- Folha de S. Paulo
Obras de Camus, Saramago, Defoe e García Márquez não têm contraindicações
Você conhece o "Decameron", de Giovanni Boccaccio, que está na origem do conto como gênero literário. No flagelo da peste bubônica na Florença de 1348, dez nobres, durante dez dias, se confinam e decidem contar histórias. Na Itália de hoje, país europeu mais atingido pela pandemia de coronavírus, a situação se repete. Uma espécie de efeito colateral que bate nas pessoas obrigadas a ficar em casa: a leitura. As vendas online de dois romances "A Peste", de Albert Camus, e "Ensaio sobre a Cegueira", de José Saramago"“ dispararam.
O de Camus é uma peça de resistência: a cidade de Oran, infestada de ratos, se transforma em alegoria da Europa ocupada pelo nazismo. O de Saramago é um thriller de terror: a epidemia de cegueira branca mostra a que ponto se pode chegar diante de uma situação de caos. Invadir supermercados para esvaziar prateleiras com papel higiênico e álcool gel é só o início.
Há outras indicações na literatura, a competir com a maratona de séries e flash mobs sonoros. Num conto de Edgar Allan Poe, "A Máscara da Morte Vermelha", o príncipe Próspero despreza as alusões à peste negra e resolve dar uma festança, trancando mil amigos num castelo e deixando a miséria lá fora.
Qualquer semelhança com o Brasil atual é mera coincidência.
O tema era caro a Gabriel García Márquez: em "Cem Anos de Solidão", a peste da insônia contamina os habitantes de Macondo; o título "O Amor Nos Tempos do Cólera" dispensa explicações. Nas duas obras, revela-se a admiração do autor por "Um Diário do Ano da Peste", de Daniel Defoe. Há quase 300 anos este livro é um modelo, não só para abordagens sobre epidemias como também do registro de informações jornalísticas utilizando-se da narrativa ficcional. Suposto relato de uma testemunha ocular, a ação se passa no verão londrino de 1665, quando o autor tinha quatro anos de idade.
Lave as mãos depois da leitura.
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