito no Congresso, de toda a Esplanada, Marinho tem interlocução com o ministro Paulo Guedes e habilidade para o jogo presidencial no Congresso e nas eleições municipais. Sem um partido para chamar de seu, o presidente vai tentar construir uma base municipal por dentro das legendas. Com uma pasta chave que comanda do Minha Casa Minha Vida às obras contra secas, Marinho atuará, de fato, como o ministro que vai tentar tocar a máquina governamental em sintonia com as demandas parlamentares. Está muito mais para a Casa Civil do que Braga Netto.
Parece ser outra a função a ser desempenhada pelo general. Junto com o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, Braga Netto formará o triunvirato de generais cariocas que trabalharam juntos no Rio e tocam de ouvido. Braga Netto foi chefe da Autoridade Pública Olímpica quando Ramos era chefe da 1ª divisão do Exército e subordinado ao então comandante militar do Leste, Azevedo e Silva.
O triunvirato é prestigiado num momento em que os militares, apesar de terem ganho a desejada reestruturação da carreira e de terem os seus projetos entre os mais salvaguardados dos investimentos federais, não esconderem mais o incômodo com os protocolos deste governo. Ao inaugurar o instituto que leva seu nome, em Brasília, o ex-comandante do Exército, general Eduardo Villas-Boas franqueou a palavra a um potencial adversário da reeleição do presidente, o apresentador Luciano Huck.
Se ainda não está claro como a articulação política pode vir a passar ao largo de um Palácio do Planalto comandado por dois generais da ativa, parecem mais evidentes os predicados de Braga Neto num dos temas que mais inquieta o presidente da República. O conhecimento adquirido pelo general no modo de operação do crime organizado concorre com o do ministro da Justiça e potencial adversário do presidente em 2022, Sérgio Moro.
A intimidade adquirida com o modo de operação da milícia fluminense durante os 12 meses em que foi interventor federal no Rio durante o governo Temer tornou Braga Netto um verdadeiro arquivo vivo do tema. Chega ao Palácio do Planalto num momento em que o presidente da República paga uma fatura elevada pela longa e profícua relação com as milícias.
Depois das homenagens prestadas em vida ao ex-capitão do Bope, Adriano da Nóbrega, a família silenciou sobre sua morte, no domingo, pela polícia baiana. Ao romper o silêncio ontem, o senador Flávio Bolsonaro escreveu no Twitter, em forma de denúncia, que o ex-capitão do Bope, Adriano da Nóbrega, teria sua cremação acelerada para que as evidências de seu assassinato fossem apagadas.
O senador sugere, dessa forma, que seria o maior interessado em que Adriano ainda estivesse vivo, desvinculando-se da ‘queima de arquivo’ levantada pelo advogado do ex-capitão. O senador deu início à sua estratégia de vitimização no mesmo dia em que foi protocolado no Conselho de Ética do Senado um pedido de quebra de decoro do seu mandato. O sucesso desse pedido esbarra na ocorrência dos fatos alegados em período anterior ao seu mandato e, principalmente, nas ambições do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) em obter o aval do Palácio do Planalto para mudar as regras constitucionais e se reeleger à Presidência da Casa na mesma legislatura.
É no Rio que está o maior cerco sobre o filho do presidente. A lupa sobre os inquéritos que correm no Estado está a cargo do procurador-geral da República, Augusto Aras, que monitora o trabalho do Ministério Público e da polícia civil do Rio. O procurador também manteve o pedido feito por sua antecessora, Raquel Dodge, para que a competência da investigação da morte da vereadora Marielle Franco passasse da polícia do Rio para a Polícia Federal.
Como a vinculação de Adriano da Nóbrega com a morte da vereadora já foi descartada pela polícia civil do Rio e pela própria Polícia Federal, restou ao deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) concluir que foi o fato de a investigação se avizinhar da família do presidente que despertou o interesse na federalização. A decisão está a cargo do Superior Tribunal de Justiça.
Se a tese da federalização ganhou força com a incompetência, ou má-fé, demonstrada por uma operação policial incapaz de resgatar com vida um foragido cercado, a transferência de competência para a Polícia Federal esbarra no desinteresse demonstrado pela instituição quando da elaboração da lista vip de foragidos cuja captura deveria ser prioritária.
Freixo se antecipou à estratégia de vitimização dos Bolsonaro iniciada com a operação policial a cargo de uma polícia comandada por um governador do PT (Rui Costa). Não cobra que Bolsonaro responda sobre a morte de Adriano, mas sobre sua vida. As investigações em curso indicam que, além de recheada de homenagens e de empregos a parentes, o ex-capitão manteve contas bancárias por onde passavam as ‘rachadinhas’ do gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro.
É na Casa Civil de um governo cujo presidente é acossado por milicianos insepultos que aportará o austero Braga Netto. O general enfrentou forte resistência familiar para aceitar o cargo dada a memória de ameaças sofridas à época da intervenção militar do Rio.
A carreira do general não autoriza a interpretação de que seu conhecimento sobre o submundo do Rio se preste à cooptação ou que se submeta cegamente à missão de proteger o comandante em chefe em apuros. A única aposta que dá para fazer é que a nova leva de militares da Esplanada sentirá saudade dos tempos em que sua maior dor de cabeça era cortar os laços do governo com Olavo de Carvalho.
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