Um presidente contra o País – Editorial | O Estado de S. Paulo
Bolsonaro colocou em risco a vida de pessoas. A única coisa que lhe interessa é seu projeto de poder, que está acima do Brasil e de todos os brasileiros
O presidente Jair Bolsonaro contrariou recomendações de seu próprio ministro da Saúde e participou no domingo de uma manifestação em Brasília a seu favor e contra o Congresso. Bolsonaro, que teve contato com mais de uma dezena de infectados pelo coronavírus, deveria ter se mantido em isolamento, conforme orientação médica. Ao não fazê-lo, colocou em risco a saúde de um número indeterminado de pessoas e a sua própria – que é, por razões óbvias, uma questão de Estado. O presidente foi tão gritantemente irresponsável que custa a crer que não soubesse o que fazia. E, se sabia, o fez de caso pensado: para ele, a saúde dos brasileiros é irrelevante, bem com os impactos econômicos e sociais tremendos da quarentena a que o País começa a ser submetido para tentar frear o avanço da covid-19. A única coisa que interessa a Jair Bolsonaro é seu projeto de poder, que está acima do Brasil e de todos os brasileiros.
Até agora, o presidente da República não parece ter levado a epidemia a sério. Não se sabe se compactua com alguns de seus seguidores, que, nas manifestações do fim de semana, asseguraram que o coronavírus é uma “mentira” destinada a esvaziar os protestos. Mas o fato é que Bolsonaro, mais de uma vez, considerou que a reação mundial à covid-19 tem sido “histérica” – como se os epidemiologistas de todo o mundo estivessem errados. Pior: nesta segunda-feira, em meio às críticas por seu comportamento inconsequente, Bolsonaro afirmou, com todas as letras e em sua gramática peculiar, que a orientação para que ficasse em isolamento, feita pelos próprios médicos da Presidência, conforme protocolos internacionais para casos como o dele, é nada menos que um “golpe” movido por “interesses que não sejam republicanos”.
Os interessados nesse “golpe”, segundo Bolsonaro, seriam os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre. “Está em jogo uma disputa política por parte desses caras”, disse o presidente à Rádio Bandeirantes. Assim, Bolsonaro amplia seu confronto com o Congresso, depois de pessoalmente ter convocado os brasileiros a ir às ruas protestar contra os parlamentares, ignorando ao mesmo tempo o respeito devido ao Poder Legislativo e as restrições a aglomerações por causa da covid-19. Nas fotos que fez com seus simpatizantes durante a manifestação de domingo em Brasília, aparecem vários cartazes que defendem o fechamento do Congresso e a prisão de líderes políticos. É pouco provável que o presidente não os tivesse visto, e é menos provável ainda que não soubesse que estava vinculando sua imagem a um movimento golpista.
Assim, o presidente tenta transformar a pandemia de covid-19 numa arma política, ignorando a aflição de milhões de cidadãos que tiveram sua rotina subitamente rompida e que, ao contrário do presidente, estão cumprindo as orientações das autoridades sanitárias, mesmo diante de pesados prejuízos.
Enquanto Bolsonaro brinca com suas fantasias sediciosas, alguns dos Ministérios que lidam com as áreas mais afetadas pela pandemia mostram serviço. Ao contrário do presidente da República, o Ministério da Saúde tem se desdobrado para fornecer informações de qualidade ao público e a preparar o sistema para receber o fluxo de doentes, que deve se multiplicar nas próximas horas. Já o Ministério da Economia, ainda que tenha demonstrado hesitação num primeiro momento, tomou algumas boas medidas para o enfrentamento dos efeitos imediatos da crise.
Além disso, o Congresso, conforme as palavras de seus líderes, não pretende entrar no jogo de Bolsonaro. “Somos maduros o suficiente para agir com o bom senso que o momento pede”, disse Rodrigo Maia.
Essa maturidade certamente continuará a ser colocada à prova pelo presidente da República, que parece cada vez mais obstinado em criar conflitos – como se estivesse em busca de um pretexto para aquele que talvez seja seu verdadeiro objetivo: destruir as instituições da democracia representativa e colocar em seu lugar o regime de democracia direta, tão caro aos autocratas populistas dos quais Bolsonaro é, por ora, apenas um esforçado aprendiz.
