- O Estado de S.Paulo
Motim de policiais com apoio do presidente pode ser embrião para milícia paraestatal
A semana pré-Carnaval foi marcada pelo violento motim da Polícia Militar do Ceará, que ameaça se espalhar por outros Estados, desafia a autoridade dos governadores, conta com a simpatia e o incentivo declarados do presidente Jair Bolsonaro e de seus filhos e asseclas nas redes sociais e pode ser, caso se alastre, o embrião da criação de uma milícia paraestatal bolsonarista inspirada na criada por Hugo Chávez e inchada por Nicolás Maduro na Venezuela.
Não é de hoje que o bolsolavismo bebe na fonte da criação bolivariana, replicando seus métodos de organização e lhes dando uma roupagem ideológica de extrema direita.
A proliferação de escolas cívico-militares, impostas a partir de Brasília aos Estados, a militarização total do Palácio do Planalto, a convocação, feita por um desses militares do gabinete, o general Augusto Heleno, de manifestações de rua em apoio ao presidente e para emparedar o Congresso são todos movimentos combinados que têm clara inspiração na escalada chavista a partir de 2005.
O movimento dos policiais militares é o mais ousado e controverso desses movimentos, porque inclui o incentivo, que era tácito e vai se tornando cada vez mais implícito, a motins já classificados como inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e cuja ilegalidade foi reiterada pela Justiça, no caso do Ceará.
Bolsonaro e os filhos oscilam entre a brincadeira simpática e o apoio escancarado ao movimento dos amotinados cearenses, que perpetraram na última quarta-feira a tentativa de homicídio do senador Cid Gomes – que, em outro ato tresloucado muito representativo dessa polarização patológica da política brasileira, havia investido com uma retroescavadeira contra um grupo que tomava um batalhão da PM em Sobral.
Não se ouviu do presidente da República, do ministro da Justiça, Sérgio Moro, e de nenhum dos militares do governo, que deveriam ser os primeiros a serem intransigentes na defesa da hierarquia e da disciplina militares, nenhum pio condenando o movimento ilegal dos PMs cearenses, cobrando o imediato desligamento dos amotinados nem a investigação e prisão dos autores dos disparos que alvejaram um senador da República.
No lugar disso, Bolsonaro estendeu sua fanfarronice, demonstrada dias antes na piada sexual de botequim com uma repórter, ao brincar que Cid Gomes não tinha habilitação para dirigir retroescavadeira, na sua última live. Flávio Bolsonaro foi mais explícito, ao chamar os amotinados que fazem uma greve ilegal de pessoas em busca de “melhores salários”, mais parecendo um sindicalista petista.
O movimento dos PMs não começou agora. Teve uma primeira onda em 2017, quando o levante violento no Espírito Santo teve incentivo explícito do então deputado Bolsonaro. Agora, os líderes da greve ilegal no Ceará são todos políticos com patentes militares – outra onda que veio na esteira do bolsonarismo em 2018.
A Milícia Nacional Bolivariana da Venezuela foi criada por Hugo Chávez em 2007, e hoje conta com mais de 1 milhão de cadastrados. Maduro quer chegar a 2 milhões. Seus homens e mulheres armados recebem salários de fome e uniformes cáqui para defender o governo, encher comícios, espionar a oposição e evitar a deposição do ditador.
Insuflar em policiais militares um sentimento de louvor político, passando por cima dos governadores e usando pressão salarial como combustível coloca o Brasil no caminho da criação de uma milícia paraestatal. Cabe ao Congresso, ao STF e aos governos estaduais cortar o mal pela raiz, punindo e reprimindo os movimentos dos PMs, sem ceder a chantagens por reajustes nem negociar anistias a criminosos.
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