- O Estado de S.Paulo
Ao seguir outros países, Brasil poderia superar a imagem de pária na questão ambiental
Se o polêmico plano de obras do atual governo foi chamado de Plano Marshall, fora do Brasil a referência tem sido outra, o New Deal. Dos Estados Unidos à União Europeia, continua se falando no New Deal Verde. Referência ao investimento maciço do governo americano depois da Grande Depressão de 1929, o verde do novo New Deal revela os ambiciosos objetivos de descarbonização da sociedade. A nova geração de programas de infraestrutura é voltada para enfrentar a mudança climática.
Popularizado ao longo de 2019 pela deputada Alexandria Ocasio-Cortez, o plano já foi incorporado pela candidatura de Joe Biden – o opositor democrata contra Trump nas eleições de novembro. Biden chegou a sugerir que já neste ano o Congresso aprovasse o programa, em uma nova rodada de estímulos fiscais contra a crise do coronavírus. Seu plano é gastar quase US$ 2 trilhões em uma década em investimentos.
Na União Europeia, o plano, anunciado em dezembro e mantido após a pandemia, compartilha do objetivo de Biden de zerar as emissões líquidas de carbono até 2050. Sem o “New” da versão americana, o Deal Verde (Pacto Ecológico na tradução oficial) foi introduzido pela Comissão Europeia como “uma nova estratégia de crescimento”.
Ursula von der Leyen, presidente da Comissão, o comparou ao esforço de levar o homem à Lua. A previsão era de despender ¤ 1 trilhão em dez anos, entre recursos públicos e privados. A Comissão já sinalizou que manterá o plano, e 17 ministros da área ambiental na Europa escreveram carta aberta em abril pedindo que o plano de investimentos verde seja parte central da recuperação da crise da covid-19. O novo governo eleito para a Coreia do Sul também promete associar a retomada a um New Deal Verde.
De fato, no ano que passou, chegou-se a falar em um New Deal Verde Global. Um editorial do jornal britânico The Guardian pedia que essa fosse uma nova missão para o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Já a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) defende que a iniciativa poderia acelerar o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.
Evidentemente, a aspiração de redesenhar a infraestrutura é acompanhada de preocupações quanto ao seu financiamento. Foi o New Deal Verde americano que fez crescer, à esquerda do Partido Democrata, o movimento autodenominado Teoria Monetária Moderna (MMT). Ele se diferencia da ala do partido que exige maior tributação dos mais ricos, porque preconiza que o Estado americano pode se financiar simplesmente emitindo moeda.
Aqui, o anúncio do Pró-Brasil – o referido Plano Marshall do governo federal – renovou o debate sobre o teto de gastos. Contudo, caso a opção do País seja por elevar o investimento público, há ainda espaço abaixo do teto, se houver disposição para agendas difíceis como a redução da remuneração de servidores que tiveram jornada reduzida ou a focalização do abono salarial.
Se for para gastar acima do teto de gastos com os projetos, há a interpretação de que é possível fazê-lo, porque a Emenda Constitucional n.º 95 não incluiu o investimento entre as limitações do art. 109 (que inclui a proibição de aumento de salários ou aposentadorias). Uma terceira opção que mantém a essência do teto é a proposta do teto duplo, em que o investimento estaria limitado somente a um teto superior, e liberado de um teto inferior, voltado às despesas correntes.
Permitir o investimento público foi formalmente uma das justificativas da PEC da reforma da Previdência. Caso o debate deixe de ser interditado e decida-se prosseguir com um programa de infraestrutura (diante do diagnóstico de que o rumo anterior não será mais possível e o setor privado não conseguirá sozinho liderar uma recuperação à pandemia em V), que ele se beneficie dos erros de programas anteriores e se molde à geração dos New Deals Verdes. Ele teria, assim, focos claros como energia verde, mobilidade urbana, saneamento e infraestrutura eficiente, mirando o objetivo de reduzir a poluição. Ao seguir o caminho de outros países, poderia superar a imagem de pária na questão ambiental que afugenta o próprio investimento privado do Brasil.
Na semana passada, foi realizada edição online do Diálogo sobre o Clima de Petersberg. A nova diretora do FMI, Kristalina Georgieva, foi enfática ao apontar que a quarentena não pode significar um pause nas medidas contra a mudança climática (“a outra crise existencial que encaramos”). Ela recomendou investimentos contra as duas crises, para que a saída da crise da saúde não seja o prelúdio de uma nova crise, a ambiental: “Devemos fazer tudo em nosso poder para promover uma recuperação verde”.
*Doutor em economia
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