domingo, 23 de fevereiro de 2020

O que a mídia pensa – Editoriais

Foliões na política – Editorial

Bagunça é compatível com presidente que não coordena forças e atua como agitador

Enquanto os festejos do Carnaval tomam as cidades brasileiras, renova-se a esperança de que a folia que deu o tom da política nacional nos últimos dias não sobreviva à Quarta-Feira de Cinzas.

Dissipou-se muita energia e flertou-se com aventuras perigosas e até desastres durante a algazarra.

No Ceará, um senador foi baleado ao acometer-se numa retroescavadeira contra policiais amotinados que aterrorizam a população. Em Minas, dos cofres vazios, o governador concedeu aumento de 42% à polícia, e a Assembleia terminou de contemplar o restante do funcionalismo com reajustes salariais.

O presidente da República fez bravata com combustíveis, provocou governadores e ofendeu jornalistas. Um general que o aconselha acusou o Congresso de chantagear o Executivo, o que estimula protestos de rua contra o Legislativo.

A família presidencial abraçou com fervor a causa de um miliciano morto pela polícia, com direito a divulgação de notícias falsas. O ministro da Economia referiu-se a servidores e a empregadas domésticas de maneira depreciativa.

Há coincidência na concentração desses fatos no tempo, mas existe também, a conectá-los, um déficit de responsabilidade e espírito público de autoridades e servidores incumbidos de funções cruciais para a estabilidade, sem a qual nenhuma administração prospera.

No sistema da Carta de 1988, esse papel cabe preponderantemente ao presidente da República. A arquitetura constitucional fez convergir nele os estímulos e os recursos para que se comporte com racionalidade, moderação e responsabilidade, acima de divisões menores da sociedade e da política.

A Presidência, porém, veio perdendo atribuições conforme outros atores institucionais, como o Congresso, foram ganhando importância. Além disso, ocorreu o acidente histórico de ter sido eleito Jair Bolsonaro, que despreza qualquer tipo de mediação e age tomado de um facciosismo rudimentar.

A resultante de um presidente que não assume o papel de coordenador da política nacional e atua como agitador de nichos é compatível com a bagunça que se viu nos últimos dias. Pode haver momentos em que o Congresso supra essa lacuna; no entanto sua própria condição de casa ultrafragmentada impõe limites a esse desempenho.

Os riscos do prolongamento desse statu quo não deveriam ser exagerados. As balizas do regime têm sido bem defendidas e não há sinal visível de que serão atingidas.

Mas há razão para temer pelo travamento da capacidade do país de lidar com desafios gigantescos na área social e na economia. A marcha atual conduz à instabilidade e ao impasse. Que seja descontinuada uma vez findo o Carnaval.

Terra de ninguém – Editorial | Folha de S. Paulo

Doença de Covas e desorganização de siglas criam quadro eleitoral incerto em SP

Os reflexos da avalanche que levou Jair Bolsonaro ao Planalto ainda são perceptíveis na maior cidade do país, a menos de seis meses do prazo para registro dos candidatos às eleições municipais de outubro.

A indefinição se mostra grande nos dois partidos que se revezaram na administração de São Paulo nos últimos anos —e também entre os grupos que se identificam com as forças vitoriosas na campanha presidencial de 2018.

O prefeito Bruno Covas (PSDB) é candidato à reeleição, mas seu futuro político está amarrado ao tratamento do câncer descoberto no ano passado. Embora os primeiros resultados sejam encorajadores, um prognóstico mais seguro depende de novas avaliações.

O tucano se tornou mais conhecido do eleitorado com a doença e começou a costurar alianças com outras siglas para o lançamento de sua candidatura, mas a incerteza sobre seu estado de saúde impede seus aliados de assumir compromissos firmes a esta altura.

Principal liderança do partido no estado, o governador João Doria trabalha para emplacar alguém do seu time na chapa —ou lançar um candidato mais alinhado com seus interesses se a doença impedir Covas de participar do pleito.

No PT, já somam sete os postulantes inscritos para as prévias que a legenda planeja realizar no fim de março, mas nenhum deles parece claramente promissor.

Na terça-feira (18), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a candidatura do ex-prefeito Fernando Haddad, que não se inscreveu nas prévias e reluta em concorrer novamente ao cargo, que perdeu para os tucanos em 2016.

Bolsonaro, que recebeu 60% dos votos da capital ao derrotar Haddad no segundo turno da eleição presidencial, afirma que deve manter distância da disputa deste ano diante das chances remotas de registrar a tempo o seu novo partido, a Aliança pelo Brasil.