A responsabilidade de cada um – Editorial | O Estado de S. Paulo
Todos devem contribuir para frear a disseminação do novo coronavírus
Há somente quatro meses foi diagnosticado o primeiro caso de infecção por Sars-CoV-2, uma nova cepa do coronavírus, na província de Hubei, na China. Neste curto espaço de tempo, governos e sociedades de cerca de 145 países vêm sendo desafiados por essa nova doença, a covid-19 , hoje pandêmica, que já acometeu mais de 180 mil pessoas e levou à morte 7 mil delas, aproximadamente, além de alterar a vida de milhões de pessoas no mundo inteiro.
De acordo com o mais recente Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, há 2.064 casos suspeitos de covid-19 no Brasil e 234 casos confirmados, dos quais 152 (65%) estão em São Paulo, o Estado mais afetado do País. Sobre o governo e a população paulistas recai, pois, a responsabilidade de agir com máxima diligência para evitar mortes e, como dizem os especialistas, “achatar a curva” de disseminação da doença, o que será decisivo para não exaurir a capacidade do sistema público de saúde.
O governador João Doria, acompanhado do secretário estadual de Saúde, José Henrique Germann, e do coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus, David Uip, anunciou em entrevista coletiva uma série de medidas para conter o avanço da covid-19 em São Paulo. De início, louve-se a disponibilidade das autoridades paulistas em conversar com a imprensa no curso da crise, quase diariamente, sobre dados epidemiológicos, medidas adotadas pelo governo estadual e informações úteis à população. Assim também têm agido o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e membros de sua equipe, notadamente o secretário executivo da pasta, João Gabbardo. Ter de destacar um comportamento tão comezinho em uma democracia – uma autoridade falar com a mídia profissional – é mais um sinal dos tempos esquisitos que o País atravessa.
A partir de hoje, todos os funcionários públicos estaduais com mais de 60 anos, exceto os que atuam nas áreas de Segurança Pública e Saúde, deverão trabalhar em casa. Muitas empresas privadas já estão adotando o trabalho remoto como medida protetora no curso da pandemia. Não faria sentido que a administração pública também não o fizesse, tendo em vista que as pessoas com mais de 60 anos são as mais vulneráveis ao novo coronavírus, junto com as que apresentam comorbidades como diabetes, deficiências cardíacas e imunológicas.
Outra medida anunciada pelo governo estadual em boa hora é o fechamento, também a partir de hoje, de museus, bibliotecas, teatros e centros culturais administrados pelo Estado, por até 30 dias. Não houve determinação para que estabelecimentos comerciais privados, como cinemas, teatros e casas de shows, também fechem as portas no período, mas o Palácio dos Bandeirantes fez esta recomendação. Seria bom que a iniciativa privada a acatasse, pois evitar altas concentrações de pessoas em um mesmo ambiente é medida essencial para evitar a disseminação do novo coronavírus.
Por fim, Doria anunciou o fechamento temporário (por 60 dias) dos 153 Centros de Convivência do Idoso em São Paulo, além do monitoramento do fluxo de passageiros nos modais de transporte público no Estado a fim de avaliar se medidas neste setor devem ser adotadas. “Essas são as novas medidas que anuncio, o que não significa que outras decisões não venham a ser tomadas nos próximos dias, de acordo com o acompanhamento do Centro de Contingência do Coronavírus no Estado de São Paulo”, explicou. De fato, pela natureza e gravidade da pandemia, as ações deverão ser tomadas à medida que surjam novos dados.
Atravessar uma pandemia como essa com a menor carga de sacrifício possível não depende exclusivamente das boas ações governamentais. Elas são fundamentais, mas não são a panaceia para todos os males. Um bom quinhão de responsabilidade está nas mãos dos cidadãos. Aos paulistas cabe zelar por sua higiene pessoal, lavando as mãos e usando álcool em gel como recomendado pelas autoridades sanitárias, adotar a chamada etiqueta respiratória e, quando possível, ficar em isolamento social. Pelo volume de pessoas que insistem em levar a vida como se nada estivesse acontecendo, ainda não está clara a seriedade de uma crise que depende primordialmente do esforço individual para a vitória coletiva.
