- Folha de S. Paulo
Homem se apropria de inovações culturais e as aprimora, e é isso que o diferencia de outros animais
Basta alguém famoso fantasiar-se de índio para dar início à polêmica. Como o lança-perfume, o debate em torno da apropriação cultural já se tornou um elemento inescapável do Carnaval.
Não sou nem o maior fã nem o maior crítico do politicamente correto (PC). Penso que o fenômeno pode ser descrito como o efeito colateral de um movimento absolutamente desejável, que foi o esforço de sociedades liberais para conter seus impulsos racistas, sexistas, homofóbicos etc. A origem virtuosa não deve, porém, nos impedir de denunciar seus exageros.
E, se há um elemento da cada vez mais longa cartilha do PC que eu não engulo, é justamente a apropriação cultural. O raciocínio que fundamenta esse discurso é profundamente reacionário. Defender que objetos culturais, que, no fundo, são ideias, devem pertencer exclusivamente ao grupo que os criou equivale a decretar a morte da inovação.
Com efeito, tudo de bom que a civilização produziu —e algumas das coisas ruins também— tem origem em ideias importadas de outras culturas. Isso vale claramente para tecnologias, como é o caso da escrita alfabética, da imprensa e da internet, mas também para inovações políticas, como a democracia e os direitos humanos.
Um indivíduo ou povo lança a ideia-base, outro a melhora e um terceiro encontra uma aplicação diferente que lhe dá uma dimensão totalmente nova. A diversidade nas empresas tem valor justamente porque coloca diferentes pessoas, com diferentes perspectivas, para trabalhar sobre os mesmos problemas, na expectativa de que todos os aspectos da questão sejam considerados.
Se só o povo criador tivesse direito à ideia, a escrita estaria circunscrita ao Egito, e os direitos humanos, a uma pequena parte da Europa Ocidental. Se há algo que realmente diferencia o homem de outros animais, é a facilidade com que ele se apropria de inovações culturais e as aprimora.
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