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Bolsonaro em seu labirinto
Que líder político de peso saiu em defesa do presidente Jair Bolsonaro depois do que ele disse e fez nas últimas 48 horas? Que economista capaz de ser ouvido com atenção pelo país? Que médico de referência? Que religioso reconhecidamente digno de sua condição? Ninguém saiu. Só os estúpidos de sempre. E a massa cada vez menor dos enganados por ingenuidade ou oportunismo.
O vazio das ruas país afora foi a manifestação mais contundente da divergência entre os brasileiros e o seu presidente. Ninguém achou prudente suspender o confinamento só porque Bolsonaro considerou-o desnecessário, um exagero, que prejudicará a economia. E porque outra vez chamou os governadores que baixaram a medida de “destruidores de empregos”.
Todos os governadores adotaram a medida. Nenhum ficou de fora. Os chefes de Estado de quase 60 países adotaram a medida. O modelo de quarentena varia de acordo com a gravidade da situação em cada um deles. Com o início da quarentena na Índia, há ao menos 2,8 bilhões de pessoas vivendo sob algum tipo de restrição. Isso significa um de cada três habitantes do planeta.
Em três meses, o coronavírus infectou mais de 420 mil pessoas e matou pouco mais de 20 mil. No Brasil, até ontem, havia 2.555 casos confirmados e 59 mortos. A pandemia só começará a perder sua força quando mais de 50% da população mundial tiver sido contaminada. Levará muito tempo. De resto, o vírus se espalhará em ondas. Essa é apenas a primeira onda.
Confinamento serve para impedir que o vírus se dissemine veloz, o que provocaria em todos os países alcançados por ele o colapso relâmpago do sistema médico de atendimento a vítimas. Colapso haverá como se vê na Espanha, com 3.434 mortos, e na Itália com 7.503. A Espanha ultrapassou a China em número de mortos. A França prorrogou o confinamento por mais três semanas.
Uma simulação feita pela BBC, corporação pública de rádio e televisão do Reino Unido e famosa por sua credibilidade, mostrou que, ao reduzir em 50% o seu contato social, uma pessoa infectada pelo coronavírus reduziria seu potencial de contágio de 406 pessoas em um mês para apenas 15 pessoas. Fácil de entender, não? Até Bolsonaro seria capaz de entender.
O problema dele é outro. Subestimou o vírus, como outros chefes de Estado o fizeram, inclusive o presidente Donald Trump que agora caiu na real. Ao invés de dar ouvidos aos médicos, deu a Paulo Guedes, ministro da Economia, que de saúde não saca nada, entende de números e é ruim de projeções. Quando se viu sem chão, Bolsonaro resolveu pôr a culpa nos outros.
O isolamento político não o preocupa. Nunca o preocupou. Como deputado durante 28 anos, viveu confinado na Câmara. Era da bancada dos irrelevantes. Acostumou-se com isso. Jamais imaginou que chegaria onde está. Passará à História como o presidente mais irrelevante do Brasil desde, pelo menos, os anos 30 do século passado. Mas quer um segundo mandato, ora vejam.
Contente-se com um. E torça para que possa completá-lo. Seu vice está aí para sucedê-lo antes da hora se for preciso. Vice existe para isso. E de 1985 para cá, três vices completaram o mandato de presidentes impedidos de fazê-lo – José Sarney porque Tancredo Neves morreu, Itamar Franco porque Fernando Collor foi derrubado, Michel Temer porque Dilma Rousseff também foi.
Calado até ontem, posto por Bolsonaro à margem da crise, o general Hamilton Mourão, ao reaparecer, o fez em grande estilo. Revelou seu incômodo com a maneira como Bolsonaro bateu boca com o governador João Doria (PSDB), de São Paulo. E, mais tarde, perguntado sobre o pronunciamento de Bolsonaro à Nação na última quarta-feira, respondeu sem receio de corrigi-lo:
“A posição do governo por enquanto é uma só. A posição do governo é o isolamento e o distanciamento social. Está sendo discutido e ontem o presidente buscou colocar, pode ser que tenha se expressado de uma forma que não foi a melhor, mas o que ele buscou colocar é a preocupação que todos nós temos com a segunda onda. Temos a primeira onda, que é a saúde, e a segunda que é a questão econômica”.
Valeu, Mourão! Aço! Selva!
Estado de Calamidade sob as rédeas curtas do Congresso
O que está por vir
Um projeto de decreto legislativo regulamentando o Estado de Calamidade, decretado na semana passada a pedido do Executivo, começou a circular, ontem, entre líderes de partidos na Câmara dos Deputados e no Senado.
A minuta, já em seu artigo primeiro, prevê que a União, ou seja, o governo federal deverá partilhar com os estados e os municípios o comando das ações frente à crise. A redação é esta:
“O enfrentamento da calamidade pública decorrente da pandemia do Covid-19 é responsabilidade solidária da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.”
Mais adiante, segundo o relatório TAG REPORT, das jornalistas Helena Chagas e Lydia Medeiros, o decreto estabelece que:
“[…] mediante atuação em caráter nacional, transparente e fiscalmente proporcional ao máximo de recursos disponíveis, os entes federativos ficam obrigados aos deveres de coordenação continuada e consecução tempestiva de esforços para o atendimento das demandas sanitárias, econômicas e sociais diretamente vinculadas à pandemia do Covid-19, durante o prazo de vigência da Lei no 13.979, de 6 de fevereiro de 2020”.
Os parlamentares que articulam a aprovação do decreto querem apressar sua tramitação. Do ponto de vista político, acreditam que caberá agora ao Congresso fazer a mediação dos conflitos entre o presidente Jair Bolsonaro e os governadores.
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