Pânico persiste, BC lidera reação – Editorial | O Estado de S. Paulo
Instituição anuncia medidas para enfrentar a crise por meio da política de crédito
O terror continua devastando os mercados, como um tsunami global, apesar das ações conjuntas anunciadas por governos do mundo rico, dos cortes de juros e das centenas de bilhões de dólares lançadas em operações de emergência. Em São Paulo as ações caíram de 12,53% no começo do pregão, na Bolsa de Valores, a B3, e de novo as negociações foram interrompidas. Acionado pela quinta vez em março na bolsa paulista, o circuit breaker foi usado também na de Nova York, ontem cedo, quando as perdas superaram o limite de 7%. Na Ásia e na Europa novos tombos já haviam marcado a segunda-feira, prenunciando a continuação do pânico da semana anterior. O temor de uma recessão, comentaram em São Paulo fontes do setor financeiro, impedia a recuperação das cotações. De novo a sombra da crise de 2008, a maior em cerca de 80 anos, escurecia os mercados em todo o mundo.
É grande o risco de uma recessão de um semestre, segundo vêm afirmando analistas há algumas semanas. O ano poderá terminar com algum crescimento acumulado, mas depois de uma queda feia durante alguns meses. A economia americana deve crescer 0,4% em 2020, segundo a nova estimativa do banco Goldman Sachs. A projeção anterior apontava uma expansão de 1,2%.
No Brasil, as estimativas têm caído seguidamente, segundo a pesquisa Focus, do Banco Central (BC). No relatório divulgado ontem, a mediana das projeções do Produto Interno Bruto (PIB) indica um aumento de 1,68%. Um mês antes ainda se estimava um avanço de 2,23%. Nesse intervalo o ganho previsto para a produção industrial diminuiu de 2,33% para 1,63%.
Se há alguma novidade positiva, é o reconhecimento, na área econômica, dos efeitos da epidemia. Os economistas e dirigentes do BC foram os primeiros a reagir e continuam na frente. Ontem cedo o banco anunciou duas medidas para enfrentamento da crise por meio da política de crédito.
A primeira facilita a renegociação de operações de crédito de empresas e de famílias, dispensando os bancos de aumentar o provisionamento. Segundo estimativa citada no comunicado, cerca de R$ 3,2 trilhões de créditos são qualificáveis para a repactuação, se houver interesse das partes.
A segunda medida amplia a capacidade de uso do capital dos bancos para renegociações e novas concessões de empréstimos. Com ampliação da folga de capital, isto é, da diferença entre o capital efetivo e o capital mínimo requerido, os bancos poderão repactuar financiamentos e realizar novas operações. Com ampliação da folga em R$ 56 bilhões, haverá um acréscimo de R$ 637 bilhões na capacidade de oferta de crédito.
Um novo corte de juros era o próximo passo previsto ontem à tarde no mercado. Com a política de juros, a liberação de recursos do compulsório e as novas medidas na área de crédito, o BC continua liderando, de longe, as ações oficiais contra os efeitos econômicos do vírus. No resto do governo, nem a gravidade da epidemia foi plenamente reconhecida.
Na China, origem do vírus e segunda maior economia do mundo, os negócios foram devastados no primeiro bimestre. As bolsas ainda reagem mais aos danos conhecidos do que às promessas oficiais de recuperação. As vendas no varejo nos primeiros dois meses foram 20,5% menores que as de um ano antes. A produção industrial foi 13,5% inferior e as vendas de imóveis ficaram 34,7% abaixo das de janeiro e fevereiro de 2019.
Novos estímulos monetários foram anunciados em Pequim e o governo fala de recuperação econômica a partir do segundo trimestre. Mas nenhum discurso otimista foi suficiente, ontem, para reanimar as bolsas.