Entre os que se movimentam para buscar os votos bolsonaristas na cidade desponta o apresentador de televisão José Luiz Datena, que flerta com a política há tempos, aproximou-se do presidente há dois anos e poderá se lançar no páreo dentro de algumas semanas.

Se a indefinição nos partidos tradicionais é consequência da desorganização causada pela ascensão de Bolsonaro, parecem evidentes também os obstáculos que o presidente encontrará se quiser usar sua força eleitoral para dar maior consistência a seu projeto político.

Só há ordem com respeito à lei – Editorial | O Estado de S. Paulo

Viceja no País um clima de crescente desordem. Policiais militares – encapuzados, armados e sindicalizados – mantêm governantes e cidadãos como reféns de suas vontades, tudo ao arrepio da lei que todos esses servidores, uma vez envergada a farda e armados pelo Estado, juraram respeitar e fazer valer. Não bastasse isso, e talvez seja esse o principal problema, esses policiais amotinados, em lugar de serem censurados e punidos pelo poder público, são tratados como força política legítima – a tal ponto que recebem atenção e apoio inclusive do presidente da República, Jair Bolsonaro, e de parlamentares bolsonaristas. No recente episódio em que o senador Cid Gomes foi baleado por policiais grevistas em Sobral (CE) ao tentar furar um bloqueio usando uma retroescavadeira, o senador Flávio Bolsonaro, por exemplo, disse que a tentativa de assassinato foi um exercício de “legítima defesa” por parte de “pessoas que estão reivindicando melhores salários” – em referência aos delinquentes que, com o rosto coberto e armados, sequestraram viaturas da polícia e aterrorizaram comerciantes.

Vem de cima, portanto, o mau exemplo do elogio à truculência. Em 2017, quando ainda era apenas candidato a presidente, Jair Bolsonaro defendeu os policiais que fizeram greve e provocaram o caos no Espírito Santo. Alguns dos líderes daquela greve e de outras aproveitaram a notoriedade da rebelião que lideraram e se elegeram deputados, e vários ajudam a formar a base que se alinha ao bolsonarismo. É bom lembrar, ainda, que todos os envolvidos nos levantes de policiais nos últimos anos foram anistiados pouco tempo depois, como se não tivessem cometido delito algum.

Há portanto um processo de normalização e legitimação da afronta à lei, que parece se agravar justamente no mandato do presidente que se elegeu prometendo “restabelecer a ordem” no Brasil, como disse Bolsonaro em seu discurso de posse.

O problema é que Bolsonaro sempre se apresentou como defensor da “ordem”, mas não da lei. Seus discursos corriqueiros em favor do assassinato de suspeitos por policiais, da eliminação física de opositores do regime militar e da tortura durante a ditadura deveriam bastar para mostrar que seu conceito de “ordem” passa longe do que preconiza o cânone da democracia liberal. Nesta, a ordem só existe como corolário do respeito incondicional à lei – e não é possível que um admirador confesso e ruidoso de um notório torturador, como foi o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, seja ao mesmo tempo respeitador da lei. A incompatibilidade é evidente, pois a lei é justamente o que impede que um suspeito de crime seja torturado para confessá-lo.

Não é uma questão trivial. Quando o parâmetro não é a lei, mas apenas a “ordem”, impera o arbítrio. Desde sua posse, o presidente Bolsonaro, fiel a essa visão distorcida da democracia, vem desrespeitando sistematicamente as instituições que estão na base da república. Ao perseguir jornais e jornalistas, ao menosprezar a relação com o Congresso e ao desrespeitar a liturgia do cargo, como se tudo pudesse, o presidente vai criando um ambiente de desordem que começa a se espraiar.

A bem da verdade, não é de hoje que um presidente faz troça das instituições e da lei. Já passaram à história as seguidas ofensas de Lula da Silva ao Judiciário, bem como sua bênção à corrupção desbragada promovida pelo PT no Congresso. Bolsonaro, aliás, elegeu-se justamente em razão da revolta dos brasileiros ante essa demonstração cabal e sistemática de desrespeito à democracia. O problema é que, no lugar da desfaçatez lulopetista, se instalou a agressividade bolsonarista, que implode pontes políticas e, assim, alimenta a atmosfera de vale-tudo.

A verdadeira ordem, tão necessária para o desenvolvimento do País, não virá com ofensas, gritarias e elogios à violência nem será ditada pela vontade de quem está no poder. Numa democracia digna do nome, a ordem é resultado de uma construção coletiva, em que a sociedade, por meio de seus representantes políticos livremente escolhidos, estabelece as regras básicas de convivência. Qualquer coisa fora disso é apenas baderna.

