• Vada a bordo! – Editorial | O Estado de S. Paulo
Naquilo que já podemos chamar de “doutrina Bolsonaro”, o presidente da República não é responsável por nada
Naquilo que já podemos chamar de “doutrina Bolsonaro”, o presidente da República não é responsável por nada.
O Brasil passou dos 14 mil mortos pela pandemia de covid-19, mas o presidente Jair Bolsonaro considera que não tem nada a ver com isso. Sempre que questionado, transfere a responsabilidade para os governadores e prefeitos. “Não sou coveiro”, chegou a dizer. “Não adianta a imprensa querer colocar na minha conta essas questões que não cabem a mim”, afirmou, como se presidisse outro país. E, quando o número de mortos no Brasil superou os da China, arrematou: “E daí, quer que eu faça o quê?”.
O Brasil já atravessa uma crise econômica sem precedentes, em que grande parte dos trabalhadores do setor privado sofreu redução salarial e milhões simplesmente perderam ou perderão seus empregos, mas o presidente parece muito mais interessado em seus projetos para aliviar os pontos na carteira de motoristas imprudentes, para favorecer a compra de armamentos pela população e para acabar com a “ideologia de gênero” nas escolas.
Bolsonaro quer ser visto como um líder determinado a reavivar a economia, mas é incapaz de indicar um rumo para sua equipe econômica, cujo chefe, o outrora poderoso ministro Paulo Guedes, é desautorizado pelo presidente toda vez que seus interesses eleitoreiros são afetados. E, sempre que pode, Bolsonaro dá uma forcinha para as corporações de funcionários públicos, a quem serviu diligentemente em suas três décadas como deputado medíocre, enquanto os milhões de brasileiros que mergulharam na pobreza em razão da crise devem se espremer em filas intermináveis, correndo o risco de se contaminarem com o coronavírus, para obter uns caraminguás que lhes permitam pelo menos comer.
O presidente reclama que a imprensa o maltrata sistematicamente, deixando de falar das “coisas positivas” que seu governo faz, como cobrou o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos – que não esclareceu que “coisas positivas” seriam essas. Ou seja, a responsabilidade pela sensação generalizada de desgoverno é da imprensa, e não da escandalosa inépcia presidencial.
Bolsonaro reclama, ademais, que seu poder é tolhido pelo Judiciário, desafiado pelos governadores de Estado, menosprezado pelo Congresso e ignorado até mesmo pelos seus próprios ministros, mas, quando tem a oportunidade de dizer o que pretende fazer com esse poder que tão enfaticamente reivindica, Bolsonaro deixa claro que seus únicos objetivos são proteger a família, enrolada na Justiça, e evitar que o desastre social e econômico causado pela pandemia de covid-19 abrevie seu mandato.
A “doutrina Bolsonaro” é aquela em que o líder se ausenta sempre que chamado a tomar decisões críticas, não sobre os assuntos frívolos e delirantes que interessam somente à minoria radical dos celerados camisas pardas que o tratam como líder messiânico e infalível, e sim sobre temas que afetam profundamente a vida de todos os brasileiros, da atual e das futuras gerações. E se ausenta porque, como sabem cada vez mais eleitores, é completamente despreparado para ser presidente da República – algo que já era claro antes mesmo que o primeiro vírus da covid-19 atravessasse a fronteira nacional.
Bolsonaro lembra Francesco Schettino, capitão do navio de cruzeiro Costa Concordia, que naufragou na costa italiana em 2012, acidente que deixou 32 mortos. A embarcação bateu numa rocha graças a uma manobra desastrada de Schettino, que, para completar, abandonou o navio antes dos demais passageiros. Ficou célebre o diálogo entre Schettino e o chefe da Capitania dos Portos, que mandou o capitão voltar para o navio: “Vada a bordo!”, ordenou o chefe, acrescentando um italianíssimo palavrão.
Ao primeiro sacolejo do navio que foi eleito para capitanear, Bolsonaro, como Schettino, desceu à praia e de lá assiste ao naufrágio. Consta que, na já famosa reunião ministerial de 22 de abril, Bolsonaro teria dito que “a barca está afundando” e que era preciso ajuda dos seus ministros para “salvar o governo”. Se é assim, “vada a bordo”, presidente.
• Manobra para a impunidade – Editorial | O Estado de S. Paulo
Os agentes públicos devem responder pelos seus atos, especialmente na pandemia
O sistema de responsabilização civil e administrativa dos agentes públicos tem graves distorções. Além de expor o cidadão que assume um cargo público a riscos irrazoáveis – afastando gente honesta e competente da vida pública –, com frequência ele bloqueia arbitrariamente a ação efetiva do Estado, a pretexto de controlar a estrita legalidade dos atos do poder público. Tal disfuncionalidade do sistema tem sido ocasião de excessos também na pandemia do novo coronavírus, em patente inversão de funções. Quando deveriam estimular os agentes do Estado a atuar diligentemente, órgãos de controle empregam sua força intimidatória favorecendo a inação.
Todas essas falhas do sistema de controle civil e administrativo dos agentes públicos não justificam, no entanto, a Medida Provisória (MP) 966/20, editada pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 13 de maio de 2020, dispondo sobre a responsabilização dos agentes por ação e omissão em atos relacionados à pandemia do novo coronavírus. Sob o pretexto de proteger o agente público nas atuais circunstâncias excepcionais, ela não apenas abre a porta para a impunidade, como reforça o caráter impreciso e subjetivo do controle.
A MP 966/20 condiciona a responsabilização do agente público nas esferas civil e administrativa a uma ação ou omissão “com dolo ou erro grosseiro” nas medidas relativas à pandemia. A menção a erro grosseiro, conceito impreciso, traz fragilidade para o controle efetivo da legalidade dos atos dos agentes públicos.
