- Valor Econômico
O presidente segue a rota traçada no início da pandemia de provocar o cerco institucional para tentar angariar apoio militar
O presidente Jair Bolsonaro segue a rota traçada no início da pandemia de provocar o cerco institucional para tentar angariar apoio junto às Forças Armadas. Com o Congresso recuado, valeu-se do protagonismo do Supremo Tribunal Federal na contestação a atos do Executivo para buscar uma saída que margeie a Constituição. Segue sem sucesso.
A nota do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, segmenta o posicionamento das Forças Armadas para cada uma das peças em jogo. Ao abrir pela importância da independência e da harmonia entre os Poderes para a governabilidade, o ministro coloca em foco o desagrado provocado entre militares pela suspensão da expulsão de diplomatas venezuelanos por liminar do ministro Luís Roberto Barroso, do STF.
Não que concordem com a decisão do chanceler Ernesto Araújo, mas os militares consideram Venezuela um tema sensível para a defesa nacional e sobre o qual o Supremo teria se excedido com sua ingerência. O vice-presidente Hamilton Mourão verbalizou ontem esse desagrado. O Exército acompanha com preocupação o conflito com o país vizinho. O regime de Nicolás Maduro abateu, no domingo, um barco, supostamente vindo da Colômbia, e matou oito integrantes de sua tripulação.
O veto do ministro Alexandre de Moraes à posse de Alexandre Ramagem, diretor-geral da Agência Brasileira de Informações, como diretor-geral da PF também atiçou militares. A liminar consternou até generais não bolsonaristas e gerou indignação, em grupos de WhatsApp, de militares que não haviam se manifestado de maneira semelhante quando o Supremo impediu a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Casa Civil do governo Dilma Rousseff ou da ex-deputada Cristiane Brasil, filha do presidente do PTB, Roberto Jefferson, para o Ministério do Trabalho, no governo Michel Temer.
A consternação, no entanto, não foi suficiente para o presidente obter o apoio desejado para um conflito com o Supremo insistindo na nomeação de Ramagem. Daí a decisão de buscar Rolando Alexandre de Souza, braço direito do diretor da Abin. Ao assumir, Souza trocou o superintendente da PF no Rio. A decisão, porém, não pode ser considerada parte da operação abafa. Carlos Henrique Oliveira, colocado no Rio por decisão do ex-diretor-geral, Maurício Valeixo, caiu para cima. Tornou-se o número 2 de Souza na corporação.
A nomeação busca conter os danos futuros à investigação sobre o presidente mas não impediu que Moro fosse ouvido, no fim de semana, pela equipe da Polícia Federal designada por Disney Rossetti, nome da preferência do ex-ministro, que respondia interinamente pelo cargo. O ministro Celso de Mello se antecipou à nomeação de Bolsonaro determinando prazo de cinco dias para a PF tomar o depoimento de Moro.
Depois do cravo no Supremo, a nota da Defesa vai na ferradura da imprensa. Defende a liberdade de expressão, leia-se a exaltação bolsonarista, mas classifica de “inaceitável” o ataque a jornalistas. Em entrevista ontem à tarde, Braga Netto foi além: disse que qualquer tipo de agressão tem que ser apurada e é “inadmissível”.
A afirmação do presidente, neste domingo, de que Forças Armadas estão “ao lado do povo” é, por enquanto, mais um movimento defensivo do que de quem tem poder de fogo. O último parágrafo da nota de Fernando Azevedo e Silva, de que as Forças Armadas estarão sempre ao lado “da lei, da ordem, da democracia e da liberdade” sugere que o movimento do presidente não passou de um “balão de ensaio”.
Acontece num momento em que o presidente está acuado pela confluência da queda de popularidade e o avanço do Supremo nos inquéritos que investigam as acusações do ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, o envolvimento de sua família com a rede de divulgação de notícias falsas e grupos de milícia.
O cumprimento com o cotovelo do comandante do Exército, Edson Leal Pujol ao presidente, durante a posse do novo comandante militar do Sul, Gustavo Stumpf, em Porto Alegre na quinta-feira, fartamente explorado pela milícia digital bolsonarista, é interpretado por generais como sinal da preocupação de Pujol com a contaminação de sua tropa pela covid-19. “Ele não é um estrategista como o [Eduardo] Villas Bôas nem tem sua liderança, mas é legalista e incapaz de criar problema”, resume um general que foi seu professor na Escola do Alto Comando do Exército.
Sua substituição, noticiada pela “Folha de S.Paulo”, foi negada ontem com veemência pelo secretário de governo, Luiz Eduardo Ramos. Em entrevista, o ministro repetiu argumentos usados, ao longo do dia, nos grupos de WhatsApp de seus colegas de turma da Academia Militar das Agulhas Negras e que reportam lealdade aos valores de merecimento e antiguidade das Forças Armadas.
É fato de que há cinco generais que o precedem no Exército. Pela ordem, são eles: Claudio Moura (chefe do Departamento de Engenharia do Exército), Augusto Nardi (chefe de Assuntos Estratégicos do Ministério da Defesa), Artur Moura (chefe do Departamento Pessoal do Exército), Décio Shons (comandante do Departamento de Ciência e Tecnologia) e José Luiz Freitas (comandante de Operações Terrestres).
Isso, porém, não impede Ramos de assumir comando do Exército. A obediência ao princípio da antiguidade é uma tradição, não uma norma. Os generais Zenildo Zoroastro, Eduardo Villas Boas, Gleuber Vieira e Carlos Tinoco, para ficar em nomes pós-ditadura, assumiram o comando do Exército a despeito de não serem os mais antigos na Força.
O vazamento de que Pujol possa vir a ser substituído interessa à agenda bolsonarista por excelência de provocar inquietação e sublevação nos quartéis, mas não preocupa os generais do Alto Comando do Exército, especialmente aqueles generais que têm sob suas ordens os comandos regionais. Eles contam muito mais do que os chamados generais de escrivaninha, como alguns dos que precedem Ramos em antiguidade na Força.
É rara a substituição do comando do Exército durante o exercício do mandato. A primeira vez foi quando o general Artur da Costa e Silva deixou o cargo para assumir a Presidência da República em 1967. E a última, dez anos depois, quando o presidente Ernesto Geisel enfrentou o general Silvio Frota, de quem o atual ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, foi ajudante de ordens. Era um ou outro. Ficou Geisel e ganhou a abertura. A repetição do gesto, hoje, seria na mão inversa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário