- Folha de S. Paulo
Presidente não quer uma equipe de auxiliares, quer uma casa dos espelhos
O país contava quase 3.000 mortes pelo novo coronavírus quando Jair Bolsonaro reuniu seus ministros no dia 22 de abril. O governo continuava sem rumo na pandemia, mas o time preferiu reproduzir teorias da conspiração, sugerir a prisão de ministros do Supremo e discutir a exploração de órgãos de inteligência para atender às vontades particulares do presidente.
O vídeo daquele encontro já virou peça do inquérito sobre a interferência escancarada do presidente na Polícia Federal, mas deve se tornar também um registro histórico da delinquência do governo na crise da saúde e em outros temas.
Bolsonaro lidera uma equipe absolutamente submissa a seus desejos pessoais, picuinhas políticas e fixações ideológicas. Mesmo diante da escalada descontrolada de mortes, os auxiliares só repetem a ladainha do presidente e alimentam as obsessões alucinadas do chefe.
O pedido de demissão de Nelson Teich é um dos produtos dessa relação. O oncologista só conseguiu o cargo porque se curvou e prometeu um “alinhamento perfeito” com Bolsonaro. Nem ele, contudo, foi capaz de respaldar cegamente o fim do isolamento e a propaganda da cloroquina, como encomendara o patrão.
A reunião ministerial de abril mostrou que só prosperam no governo os subordinados dispostos a amplificar as barbaridades e endossar os instintos autoritários de Bolsonaro.
Acuado e enfraquecido, o presidente se esforça para reafirmar seu poder e exigir que os ministros entrem na linha. “Vou interferir, ponto final”, disse, após reclamar da PF e de outros órgãos. “Votaram em mim para eu decidir, e essa questão da cloroquina passa por mim. Não pode mudar o protocolo agora? Pode mudar e vai mudar”, ameaçou, na véspera da demissão de Teich.
O presidente não quer um ministério, quer uma casa dos espelhos. Na saúde, a tendência é que a gestão se torne ainda mais direcionada a se adequar a seus caprichos. Não faz diferença trocar o responsável pela área. Bolsonaro continua lá.
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