O mercado de petróleo também continuava, ontem, sujeito à disputa entre Rússia e Arábia Saudita, num cenário dominado pela expectativa de menor demanda de combustíveis em 2020. Essa expectativa já era conhecida no fim do ano. Demanda de combustíveis em queda é normalmente sinal de economia fraca. Não contaram esse detalhe ao presidente Bolsonaro. Mais de uma vez ele exibiu estranheza diante das tensões por causa do barateamento do petróleo. Teria entendido, talvez, se tivesse consultado seu Posto Ipiranga.
Política monetária atinge limite e estímulo fiscal entra em cena – Editorial | Valor Econômico
As fortes e quase ininterruptas quedas nos mercados indicam que as ações de política monetária são limitadas para relançar a economia
Com mais países na Europa fechando fronteiras e impondo quarentena ampla da população - 100 milhões de espanhóis e italianos - a pandemia de coronavírus traz em si potencial para limitar a produção ao mínimo e reduzir o consumo ao máximo, isto é, causar uma depressão econômica com chances de nova crise financeira. As fortes e quase ininterruptas quedas nos mercados indicam que esse é um cenário plausível e, também, que as ações de política monetária embora tenham um efeito importante são limitadas para relançar a economia. Pelos estragos que o vírus já fez, e ainda fará, está na hora da política fiscal entrar em cena com a força adequada.
O Federal Reserve sequer esperou sua reunião formal de quarta-feira para jogar os juros entre 0% e 0,25%, depois de anunciar garantia de liquidez ao mercado de mais de US$ 1,5 trilhão na quinta. No domingo à noite, reforçou as linhas de swap de moedas com União Europeia, Japão, Canadá, Inglaterra e Suíça, prevenindo a escassez de funding em dólares de instituições financeiras do exterior. Com isto, antecipou a maior parte de sua munição, reeditando o afrouxamento quantitativo com a oferta de compra de títulos de US$ 700 bilhões - US$ 500 bilhões para papéis do Tesouro e o restante para os lastreados em hipotecas. O presidente Jerome Powell descartou cruzar a fronteira para os juros negativos.
A rapidez com que o Fed agiu, elogiável por um lado, suscitou, por outro, mais uma onda de pânico que castigou as bolsas, as moedas e o petróleo ontem. A S&P 500 caiu 11,99% e o Dow Jones, 12,77% com baixas menores mas importantes nas bolsas europeias. O Ibovespa perdeu mais 13,9% e ameaça cair abaixo dos 70 mil pontos. A insegurança não cessou mesmo após todos os principais BCs do mundo agirem na direção esperada pelos mercados, o que sugere também que são insuficientes para reverter os efeitos danosos da pandemia.
O pêndulo, porém, está se deslocando para o lado fiscal da equação de combate ao coronavírus. Não só a política monetária terá de adquirir capilaridade para manter o fluxo de crédito para as pequenas e médias empresas, as mais frágeis, como os recursos do governo terão de chegar aos desempregados e mais difícil ainda, aos trabalhadores temporários que subitamente ficaram sem renda.
Uma das vantagens de juro zero é que os programas fiscais de auxílio a empresas e famílias terão um custo quase parecido, o que é vital diante de uma crise destas proporções. O Banco da Inglaterra e o Tesouro britânico fecharam um dos mais abrangentes pacotes de socorro até hoje. Os juros caíram a 0,25%, o menor desde a II Guerra Mundial, o governo lançou um pacote de socorro e investimentos de 30 bilhões de libras (1,5% do PIB) e foi criado um fundo, com juro perto do zero, para empréstimos às PMEs, que pode chegar a 100 bilhões de libras. Recursos para as necessidades da área de saúde serão ilimitados. As empresas serão compensadas pelas licenças por 14 dias da mão de obra atingida pelo vírus. As regras para essas licenças foram desburocratizadas, ao mesmo tempo em que caiu a 0% a exigência de capital contracíclico dos bancos. O BC inglês estima que será possível obter empréstimos líquidos de 190 bilhões de libras, várias vezes maior do que a disponibilidade em 2019.
