- Valor Econômico
Pandemia deve mudar economia, política e comportamentos
Antes, infelizmente muito antes do fim da mais grave crise sanitária global em cem anos, já é possível vislumbrar algumas prováveis mudanças que essa tragédia vai provocar na economia, na política e no comportamento.
Países, pelo menos os mais poderosos, não serão mais tão descuidados com sua segurança. Sempre pensaram que a posse de armas nucleares seria suficiente para desencorajar invasores que ameaçassem a vida dos cidadãos nacionais. Desde o fim da Segunda Guerra e até hoje, EUA, Rússia (ex-União Soviética) e outras potências estão sentados em seus arsenais nucleares e empenhados em impedir que países menos avançados obtenham armas atômicas.
Mas não foi preciso explodir bombas para matar até agora 285 mil pessoas no mundo, sendo 80 mil nos EUA, 32 mil no Reino Unido, 31 mil na Itália, 27 na França, 27 mil na Espanha, 11,5 mil no Brasil, 5 mil na China.
Um vírus microscópico fez o serviço. E o fez, na maioria dos casos, porque as grandes potências, que têm total controle da produção de bombas atômicas, não o têm na fabricação de um banal aparelho respirador. Pelo simples fato de que algumas peças dessa bombinha (de ar) que pode ser montada no fundo de quintal só são feitas na China. E isso porque na atual estrutura de cadeias globais de fornecimento os chineses detêm as linhas de produção mais eficientes e mais baratas para essas peças.
A segurança nacional não vai mais significar apenas armas, mas domínio de vários setores industriais estratégicos. Quais? Cada país terá de decidir. Como já vimos, até fábricas de prosaicas máscaras de algodão podem ser estratégicas. Ou de álcool em gel.
Comportamento criminoso
Bem clara vai se tornando a necessidade de melhor escolher governantes. O comportamento de alguns durante a crise foi criminoso. No Brasil, deputados já foram eleitos simplesmente para debochar da democracia. Até um rinoceronte foi muito bem votado para vereador no passado. O atual presidente da República foi escolhido para excluir o PT do governo, e não pelas suas qualidades. Olhando para a campanha de 2018, podemos ver pelo menos cinco ou seis candidatos que estariam lidando com esta crise com mais seriedade que o atual presidente. Que falta nos faz um estadista no Planalto.
Golpe global
Com toda certeza, os radicais liberais sofreram um golpe global. Vinham há décadas impondo sua austeridade como remédio para todos os males da economia. E agora são obrigados a adotar medidas propostas por economistas que alguns ortodoxos mais grosseiros chamavam depreciativamente de “keynesianos de quermesse”. O fato é que a crise já está exigindo enormes gastos públicos pelo mundo. O trilhão entrou no vocabulário do dia a dia e a temporada ideológica do corte de gastos, que os liberais gostam de fazer, acabou.
Viagens reduzidas
Depois da atual crise, como já ocorre agora, as viagens deverão ser muito reduzidas, principalmente as de negócios. Empresas brasileiras tinham, por exemplo, o hábito de promover reuniões semanais de executivos em suas sedes em São Paulo ou no Rio. Agora, descobriram a eficiência dos encontros virtuais e abriram os olhos para os custos dos presenciais. Nas viagens de turismo, a previsão é de que devem predominar os destinos com baixa concentração de pessoas.
Fim do transporte de gado
E tudo indica que o transporte público também terá de sofrer mudanças essenciais. Pessoas não poderão mais ser transportadas como gado em ônibus e trens urbanos ou mesmo em aviões em voos internacionais - são deprimentes as condições dos passageiros da classe econômica das grandes aeronaves. Perdão, ambientalistas, mas poderá haver uma contratendência em favor do transporte individual nas grandes cidades, porque as pessoas vão querer, por instinto, buscar distanciamento. Abre-se, então, uma grande oportunidade para a mobilidade individual do século XXI, talvez minicarros elétricos ou aéreos.
Sistema de saúde
Foram e ainda serão muito castigados os países que não têm um sistema universal de saúde. No Brasil, com todas as precariedades, o SUS está mostrando sua importância no enfrentamento da pandemia. Sem ele, o caos já estaria instalado no país inteiro há muitas semanas. Esse vai ser um debate constante no pós-crise. A saúde é um negócio como qualquer outro? Ou o Estado terá de prover cuidados para todos os cidadãos?
Produtores de alimentos
Grande oportunidade têm e terão também os países produtores de alimentos e, felizmente, o Brasil é um deles, um dos maiores. O setor não tem sido afetado durante a crise e a previsão é de que não o será depois dela, porque os humanos continuarão famintos.
Fim da gambiarra digital
Há uma clara percepção de que a era virtual chegou de vez. As empresas não mais terão escritórios tão grandes e caros, porque comprovaram que empregados podem trabalhar em casa e com mais produtividade em muitos casos. O comércio on-line não será mais uma opção secundária de vendas. As grandes varejistas, infelizmente, serão forçadas a demitir vendedores tradicionais. Escolas que se prezam, em todos os níveis, criarão cursos on-line. Como alguém escreveu na rede social, acabou a fase da “gambiarra digital”. As empresas de todas as áreas terão de decidir se entram nesse mundo ou se ficam para trás. Esse processo, já em curso, foi acelerado inclusive na medicina. Um cirurgião chinês já pode operar um paciente em São Paulo e no futuro talvez faça isso pela metade do preço cobrado pelo médico brasileiro.
Mudanças e tragédias
Isso tudo que foi escrito nos parágrafos acima, de A a H, pode ser futurologia barata, mera conjectura, algo que se pode inferir com base em presunções, pressentimentos ou evidências duvidosas. Pode ser que, passada a atual hecatombe, os humanos se esqueçam dela rapidamente. Então, as mudanças voltarão a ser lentas, como sempre foram, determinadas pelos custos e controladas pelos ideólogos da austeridade. Até que sobrevenha uma nova tragédia.
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