A experiência que deu certo – Editorial | O Estado de S. Paulo

Criada há 15 anos pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), com objetivo de melhorar a qualidade da educação básica, incentivar o aperfeiçoamento dos professores da rede pública e identificar jovens talentos e incentivar seu ingresso em universidades conceituadas, a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas abriu este mês as inscrições para sua 16.ª edição. A prova da primeira fase está marcada para maio e a segunda está prevista para setembro.

Pelas estimativas dos organizadores, a Olimpíada de 2020 pode bater novo recorde de participantes. Em 2016, quando foram concedidas 500 medalhas de ouro, 1,5 mil de prata e 4,5 mil de bronze, foram 17 milhões de competidores e um número recorde de escolas inscritas. Em 2019, a Olimpíada contou com a participação de quase 20 milhões de estudantes e registrou o recorde de participação de municípios. Das mais de 5,5 mil cidades brasileiras, apenas 16 não tiveram representantes no certame, por não terem escolas públicas ou privadas da segunda fase do ensino fundamental e das três séries do ensino médio.

O sucesso desse evento estimulou a criação de outras competições semelhantes por fundações e centros de pesquisa, com o objetivo de mostrar o lado prático do que é ensinado em aula, incentivar a curiosidade das novas gerações pelo conteúdo das ciências exatas e biomédicas e atrair os melhores alunos para as carreiras de cientista e pesquisador.

Atualmente, por exemplo, os alunos do ensino médio participam de olimpíada nas áreas de informática, neurociências, astronomia, saúde e meio ambiente. Em várias delas, o conteúdo das provas vai além do que é previsto pelo currículo das escolas. Os primeiros colocados não só costumam receber ajuda para participar de eventos internacionais, como também conseguem, ao concluir a faculdade, obter vaga nos programas de mestrado das universidades federais e em cursos de doutorado em importantes universidades americanas e europeias.

Com essas iniciativas, o Brasil entrou para a elite mundial da área de matemática. Trata-se do Grupo 5, integrado pela Alemanha, Canadá, China, Israel, Itália, Japão, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos, segundo a International Mathematical Union, que classifica seus quase 80 países-membros em cinco grupos por ordem de excelência.

A ascensão da matemática brasileira a um padrão mundial de excelência chama a atenção para um aspecto relativo a políticas educacionais. Ele revela que, quando uma política educacional é formulada de modo criterioso e com prioridades discutidas com a comunidade acadêmica, o resultado é bom. Foi o que ocorreu com o ensino de matemática entre as décadas de 1950 e 1970, quando foram criados o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e o Impa. Segundo números divulgados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o impacto científico dos estudos e pesquisas desta entidade já é superior ao das universidades de Harvard, Stanford e Berkeley, nos Estados Unidos.

Infelizmente, porém, o sucesso da Olimpíada Brasileira de Matemática tem beneficiado apenas estudantes vocacionados para a pesquisa acadêmica. Nos demais níveis, como tem revelado o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), o Brasil ocupa os últimos lugares. Esse é paradoxo do ensino básico do País: apesar das ilhas de eficiência, como é o caso da Olimpíada Brasileira de Matemática, no conjunto a qualidade do ensino é baixa, por causa de políticas educacionais equivocadas e erráticas.

Por isso, se por um lado a ascensão da matemática brasileira à elite mundial merece aplauso, por outro é preciso que as autoridades educacionais sejam mais consequentes e responsáveis, deixando de perder tempo com preocupações religiosas e enviesamentos ideológicos e se inspirando nas experiências que têm dado certo.

Pedras e buracos no caminho – Editorial | O Estado de S. Paulo

No final do ano passado, a Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes (SMT) anunciou o novo Plano Cicloviário da Cidade de São Paulo, um ambicioso projeto de extensão e reforma da malha cicloviária da capital paulista, a maior da América Latina, de acordo com levantamento feito pela Agência Senado: são 474 km de ciclovias e ciclofaixas, fora os 30 km de ciclorrotas. O novo plano da Prefeitura engloba a criação de 173 km de vias e faixas, além da reforma de 310 km da malha existente até o final de 2020, ao custo de R$ 325 milhões.

