- O Estado de S.Paulo
Mudança na OMC é resultado do enfraquecimento da ordem comercial internacional
A renúncia do diplomata brasileiro Roberto Azevêdo ao cargo de diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) um ano antes de encerrar seu mandato é resultado do espetacular enfraquecimento da ordem comercial internacional baseada em regras.
A OMC foi criada em 1995 sob a liderança dos Estados Unidos e da Europa. Na época, eles eram os mais competitivos do mundo e portanto os mais beneficiados por regras que impedem a imposição arbitrária de tarifas e o exercício de subsídios que solapam a concorrência.
Se americanos e europeus eram os beneficiários imediatos, no longo prazo o incentivo à concorrência abriria caminho para novos players. Afinal, o livre-comércio leva as empresas a se desdobrar para melhorar seus produtos e reduzir seus custos, sob pena de desaparecer.
Inversamente, a proteção, na forma de tarifas altas e outros benefícios, cria um ecossistema de ineficiência e acomodação. O Brasil, um dos países mais fechados do mundo, é o melhor exemplo disso. Quando viajam para países que têm acordos de livre-comércio com o restante do mundo, os brasileiros compram tudo o que podem.
Nesse processo, surgiram concorrentes como Japão, China, Taiwan, Coreia do Sul, Índia e México, na indústria; Brasil e Austrália, no agronegócio. Por isso, as regras de livre-comércio se tornaram nocivas para camadas da população nos EUA e na Europa, que perderam seus empregos para mexicanos, chineses, etc.
A China se tornou a principal vilã no comércio internacional. Manipulava a moeda, subsidiava a indústria, praticava dumping, inundando o mercado com produtos abaixo do custo de produção, desrespeitava patentes, violava direitos trabalhistas e normas ambientais. Em 2002, a China entrou na OMC, com apoio dos EUA, que pretendiam com isso enquadrar o parceiro/concorrente.
Foi o que aconteceu. Na medida em que aperfeiçoou sua tecnologia, ela passou a usufruir das regras e do sistema. Já no governo de Barack Obama, os EUA começaram a barrar a nomeação de juízes para o Órgão de Apelação (OA) da OMC, o mais importante da entidade.
A eleição de Donald Trump foi parte desse processo. Ele apresentou o discurso mais contundente para os americanos que se sentiam – ou que passaram a se sentir, por influência de Trump – prejudicados pela globalização. Trump passou a ameaçar e a impor tarifas contra a China e outros países. O aço e o alumínio brasileiros estiveram na mira. Os EUA se tornaram grandes violadores das regras do comércio.
Em dezembro, com a falta de nomeações, o Órgão de Apelação ficou reduzido, de sete, para um juiz. Isso o tornou inoperante, já que ele só pode tomar decisões na presença de três juízes. Dois dias antes de Azevêdo anunciar sua saída, dois deputados democratas apresentaram proposta de retirada dos EUA da OMC. Antes disso, um senador republicano havia feito a mesma coisa, sugerindo que essa é uma posição acima de diferenças partidárias.
No último lance da disputa entre EUA e China, Trump determinou, na sexta-feira, que exportações de componentes para a Huawei, a gigante chinesa do 5G, precisarão de autorização. Ele acusa a China de tentar roubar as pesquisas de vacina dos EUA.
Trump ameaça até mesmo não honrar títulos da dívida americana em mãos da China, em retaliação contra a suposta origem do coronavírus em um laboratório de Wuhan. As evidências indicam que ele veio da natureza.
As pesquisas do Partido Republicano mostram que o eleitorado gosta quando Trump ataca a China. Por isso sua campanha tem dito que o candidato democrata Joe Biden ficou do lado da China e não do povo americano.
Kellie Meiman Hock, estrategista democrata para comércio exterior, me garantiu que as duas campanhas se diferenciarão nitidamente nesse tema. Seria uma prova de duas coisas: coragem e lucidez. O protecionismo fará mais mal do que bem aos EUA. Pergunte ao Brasil.
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