- Folha de S. Paulo
Firmeza na sustentação de medidas deve nos guiar, e não pressão de militâncias
Existe um tipo de conduta claramente indevido e até criminoso com relação ao coronavírus: o negacionismo científico e a promoção de teorias da conspiração.
Nas últimas semanas, vimos a fake news de que caixões vazios estariam sendo enterrados para gerar pânico nas massas ser difundida até por uma deputada federal bolsonarista.
Que um organizador de protesto bolsonarista contra o STF tenha sido internado na UTI com Covid-19 é uma boa ilustração do caráter suicida da ganância e sede de poder desenfreadas que movem essa corrente.
Superado o negacionismo criminoso, contudo, temos muito mais perguntas do que respostas.
Acompanhamos apreensivos a reabertura de países que fizeram sua lição de casa. Mas será que seus números piorarão conforme voltem às atividades? Quais os efeitos marginais de um “lockdown” estrito sobre o contágio e a economia? Ninguém sabe ao certo.
A Suécia, que não implementou medidas duras de “lockdown” tem muito mais mortes per capita do que seus vizinhos escandinavos, e sua economia —segundo matéria no Financial Times (“Sweden unlikely to feel economic benefit of no-lockdown approach”, de 9 de maio)— não deve ter desempenho melhor do que a deles.
Estados americanos e brasileiros que começam a reabrir suas economias também se deparam com demanda de consumidores ainda muito baixa; ou seja, a pandemia, e não seu combate, é a principal responsável pelos danos econômicos.
O Rio Grande do Sul desde segunda (11) iniciou um plano de “distanciamento controlado” para tentar reabrir aos poucos o comércio sem colocar em risco a saúde pública.
O país inteiro observa com interesse a abordagem. No Maranhão, parecemos ver a disposição firme de se impor o “lockdown” para evitar o colapso.
Neste momento, em que simplesmente não dá para saber qual solução será melhor no balanço final, uma liderança segura —desde que dentro dos parâmetros da ciência— vale mais do que o vaivém incerto de evidências que surgem para todos os sabores.
E essa segurança está faltando aqui em São Paulo capital. Na semana passada, a prefeitura meteu os pés pelas mãos com um fracassado bloqueio de avenidas.
Gerou incômodo, trânsito e dor de cabeça aparentemente sem nenhuma benefício para o isolamento social. Com os protestos da população, voltou atrás em apenas dois dias, comprovando que nem a prefeitura estava segura do que implementava.
Agora iniciamos o rodízio de carros em dias pares e ímpares. Confesso que não me parece a melhor das ideias. Sim, o tráfego de veículos reduziu consideravelmente.
Ao mesmo tempo, muitas das pessoas que não usarão seus carros para ir trabalhar simplesmente usarão o transporte público.
Na manhã de segunda, registrou-se um aumento de 300 mil usuários nos ônibus municipais. No metrô e CPTM, o aumento foi de 11% e 15% dos usuários. E pessoas num mesmo vagão de trem têm um potencial muito maior de disseminar o vírus do que motoristas cada um dentro de seu carro.
Seja como for, todos temos que estar abertos à persuasão conforme novos números apareçam. Há muito espaço para discordância entre pessoas de boa-fé. Esse debate não deve ser interditado.
Das lideranças, contudo, precisamos ver firmeza na sustentação de medidas e a transparência na hora de embasá-las, traçando metas para avaliar resultados. É isso, e não a pressão de militâncias assassinas, que deve nos guiar neste momento difícil.
*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.
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