Com a economia a caminho da recessão e fustigada pelo vírus, a Alemanha deixou para trás sua feroz ortodoxia e prometeu, via banco estatal, colocar inicialmente € 550 bilhões para amparar empresas e trabalhadores afetados pelo vírus - uma guinada e tanto diante de sua posição durante toda a crise na zona do euro recente.
Os EUA, apesar das estultices de Trump, caminham na mesma direção. No pacote gestado por Congresso e Tesouro, estudam-se medidas de alívio como a suspensão temporária do pagamento dos empréstimos a estudantes, redução ou atraso de quitação de impostos por empresas atingidas e compensação monetária direta para os que perderam emprego em decorrência do vírus.
No Brasil, o BC vai cortar mais os juros e o Conselho Monetário Nacional criou condições mais favoráveis para a renegociação de dívidas com os bancos. O Ministério da Economia acordou para a existência da pandemia e anunciou medidas de alívio envolvendo R$ 147 bilhões entre liberação de recursos (FGTS, antecipação do abono salarial e do 13º salário dos aposentados), diferimento de impostos por três meses para empresas (recolhimento do FGTS e do Simples e de 50% das contribuições do Sistema S). O financiamento à saúde será reforçado em cerca de R$ 9,5 bilhões.
Presidente confinado – Editorial | Folha de S. Paulo
Na crise do vírus, melhor deixar tarefas com capazes, e Bolsonaro com bizarrices
O presidente da República parece rumar a uma espécie de quarentena voluntária. Desde que assumiu o cargo, isolou-se da sabedoria, da liderança, da ciência, do bom senso e da melhor prática política.
A atitude estúpida de ir ao encontro de sua diminuta seita de extremistas neste domingo (15), em Brasília, indica que o país não contará com o chefe de Estado na condução da resposta à maior urgência humanitária em décadas.
Pelo contrário, Jair Bolsonaro ameaça tornar-se obstáculo à extraordinária coordenação de esforços e recursos necessária para mitigar o impacto que o espalhamento da Covid-19 exercerá no sistema de saúde, no bem-estar de dezenas de milhões de brasileiros e na economia, duramente atingida.
O melhor, pois, é deixar o ocupante intelectual e politicamente isolado do Planalto falando e fazendo asneiras sozinho, enquanto os capacitados se incumbem da tarefa monumental.
Os ministros ainda lúcidos, como o da Saúde e o da Economia —cujas declarações à Folha nesta segunda (16) repõem a esperança na racionalidade e no somatório de esforços—, podem articular-se diretamente com os presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, bem como com os governadores dos estados, onde fica o terreno dessa batalha.
O presidente não faria mal, nesse contexto, em delegar a uma autoridade nacional o enfrentamento da epidemia e de suas consequências imediatas, a exemplo do que ocorreu durante o racionamento de energia elétrica em 2001.
A despeito do modelo que se adote, o fluxo de informações e decisões necessita ser fluido e ancorado em evidências. Planos de contingência para hipóteses extremas, como o bloqueio de circulação em regiões com vasto contingente populacional, precisam estar delineados em questão de poucos dias.
Com enorme parcela dos trabalhadores na informalidade e elevado contingente de desempregados, milhões de famílias poderão ter queda vertiginosa em seu poder de compra. Será preciso garantir a alimentação desses brasileiros.
Os mais vulneráveis à debacle, seja na saúde, seja na renda, exigem socorro prioritário. A asfixia econômica também requererá ações para que o mergulho passageiro não deflagre uma onda de falências.
Diante da enormidade do desafio, cujo sucesso será avaliado em vidas e empregos poupados, seria desperdício de tempo preocupar-se com as bizarrices de Bolsonaro.
Que permaneça em seu confinamento de fato até que a crise esteja superada. Todos terão a ganhar.
Como gastar na crise – Editorial | Folha de S. Paulo
Governo pode reduzir meta fiscal e aprovar novas despesas, sem abandonar o teto
Em todos os países, as autoridades têm o dever de mitigar os impactos econômicos da pandemia de Covid-19. O governo do Brasil dispõe de mecanismos para atuar e, felizmente, começou a empregá-los com as medidas anunciadas nesta segunda-feira (16).
