- Folha de S. Paulo
Demos um voto de confiança à antipolítica, agora colhemos os frutos
Macron, Boris Johnson, Conte: líderes de diferentes colorações ideológicas, todos viram sua popularidade subir na pandemia. Nenhum deles foi particularmente genial: apenas compareceram à chamada da responsabilidade, o que naturalmente fez com que a população se unisse ao redor de seu chamado ao esforço coletivo pelo bem comum.
Jair Bolsonaro fugiu. Não só não foi capaz de implementar nenhuma resposta sua à epidemia como ainda escarneceu de quem tomava esse papel.
Numa franca admissão da própria inutilidade, quando informado que passáramos de 5.000 mortos, respondeu apenas: "E daí? Lamento, quer que eu faça o quê?".
Ele realmente acredita em fazer "isolamento vertical" e aplicar hidroxicloroquina universalmente? Tinha a faca e o queijo na mão para brigar por essas soluções, mas preferiu se ausentar e reclamar. Para completar, criou novas crises por conta própria, como a que culminou na saída de Sergio Moro.
Isso não é problema de ser esquerda ou direita: é de falta de capacidade política. Embora tenha longa carreira, Bolsonaro sempre foi um político inábil e inexpressivo, característica que carrega na Presidência.
Isso o torna um líder fraco, incapaz de criar consensos e capitanear o barco.
Em cima desse vazio, novas lideranças crescem e batem cabeça com ele. Para cada fracasso ou pedra no caminho, há um culpado: o Congresso, o STF, a imprensa, o ministro traidor, as pessoas que torceram contra. Uma hora as desculpas não enganam mais.
O contraste entre os dois ministros da Saúde na pandemia é ilustrativo. Mandetta, além de médico, é político. Quando a epidemia bateu em sua porta, não fez nada excepcional: desenhou um plano de combate (o isolamento social), alinhou-se com outros ministros e governadores e se comunicou com firmeza e tranquilidade com a população.
Teich é médico também, e suas diretrizes não diferem de Mandetta: manter o isolamento social. Mas não é político. Na hora de comunicar, vemos um ministro inseguro e vacilante. Em videoconferência com senadores, perguntado sobre o pico da doença, respondeu que "não sei e ninguém sabe". Disse ainda que "está literalmente navegando às cegas". Não é o tipo de discurso que inspire confiança! Por isso, desde a saída de Mandetta, o Ministério da Saúde sumiu.
Essa carência de habilidade política é natural num país que aprendeu a demonizá-la; em que "político profissional" é termo de insulto, e em que, portanto, o amadorismo é tido por virtude.
Com alguma justificativa --afinal, práticas inaceitáveis foram normalizadas no cotidiano da política-- e com uma boa dose de exagero, o Brasil deu um voto de confiança à negação da política. Não quis melhorá-la, mas destruí-la. Parte da culpa aí foi da imprensa e dos formadores de opinião. Nos anos loucos da Lava Jato e do impeachment, "a classe política" foi alçada à vilã nacional e aqueles que a combatiam eram santos.
O resultado está aí: um vácuo nocivo ocupa o poder e apresenta como única resposta à sua incapacidade o flerte com o autogolpe e a ditadura.
Já disse antes e repito que retirar Bolsonaro por seus crimes de responsabilidade --como manda a lei-- é o único jeito de recuperar alguma estabilidade no Brasil e nos retirar da rota golpista. Mesmo que isso aconteça, contudo, o desafio maior continuará posto: sermos capazes de escolher bons representantes. Optar pela boa política --aquela que entrega resultados e contempla a todos-- em vez do canto da sereia autoritária, que serve apenas ao ditadorzinho da vez.
*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.
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