- Folha de S. Paulo
Participação do presidente em protesto e negligência com coronavírus deveriam nos levar a discutir o impeachment
As insensatas manifestações do último domingo, 15, foram a gota d'água. Num só gesto, Bolsonaro mostrou, para quem ainda tinha dúvidas, que está ativamente conspirando contra os outros Poderes; além disso, ao participar do convescote autoritário, contrariando recomendação sanitária, mostrou que não tem autoridade para liderar o país na crise do coronavírus. Está na hora de discutirmos seu impeachment.
Além de celebrar a manifestação e pessoalmente participar dela, Bolsonaro tem reiteradamente minimizado a crise do coronavírus, chamando as medidas que estão sendo implementadas de "extremismo", "histeria" e "superdimensionamento", quando sua missão seria a de colaborar com as ações que podem reduzir o número de óbitos.
A taxa de mortalidade de quem se contaminou com o coronavírus é de 3,74%. Assim, se o vírus contaminar 10% da população, o que pode acontecer em alguns meses, deve matar 785 mil brasileiros. Isso é 15 vezes o número de brasileiros mortos na Guerra do Paraguai.
O presidente Bolsonaro está preparado para conduzir o país durante uma epidemia dessa magnitude? O que pode acontecer caso, incomodado com alguma atitude do ministro da Saúde, Henrique Mandetta, resolva substituí-lo por um fanático ignorante como Weintraub, Araújo ou Damares?
Mas isso não é tudo. A estratégia da confusão pela qual Bolsonaro tenta dissimular seu ataque à independência dos Poderes não deveria enganar mais ninguém.
O presidente ao mesmo tempo estimulou as manifestações e disse que eram espontâneas; permitiu que atacassem o Congresso e o Supremo e disse que não compartilha dessas posições; fez pronunciamento pedindo que as manifestações não acontecessem e, quando aconteceram, divulgou vídeos dos protestos e compareceu à manifestação em Brasília; disse que respeita Maia e Alcolumbre, mas que quem deveria prevalecer é o povo nas ruas.
Como Bolsonaro quer confundir, devemos sempre tomar como sua a posição mais grave que não foi desmentida por uma negativa firme e inequívoca. Por esse motivo, precisamos ter clareza: Bolsonaro convocou e participou de manifestações que pediram o fechamento do Congresso e do STF.
É bem verdade que o impeachment deveria ser evitado, porque o instituto não pode ser abusado e já está bastante desgastado depois do controverso impedimento de Dilma Rousseff. Mas a crise é grave e parece cada vez mais que a inação pode levar a um comprometimento permanente das instituições.
Podemos nos dar ao luxo de manter Bolsonaro no poder por mais dois anos?
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.
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