- O Globo
Diante da epidemia, o presidente optou pelo isolamento. Esperar sensatez de Bolsonaro é perda de tempo, mas ele parece ter batido seu próprio recorde de irresponsabilidade
O presidente foi para escanteio. No momento mais crítico de seu mandato, Jair Bolsonaro fez uma opção pelo isolamento. Deu as costas à ciência, à medicina, à classe política e aos eleitores assombrados com o coronavírus.
No pronunciamento tresloucado de terça, o capitão fez um libelo contra a razão. Na contramão do mundo, atacou a política de quarentena e incentivou os brasileiros a voltarem às ruas, expondo-se ao risco de contágio.
Esperar sensatez de Bolsonaro é perda de tempo, mas ele parece ter batido seu próprio recorde de irresponsabilidade. O Conselho Nacional de Saúde classificou o discurso como “criminoso”. “Sua fala prejudica todo o esforço nacional para que o SUS não entre em colapso”, resumiu.
O presidente foi à TV com um objetivo claro. Diante de uma crise anunciada, ele tentou empurrar a culpa da recessão para os governadores. A manobra parece ter fracassado. Bolsonaro não convenceu o povo, que continuou em casa, e produziu uma união de quase todos os estados contra o Planalto.
As declarações de Ronaldo Caiado ajudam a ilustrar o desastre da ofensiva. Símbolo da direita ruralista, o governador de Goiás desfilava como o aliado número um do presidente. Ontem ele usou uma frase de Barack Obama para detonar o capitão. “Na política e na vida, a ignorância não é uma virtude”, sentenciou.
O estilo brucutu de Bolsonaro não permite dissimulações. Ao se descontrolar em público com o governador de São Paulo, João Doria, ele escancarou o que realmente o incomoda: o medo de que a crise derreta sua popularidade e fulmine o sonho da reeleição.
Na porta do Alvorada, o presidente usou o vírus para fazer uma ameaça explícita de golpe. Projetou uma situação de “caos” e disse que o Brasil “pode sair da normalidade democrática”.
Por enquanto, não há sinais de que as Forças Armadas topariam a aventura. O comandante do Exército tem levado a pandemia a sério, e o vice-presidente, general Hamilton Mourão, parece mais interessado em se apresentar como alternativa constitucional de poder.
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