O presidente deve ter objetivos políticos, mas romper com os estados prejudica a população
O presidente Bolsonaro conseguiu expor de forma contundente as características de imprevisibilidade, de radicalismo e de agressividade, em 24 horas, de terça para quarta. E conseguiu dar uma forte dimensão política à mais grave crise de saúde pública no país — se forem considerados os efeitos paralisantes da epidemia do coronavírus na sociedade, com graves reflexos na economia e no campo social. Não são aconselháveis tais comportamentos a qualquer homem público, em nenhum momento. Se for um presidente da República, em um momento de comoção como este, ampliam-se as incertezas.
Parecia que a dimensão da ameaça do vírus, dada pela violência e rapidez com que a doença surgiu na China e se espalhou pelo mundo, tinha induzido Bolsonaro a tomar a decisão acertada de trabalhar com os governadores. Um entendimento básico para que ações fortes que o Executivo precisa executar a fim de evitar o derretimento da economia — logo, dos empregos e dos salários — cheguem à população, com prioridade aos segmentos mais pobres, muitos dos quais não estão incluídos em programas sociais. Sem que seja esquecida, por óbvio, a ajuda ao setor formal da economia, as empresas.
O presidente fizera reuniões por videoconferência com governadores do Norte e Nordeste, e depois com os do Sul e Centro-Oeste, em que foram acrescentados pedidos ao conjunto de medidas anunciadas anteriormente pelo Planalto. Na terça, véspera do encontro com os governadores do Sudeste, entre eles adversários políticos do presidente, João Doria (SP) e Wilson Witzel (RJ), Bolsonaro mudou o script e, à noite, em rede nacional, mostrou novamente a face do irascível. Foi contra a palavra de ordem mundial, adotada até pelo seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, de que as populações devem cumprir isolamento social para romper a cadeia de transmissão do vírus.
Atacou ainda os governadores que, seguindo o exemplo de outros países e a indicação da Organização Mundial da Saúde, determinam o fechamento de grande parte do comércio, acusando-os de parar o país. Voltou, ainda, a minimizar a Covid-19. Rompeu a aliança que se esboçava, antes mesmo da reunião com os governadores do Sudeste, onde se altercou, de forma especialmente agressiva, com Doria. À margem de especulações sobre quais lobbies o haviam convencido a ir contra os médicos e a Ciência, o fato é que o presidente optou por isolar-se.
Mudou até o discurso do ministro Mandetta, que na entrevista de ontem do ministério deu marcha a ré no pedido de recolhimento social. Deve perder a popularidade que conquistou. O presidente pode ter seus cálculos políticos. Mas importa é que a saúde de milhões de brasileiros passou a correr ainda mais riscos, com a real possibilidade de que medidas urgentes para manter as famílias alimentadas e com o mínimo de dinheiro, enfrentem dificuldades de execução devido a este isolamento presidencial.
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