- Valor Econômico
Governo brasileiro vai apelar para a venda de reservas cambiais?
Em uma guerra, a primeira vítima é a verdade, já dizia, em 1917, o senador americano Hiram Johnson (alguns atribuem a frase ao grande dramaturgo grego Ésquilo).
Parodiando o senador, em uma recessão, a primeira vítima são os impostos. Quando os empresários começam a encontrar dificuldades em seus negócios, com retração acentuada das vendas, a primeira coisa que fazem é deixar de cumprir suas obrigações tributárias. Este é o principal problema que os governos estaduais, municipais e federal vão enfrentar nos próximos meses, pois, com a queda da receita tributária, terão muito menos recursos para realizar as ações de combate à pandemia do novo coronavírus.
Terão que contar com a ajuda financeira da União. E de grande monta. Mas e o governo federal, onde encontrará recursos?
O que está no horizonte é uma retração brutal da atividade econômica no Brasil e no mundo, provocada, principalmente, pela quarentena a que está sendo submetida grande parte da população. Setores industriais importantes estão parando. E, para completar, o comércio está fechado. Como observou uma importante fonte do governo, “quando o setor de serviços para, acabou”. A expectativa, portanto, é de forte queda da arrecadação federal, estadual e municipal. Em que proporção isso vai acontecer, ainda é uma incógnita.
A receita tributária registrada em março não será um bom indicador, porque os pagamentos de tributos têm certa defasagem. A maior parte dos tributos é paga no mês seguinte ao da competência.
O anexo de riscos fiscais, da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) válida para este ano, dá algumas informações para se avaliar o impacto da recessão sobre a receita tributária. O anexo informa que a variação de 1 ponto percentual do PIB tem impacto de 0,13% na receita previdenciária e de 0,64% nos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal. Isto significa que para cada 1 p.p. de queda do PIB, a arrecadação com tributos será reduzida em R$ 7,1 bilhões. A receita do Orçamento foi estimada com base em um crescimento de 2,3% do PIB. Mas isso é só o começo.
Há um efeito também da inflação sobre a receita tributária. Segundo o anexo da LDO, uma variação de 1 ponto percentual na inflação tem impacto de 0,13% na receita previdenciária e de 0,61% nas demais receitas administradas pela SRF. Assim, se a inflação ficar 1 p.p. menor que a taxa usada na estimativa da receita, ela ficará R$ 6,8 bilhões abaixo. Por causa da recessão, a inflação ficará abaixo da prevista no Orçamento, que foi de 3,53%, acumulada neste ano.
Um dos principais efeitos da retração da atividade será o aumento do desemprego. As empresas já começaram a demitir, pois estão sem receita para pagá-los. Uma variação de 1 ponto percentual na massa salarial (que é a soma de todos os salários pagos durante o ano) tem impacto de 0,80% na receita previdenciária e de 0,06% nas demais receitas administradas pela SRF. Uma queda de 1 p.p. na massa salarial traria redução de R$ 4,1 bilhões nas receitas, segundo o anexo da LDO.
Se a taxa de câmbio e a taxa de juros variarem em 1 p.p., a arrecadação sofrerá um impacto de 0,10% e de 0,03%, respectivamente. Então, com uma subida de 1 p.p. do câmbio e dos juros, a receita poderá subir R$ 1,3 bilhão. No momento atual, a taxa de câmbio está em alta e a taxa de juros está em baixa.
Haverá perdas também nas chamadas receitas não administradas. O anexo da LDO não estimou, por exemplo, o efeito da queda dos preços do petróleo na receita com royalties do petróleo, que passou a ser essencial para alguns Estados e municípios. A previsão oficial de R$ 68 bilhões para esta receita neste ano foi feita com base em uma cotação média de US$ 58,96 por barril de petróleo. O preço internacional está abaixo de US$ 30. Esta arrecadação terá forte queda neste ano.
No caso das concessões de serviços públicos, o problema é ainda mais grave. O governo programou para este ano uma arrecadação de R$ 16 bilhões com a privatização da Eletrobras. Hoje, é certo que essa receita não ingressará nos cofres do Tesouro, mesmo porque não há clima no mercado para uma privatização. Outras receitas de concessão também não se realizarão.
Esses são os efeitos negativos nas receitas primárias federais. O anexo da LDO não considera, nem poderia, os efeitos da recessão na arrecadação do ICMS, que é um tributo estadual, nem na do ISS, que é municipal. O impacto negativo nos dois impostos será muito forte, embora ainda não se tenha uma estimativa oficial.
Quanto maior forem a recessão econômica e o aumento do desemprego, maior será a redução das receitas tributárias.
O Valor teve acesso a uma projeção preliminar que aponta para perda de R$ 70 bilhões para a arrecadação do governo federal neste ano, na comparação com o que estava programado no Orçamento. Mas não são conhecidas as variáveis utilizadas para se chegar a esta cifra.
O presidente Jair Bolsonaro já anunciou que o governo federal vai compensar os fundos de participação dos Estados e dos municípios (FPE e FPM) pela queda prevista das receitas do Imposto de Renda e do IPI, que compõem os fundos. O governo dará R$ 4 bilhões por mês ao FPE e ao FMP, durante quatro meses. Os governadores já disseram que é pouco.
Haverá também perda de receitas financeiras para o governo federal, pois o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou alguns Estados a não pagarem suas dívidas com a União. Depois dessa decisão, Bolsonaro autorizou uma moratória de seis meses nos pagamentos dos débitos estaduais com a União. Esse prazo, no entanto, não será respeitado, pois os governadores ingressarão no STF pedindo que o não pagamento seja autorizado enquanto durarem os efeitos negativos da epidemia sobre as suas receitas e as suas despesas.
O custo fiscal da crise provocada pelo coronavírus será imenso. Alguns especialistas chegam a falar em mais de R$ 500 bilhões. O governo ainda não divulgou uma previsão. O montante dependerá da duração da pandemia e da duração da recessão econômica.
De onde o governo federal vai tirar os recursos para compensar as perdas das receitas tributárias, para custear as despesas adicionais que será obrigado a fazer na área da saúde, para sustentar os programas de ajuda financeira a trabalhadores informais e às pessoas mais vulneráveis da população e, ao mesmo tempo, ajudar financeiramente Estados e municípios? Para custear o seu pacote de mais de US$ 2 trilhões, o governo americano vai colocar títulos no mercado para captar recursos e, quase certamente, emitir dólares, que é uma moeda aceita mundialmente. O governo brasileiro também vai emitir títulos para arrecadar dinheiro. Vai apelar também para a emissão de moeda? Ou vender reservas?
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