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Não será com o cartão corporativo da presidência da República
A maior demonstração de pesar do presidente Jair Bolsonaro pela morte até aqui de mais de 10 mil brasileiros vítimas do coronavírus limitou-se a duas frases ditadas, ontem, por ele à entrada do Palácio da Alvorada: “Lamento cada morte que ocorre a cada hora. Lamento”.
Em seguida, explicou o que lhe caberia fazer a respeito: “Agora, o que podemos fazer, nós todos, é tratar com o devido zelo os recursos públicos. Está tendo denúncia em todo lugar. Gente presa. Em vez de fazer notinha de pesar, tem que dar exemplo. Gastar menos”.
Engana-se quem pensa que ele se referia à denúncia de que gastou só este ano com cartão de crédito corporativo R$ 3,76 milhões, segundo o Portal da Transparência. O valor representa um aumento de 98% em relação à média dos últimos cinco anos no mesmo período.
Também não se referia à fraude descoberta pelo Ministério da Defesa: militares de todas as patentes, da reserva e da ativa, se cadastraram no aplicativo da Caixa Econômica para receber o auxílio emergencial de R$ 600. A lei que criou o benefício não lhes deu tal direito.
Bolsonaro referia-se a denúncias de superfaturamento na compra por Estados e municípios de equipamentos médicos para enfrentar a pandemia. Há que se apurar se houve superfaturamento ou se o preço pago se deveu à procura bem maior do que a oferta.
Se tivesse mais preocupado com vidas perdidas do que com economia, Bolsonaro não teria assinado mais um ato de sabotagem às medidas de isolamento adotadas por governadores e prefeitos. Mas foi o que ele fez ontem, de resto como prometera fazer há um mês.
Baixou outro decreto, desta vez para incluir academias de ginástica e barbearias entre as chamadas “atividades essenciais”, não obrigadas a permanecerem fechadas. Com isso, ele incentiva a reabertura de negócios que podem provocar a circulação de muita gente.
Bolsonaro quer mais é que as pessoas se exponham. No último sábado, ele só suspendeu o churrasco que ofereceria a amigos e parentes no Palácio da Alvorada quando soube que o Congresso e o Supremo Tribunal Federal haviam decretado luto pela morte de tantas pessoas.
Agora, são 11.519 mortos. E o número de casos confirmados de coronavírus no país está próximo de 170 mil. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que valem para Estados e municípios as medidas de confinamento impostas por seus governantes, não pelo presidente da República.
Pouco importa. Bolsonaro continuará a assinar decretos sem validade. Estimular a desobediência civil é o seu propósito, mas não só. Mesmo com decretos inválidos, ele agrada parcela de sua base de eleitores de olho na reeleição em 2022. É candidato antes de ser presidente.
Em tempo: tão logo foram informados sobre o decreto assinado por Bolsonaro, os governadores do Pará, Maranhão, Ceará e Bahia se apressaram a dizer que academias e barbearias permanecerão fechadas em seus Estados. Outros, hoje, deverão dizer o mesmo.
Bolsonaro, queira ou não, pagará grande parte da fatura pelo mal do século que poderia ter combatido. Fugiu à luta. E não será com cartão de crédito corporativo da presidência da República que saldará o débito. Será com a hemorragia de votos que o desidratará.
Ramagem ataca Moro e nega maior aproximação com os Bolsonaro
Saiu da Polícia Federal como chefe da ABIN. Espera voltar como diretor
A respeito do delegado Alexandre Ramagem, chefe da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), seus desafetos poderão dizer o que quiser – menos que ele não tenha cara de pau. Tem, sim, e o demonstrou durante mais de quatro horas de depoimento à Polícia Federal.
Ramagem ousou negar maior proximidade com o clã dos Bolsonaro, logo ele que que já foi hóspede do presidente da República em sua casa no Condomínio Vivendas da Barra, no Rio. Logo ele que compareceu ao casamento do deputado Eduardo, o Zero Três.
O delegado cuidou da segurança de Bolsonaro depois da facada em Juiz de Fora. Foi graças a isso que os garotos Bolsonaro se encantaram com ele e convenceram o pai a nomeá-lo para a ABIN, e mais recentemente, para a direção-geral da Polícia Federal.
Ouvido no inquérito que investiga a denúncia de Sérgio Moro de que Bolsonaro tentou intervir politicamente na Polícia Federal, Ramagem defendeu o presidente e atacou o ex-ministro. Definiu Moro como “intransigente” e insubordinado por ter sido contra a sua nomeação.
Aproveitou para elogiar Bolsonaro. Agradeceu a confiança do presidente em seu trabalho. No limite, reconheceu que “goza da consideração, respeito e apreço” da família presidencial. Saiu da Polícia Federal como chefe da ABIN. Espera voltar como diretor.
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