No campo monetário, dada a natureza primordialmente deflacionária do choque, o Banco Central tem margem para avançar de modo resoluto no corte de juros, assim como seus congêneres internacionais —o americano Federal Reserve, por exemplo, reduziu suas taxas a zero e anunciou o retorno do programa de compra de ativos.
A autoridade monetária também pode manter intervenções no mercado de câmbio —para evitar movimentos bruscos, não na tentativa de administrar as cotações— e coordenar esforços com o Tesouro Nacional no sentido de manter baixos os juros de longo prazo.
Também é necessário abrir espaço para que os bancos possam proporcionar liquidez a empresas e consumidores. Além de afrouxamento de regras de capital exigido, já alteradas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), cumpre reforçar linhas de crédito imediato e considerar adiamento de vencimentos de empréstimos.
Já está demonstrado no exterior, contudo, que apenas medidas monetárias não são suficientes na crise atual, que exige ação direta por meio do Orçamento público. Nessa área o Brasil enfrenta mais fragilidade, mas há espaço na lei para uma atuação enérgica.
O teto inscrito na Constituição para os gastos federais não impede a abertura de crédito extraordinário em situações de crise. Esse mecanismo, que eleva despesas em caráter emergencial, deve ser empregado no montante suficiente para atender as necessidades da saúde e da assistência social.
Mais amplamente, o governo deve aceitar que o déficit fiscal deste ano ficará acima do previsto. Haverá perdas de arrecadação e possivelmente a necessidade de medidas de alívio tributário nos setores mais atingidos pela queda de demanda e também de programas de complemento de renda.
A meta de resultado primário deste ano deve ser reduzida para atender a essas necessidades imediatas. Seria absurdo promover um corte draconiano de gastos para atingir o saldo projetado antes do coronavírus.
É de suma importância, contudo, manter o teto de gastos, que não inviabiliza uma resposta à parada econômica. Ao contrário, sua vigência evita um cenário de incerteza absoluta acerca da solvência do governo e permite ao BC baixar os juros com maior segurança.
Ações drásticas são essenciais para conter a epidemia no país – Editorial | O Globo
Mas população também precisa colaborar. Não faz sentido lotar as praias, como no fim de semana
Nos últimos dias, medidas vêm sendo tomadas para tornar menos dramático o avanço da Covid-19. Todas importantíssimas, mas ainda tímidas e um tanto descoordenadas. No fim de semana, a incoerência entrou em campo nos campeonatos regionais. No Rio e em Porto Alegre, times jogaram com portões fechados. Mas a manutenção das partidas gerou uma série de críticas de técnicos e jogadores. De fato, não faz sentido poupar os torcedores e expor os atletas — o técnico Jorge Jesus, do Flamengo, aliás, testou positivo. Não foi a única atitude ilógica. Em São Paulo, clubes também atuaram com arquibancadas vazias na capital, mas, no interior, torcedores puderam assistir à disputa entre Inter de Limeira e Palmeiras. Ontem, clubes e federações decidiram paralisar por 15 dias os campeonatos carioca, paulista e gaúcho. Antes assim.
No Rio, o governador Wilson Witzel determinou a suspensão das aulas nas escolas públicas e privadas por 15 dias. Também foi decretado o cancelamento de eventos com multidões. Teatros, cinemas, casas de shows e pontos turísticos ficarão fechados por 15 dias. Witzel pediu ainda que academias e restaurantes restrinjam o funcionamento.
Em São Paulo, o governador João Doria suspendeu gradativamente as aulas na rede pública e cancelou eventos com mais de 500 pessoas.
Ainda que de forma vacilante, o poder público vem tomando medidas acertadas. Mas a população precisa fazer a sua parte. As imagens das praias do Rio lotadas no fim de semana são constrangedoras. Ontem a Defesa Civil usou megafones na orla da Zona Sul pedindo a colaboração dos banhistas.