Trata-se de uma ação mais do que bem-vinda da administração Bruno Covas (PSDB), haja vista a péssima qualidade de muitos segmentos da infraestrutura cicloviária instalada, seja pela falta de manutenção, seja como consequência do mau planejamento de administrações anteriores, para as quais bastava pintar de vermelho um trecho do asfalto para vender à população a ideia de que uma ciclofaixa ali havia sido criada.

O que não é compreensível é que este trabalho de revitalização se limite às ciclofaixas, não se estendendo às pistas de rolamento para automóveis na mesma via, e que demandam igual tratamento. O Estado percorreu uma série de ruas e avenidas da cidade observando essas discrepâncias. De um lado, uma ciclofaixa impecavelmente reconstituída, bem sinalizada e nivelada, bastante segura para os ciclistas, como deve ser. De outro, buracos, pedras soltas e desníveis na mesma via, comprometendo não só a segurança de motoristas e pedestres, mas a dos próprios ciclistas, já que para desviar de um buraco o motorista pode acabar lançando o carro sobre a faixa a eles destinada.

A Prefeitura informou que a Secretaria Municipal das Subprefeituras realiza, em paralelo ao trabalho nas ciclofaixas, um levantamento das vias que precisam de manutenção. A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) também está envolvida no mapeamento.

Trabalho, decerto, não vai faltar. O estado de muitas ruas e avenidas de São Paulo é sofrível, algo incoerente com o poderio econômico da maior cidade do País. Entre 2017 e 2018, as queixas sobre buracos nas vias aumentaram 32%, passando de 147,6 mil para 198,7 mil, de acordo com dados divulgados no início do ano passado (ver editorial Ruas em estado lastimável, publicado em 29/1/2020). É um número impressionante.

Leitores ouvidos pelo jornal apresentaram relatos bastante parecidos sobre a discrepância de tratamento asfáltico em uma mesma via, o que compromete até a estética da cidade. Na Rua Cândido Espinheira, em Perdizes, zona oeste da cidade, a área destinada aos ciclistas já foi reformada, mas parte da faixa de pedestres foi recapeada sem sinalização indicativa, tornando o trânsito de pessoas inseguro. Na mesma região, a Pompeia é outro bairro cuja qualidade do asfalto deixa a desejar.

“A cidade é equipada com sistemas de monitoramento de todos os serviços. Quando o cidadão fornece a posição de uma ‘anormalidade’ em uma via pública, esse problema fica guardado no sistema, o que facilita o planejamento e execução do serviço (de reparo)”, disse ao Estado a professora Eleana Patta, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Conhecimento dos problemas a Prefeitura tem. Resta saber por que o número de reclamações só aumenta. Quais as dificuldades para cuidar de algo tão comezinho à administração de uma cidade como a manutenção de suas vias? É evidente que São Paulo tem desafios de gestão que poucas cidades no mundo têm. Mas São Paulo também dispõe de recursos técnicos, humanos e financeiros que rivalizam com os de muitos países.

Louvável o plano da Prefeitura para ampliar e reformar a malha cicloviária da cidade. Mostra, assim, sintonia com as melhores práticas adotadas por grandes cidades no mundo todo. Melhor que esta ação seja completa, visando à segurança de todos os paulistanos, sejam eles ciclistas, motoristas ou pedestres.

Deixem o carnaval se expressar – Editorial | O Globo

Censura, insultos e patrulhas ameaçam escolas e blocos que têm a liberdade como marca registrada

Antes mesmo de a Estação Primeira entrar no Sambódromo, hoje à noite, o ódio já desfila pelas passarelas obscuras das redes. A deixa para os haters é o enredo “A verdade vos fará livre”, versão da vida de Cristo, concebida pelo carnavalesco Leandro Vieira, em que o menino Jesus nasce numa manjedoura do Morro da Mangueira e assume as várias faces que representam uma sociedade diversificada como a nossa.

A simples divulgação do tema bastou para pôr em funcionamento a fábrica de fake news e atiçar todo tipo de patrulha, insultos e ameaças contra a escola. Vídeos e textos postados na internet acusam a verde e rosa de blasfêmia e se referem ao Cristo mangueirense como comunista. “O desfile da Mangueira pode ser entendido como uma homenagem aos valores originais de Cristo, como a fraternidade, a compaixão e o abraço aos diferentes”, afirma Leandro.

A reação exasperada faz lembrar os ataques ao especial de Natal do Porta dos Fundos, que apresenta um Jesus gay. A escalada de ódio contra o humorístico desaguou num inaceitável atentado à produtora do vídeo, no Humaitá.

