- Folha de S. Paulo
Descoordenação e oportunismo empurram o país para o desastre
O país está cansado e doído. Alguns perderam parentes em razão da pandemia. Outros têm alguém próximo contaminado pelo vírus, sendo alguns casos graves e preocupantes.
Todos sabemos de pessoas que sofrem com a falta de renda e de emprego ou que estejam assistindo à destruição do trabalho de uma vida. Está difícil manter a serenidade nestes tempos tão difíceis.
Os governos, federal e locais, tornam-se os maiores advogados involuntários em favor de uma reforma urgente do Estado brasileiro. A sua incompetência em administrar a crise não para de surpreender.
Não sabemos quais os protocolos a serem adotados. Não sabemos que conselhos seguir. A sociedade assiste atônita à ineficiência do poder público, disfuncional e oportunista.
Servidores, com salário garantido e estabilidade no emprego, pedem para não pagar suas dívidas. Esquecem-se de comentar que a crise afeta o país, mas não o seu contracheque.
Tribunais de Justiça concedem novos auxílios para aumentar a remuneração dos juízes. Alguns estados aprovam licença-prêmio indenizável para magistrados, com efeito retroativo para mais de uma década.
O auxílio aos governos locais deveria ter tido como contrapartida a aprovação de reformas da previdência dos servidores para reduzir o descontrole do gasto com pessoal, que inviabiliza as contas públicas.
Alguns acharam que a crise seria curta e que a política pública deveria apenas garantir a travessia. Estavam errados.
Trata-se de desastre. Muitos negócios irão desaparecer; empregos serão perdidos. O Estado deveria cuidar das pessoas, porém se perde ao atender os oportunistas usuais. Medidas de saúde e da economia são tomadas de forma atabalhoada.
Para piorar, parte do Legislativo e do Judiciário sucumbe ao populismo à custa de quem trabalha. Pagamentos são interrompidos por liminares arbitrárias, prejudicando empresas ainda em atividade.
As medidas para o mercado de crédito em discussão no Senado conseguem ser tecnicamente ainda mais desastrosas do que a intervenção no setor elétrico realizada pelo governo Dilma.
Quem mesmo vai investir no Brasil após tanto desatino? Há crescente resistência em emprestar para um país com políticas públicas frequentemente tão incompetentes e erráticas.
Enquanto isso, tenta-se saber a quantidade de disparates gravados em reunião ministerial. Não há dúvida de que as polêmicas do Executivo apenas revelam seu despreparo, mas a imprensa poderia colaborar esclarecendo também os difíceis dilemas que estamos enfrentando e as implicações do que estamos fazendo.
Muitos irão sucumbir em meio à trágica constatação de que haverá mais mortos do que caixões.
*Marcos Lisboa, Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.
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