Embora o presidente Jair Bolsonaro — que tem se esmerado em descumprir protocolos do Ministério da Saúde de seu governo — considere que medidas restritivas contribuem para o “histerismo”, elas estão no caminho certo. Em países que conseguiram frear a epidemia, como China, Coreia do Sul e Cingapura, o isolamento foi fundamental. É essencial baixar a curva dos casos para que as redes pública e privada possam dar conta do coronavírus. Não é só o Brasil que está adotando ações draconianas. Nova York suspendeu shows da Broadway e fechou bares. Não há outra solução para vencer essa batalha. Prejuízos são inevitáveis. Mas o momento é de preservar vidas.
Economia requer medidas como a PEC Emergencial – Editorial | O Globo
Paulo Guedes anuncia pacote que ele admite não ser suficiente, e esperam-se ações no campo fiscal
A sucessão de medidas fortes que vêm sendo tomadas no mundo e em estados brasileiros — no Rio, um deles, com o fechamento de teatros, cinemas e casas de shows —, tende a trazer as pessoas à realidade da mais grave epidemia da era moderna. Seja ou não porque é mais fácil fazer viagens internacionais, a Covid-19 se propaga em alta velocidade e converte o mundo em uma aldeia que precisa se defender não apenas contra o vírus, mas combater a trágica capacidade que a pandemia tem de paralisar a economia mundial de forma assombrosa.
Esta crise é diferente daquela de 2008/9, de origem financeira, no mercado de hipotecas dos EUA, que a economista americana Carmen Reinhart não considera ter sido global, disse em entrevista ao GLOBO. Não atingiu todos da mesma forma. A China, por exemplo, lembra a economista, crescia a dois dígitos por ano, reduziu um pouco o ritmo, mas não desabou. A atual é mais ampla, porque os países têm sido obrigados a decretar o recolhimento das populações para romper a cadeia do contágio. Como fez a China e passaram a fazer Itália e Espanha, indo o Brasil pelo mesmo caminho. O impacto na economia é enorme e instantâneo em termos de perda de produção, de faturamento, de coleta de impostos, afunilando para a depressão e maciço desemprego. Algo como um “crash” de 1929/30 global.
Cada país se movimenta para conter esta onda de choque, paralelamente a ações para tratar dos infectados e reduzir a letalidade da epidemia. O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou ontem um conjunto de medidas para se contrapor à recessão que está se formando no subsolo da economia. Não é uma crise qualquer. Por estancar o sistema produtivo e esvaziar o consumo, ela atinge do bar da esquina à montadora de automóveis.
O pacote anunciado por Guedes, entre liberações para os mais vulneráveis (idosos e/ou pessoas de baixa renda), por meio de nova antecipação do décimo terceiro dos segurados do INSS — a segunda metade do salário —, antecipação do abono salarial, ampliação do Bolsa Família, e adiamento por três meses do pagamento de impostos, representa R$ 147 bilhões. Mas é pouco e não só nas cifras. O próprio Paulo Guedes afirma que poderão ser anunciadas medidas “a cada 48 horas”.
O tamanho da crise exige. A queda de ontem dos mercados mundiais, apesar de medidas sucessivas do Fed (Banco Central americano) e de outras autoridades monetárias no planeta, indica que continua a insegurança. No Brasil, o Conselho Monetário Nacional, ontem pela manhã, tomou medidas para facilitar a renegociação com os bancos de empréstimos levantados por empresas e famílias, e ainda facilitou a expansão do crédito.
A questão fiscal não foi tratada por Guedes na entrevista. Ela é importante. Precisa haver a criação de espaços para o governo agir neste campo. E isso pode ser feito sem a necessidade de rever o teto constitucional de gastos, o que indicaria o fim da responsabilidade fiscal.
Não é necessário, não apenas porque situações de emergência permitem flexibilizações, como também está no Congresso a PEC Emergencial, que permite aos governos reduzir seu segundo maior item de gastos, a folha de salários do funcionalismo, em proporção idêntica à redução da jornada.
Conceito já existente na Lei de Responsabilidade Fiscal. A gravidade do momento exige esta PEC.
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