Entrou para a história do carnaval carioca a censura ao Cristo mendigo da Beija-Flor, no enredo “Ratos e Urubus”, de Joãosinho Trinta, em 1989. Pouco antes de a escola entrar no Sambódromo, oficiais de Justiça, a pedido da Igreja, vetaram a alegoria, que passou coberta por um plástico preto, com uma faixa: “Mesmo proibido olhai por nós”.

Parecia que esses tempos sombrios haviam ficado para trás. Até porque hoje a relação entre a Igreja e as escolas é mais amistosa. Nos últimos anos, muitos Cristos e santos desfilaram pela Sapucaí. Hoje e amanhã outros passarão, e não só na Mangueira.

Os desfiles das escolas de samba, assim como o carnaval de rua, são manifestações culturais e, como tal, refletem a pluralidade da sociedade brasileira. Historicamente, celebram a liberdade, a espontaneidade, a irreverência.

Porém, os arautos do politicamente correto demonizam marchinhas e rasgam figurinos tradicionais. O bloco Cacique de Ramos, que desfila desde os anos 60, é criticado por usar fantasias de índio. Algo surreal. Em São Paulo, a atriz Alessandra Negrini foi atacada nas redes, acusada de apropriação cultural, por ter desfilado num bloco, ao lado de indígenas, com cocar estilizado e pintura corporal feita com urucum.

Num estado democrático, quem se sente agredido recorre à Justiça. Ou protesta. Mas proibir, vetar, censurar, patrulhar, cancelar (nas redes sociais) são verbos que por definição não combinam com o espírito libertário do carnaval. Além do mais, contrariam a Constituição, que consagra a liberdade de expressão, reafirmada pela ministra do STF Cármen Lúcia na célebre frase “Cala a boca já morreu”.

Há uma epidemia do politicamente correto se ampliando no carnaval, certamente insuflada pela polarização política por que passa o país já há algum tempo. Trata-se de séria ameaça à maior festa popular do Rio, marca inconteste da cultura carioca. Nela não cabem amarras ou mordaças.

Equação das eleições americanas é semelhante à do Brasil de 2018 - Editorial | O Globo

Para derrotar Donald Trump, democratas precisam de um candidato que volte a agregar o país

Donald Trump, depois de saborear a esperada vitória no Senado na rejeição ao pedido de seu impeachment aprovado na Câmara, sob controle democrata, deve estar passando por novos momentos de relaxamento ao acompanhar o difícil processo de escolha do candidato do Partido Democrata às eleições de novembro.

As dificuldades operacionais sérias encontradas pelos democratas na realização do tradicional caucus de Iowa, quando não se conseguia chegar ao resultado final, são o de menos. O método ancestral de reuniões para definir candidatos nas primárias pode ser substituído pelo sistema simples e eficaz da cédula.

O problema dos democratas é bem mais sério: encontrar um candidato que vença o nacional-populista Donald Trump também no colégio eleitoral. Não basta superá-lo no voto popular. Hillary Clinton obteve mais votos diretos do que Trump, mas foi derrotada porque o republicano venceu, mesmo que por estreita margem, em estados-chave, para reunir um número maior de delegados entre os 538 do colégio eleitoral. Paira ainda o espectro do risco de ações eletrônicas massivas em favor de Trump.

Há na equação da eleição americana variáveis parecidas com as do Brasil de 2018, quando a rejeição a um candidato de esquerda, Fernando Haddad, apoiado por Lula, e, portanto, contaminado por sua rejeição majoritária, foi eficaz cabo eleitoral do representante da extrema direita Jair Bolsonaro.

Para derrotar Trump, os democratas precisam de um candidato que volte a agregar o país e faça as pessoas irem votar, numa eleição em que o voto não é obrigatório. Jovens, negros, latinos em geral são os alvos preferenciais.

O debate entre os candidatos democratas às primárias na quarta, em Las Vegas, teve um elevado índice de agressividade, porque estreou nos embates o bilionário Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York e dono de um forte grupo de informações econômicas.

Aspirante a ser o candidato moderado que supostamente irá quebrar a atmosfera de polarização na política americana, que ajuda Trump, Bloomberg, nesse primeiro enfrentamento, sofreu avarias por não ter sabido se defender de maneira convincente dos ataques que recebeu.

Mas é cedo para conclusões. Ainda haverá a “Superterça”, em 3 de marco, quando 12 estados realizam primárias. As tendências ficarão mais visíveis. Trump, que se fortalece na polarização, deve torcer por Bernie Sanders, visto como “comunista” pelo eleitorado trumpista e similar.

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