A medida provisória ainda agrava o problema ao tentar definir o que seria erro grosseiro, invocando uma série de elementos jurídicos, mas sem efetivamente enquadrá-lo em moldura precisa. Considera-se “o erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia”, diz o texto. A imprecisão sobre o erro grosseiro produz um efeito bem preciso: a impunidade.
A ratificar que o objetivo da MP 966/20 é dificultar a avaliação objetiva da conduta do agente público, o artigo 3.º dispõe que, “na aferição da ocorrência do erro grosseiro serão considerados: (i) os obstáculos e as dificuldades reais do agente público; (ii) a complexidade da matéria e das atribuições exercidas pelo agente público; (iii) a circunstância de incompletude de informações na situação de urgência ou emergência; (iv) as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação ou a omissão do agente público; e (v) o contexto de incerteza acerca das medidas mais adequadas para enfrentamento da pandemia da covid-19 e das suas consequências, inclusive as econômicas”. O texto é tão amplo que qualquer conduta, por mais ímproba e ilegal que seja, poderá receber a proteção da irresponsabilidade.
Obviamente, não está certo o que alguns membros do Ministério Público têm feito, intimidando gestores públicos, em completo alheamento das atuais circunstâncias. Uma coisa é um contrato fraudado, que, por força de um esquema ilegal, não proporciona a contraprestação devida. Outra coisa é o cenário atual, com altíssima demanda no mundo inteiro por equipamentos e produtos médicos, em condições absolutamente desafiadoras de preço, logística e prazo. Os órgãos de controle não podem ignorar a realidade.
A aplicação da lei deve se dar sempre nas circunstâncias reais, e não sobre o que dita a cabeça de alguém – o que seria arbítrio. A MP 966/20 não representa, no entanto, nenhuma aproximação do Direito com a realidade concreta. Seu objetivo é antes afastar o Direito dos atos concretos dos agentes públicos, e isso tem o nome de impunidade.
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo contra a MP 966/20. Segundo nota da entidade, a medida provisória é “uma tentativa de conseguir um ‘excludente de ilicitude’ para manter um comportamento irresponsável e nocivo à coletividade, concedendo-se uma autoanistia”. Os agentes públicos, especialmente o presidente da República, devem responder pelos seus atos, também e muito especialmente na pandemia.
• Agro forte em tempos de crise – Editorial | O Estado de S. Paulo
Exportações também crescem, apesar de grosserias contra países importadores
Boa comida, bilhões de dólares e notícias positivas continuam brotando no campo, apesar da pandemia, da recessão, dos tropeços do governo e do horror do presidente à tarefa de governar. O Brasil deve produzir 250,9 milhões de toneladas de grãos nesta temporada, 3,6% mais que o total colhido na safra 2018/19, segundo a nova estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), vinculada ao Ministério da Agricultura. As safras de arroz, feijão, milho, soja, trigo, amendoim, algodão e outros produtos de menor volume devem superar as do ano passado, de acordo com o levantamento e com as projeções divulgadas recentemente.
Produção e estoques devem garantir um abastecimento sem problemas. Ao mesmo tempo, os principais produtos exportáveis, incluídos soja e milho, devem continuar proporcionando dezenas de bilhões de dólares de superávit comercial – condição indispensável à segurança externa da economia brasileira.
Sempre bem-vindos, os números animadores da agricultura têm especial importância nesta fase muito ruim para a maior parte da economia brasileira. Dados oficiais já haviam mostrado grandes perdas na indústria, no varejo e nos serviços em março, quando o País sofria os primeiros impactos da crise associada ao surto do novo coronavírus. Os informes de abril devem apontar uma grande piora nesses três conjuntos de atividades, com efeitos dramáticos no emprego e na renda de milhões de famílias. Mais uma vez, como tem ocorrido com frequência há alguns anos, o agronegócio deve garantir alguma luz num cenário com muitas sombras.
A safra de verão, colhida quase integralmente, foi prejudicada por problemas do tempo em algumas áreas, com perda de produtividade nas lavouras de soja e milho, mas, apesar disso, a produção de soja, estimada em 120,3 milhões de toneladas, deve ser 4,6% maior que a da temporada anterior. A de feijão, de 1,08 milhão de toneladas, superou por 8,9% a de um ano antes. Algumas culturas, como feijão e milho, têm duas ou mesmo três safras em cada ano agrícola. As da segunda safra já estão com o plantio adiantado.
As exportações continuam gerando uma boa receita, apesar do quadro geralmente ruim do comércio internacional. De janeiro a abril as vendas externas do agronegócio, registradas pelos critérios do Ministério da Economia, foram 17,5% maiores que as de um ano antes, pela média diária, e representaram 22,9% das exportações totais do Brasil, estimadas em US$ 67,83 bilhões no balanço preliminar. Um ano antes essa participação havia sido de 18,7%.
O avanço do agro tem sido especialmente importante porque compensa em parte o recuo de outros setores. O valor total das exportações brasileiras foi 3,7% menor que o de janeiro-abril de 2019. O superávit geral de US$ 12,26 bilhões acumulado em quatro meses foi 16,4% inferior ao de um ano antes, mas continuou sustentado pelo agronegócio.
A abertura de mercados contribuiu para o aumento das vendas. A diplomacia comercial do Ministério da Agricultura continua facilitando a preservação de mercados e a ampliação das oportunidades. A presença brasileira aumentou na China, o maior mercado importador. O total vendido cresceu 11,3%. Os principais destaques foram as exportações de soja (+28,5%), de carne bovina (+85,9%), de carne suína (+153,5%) e de algodão em bruto (+79%).
A expansão das vendas para o mercado chinês ocorreu apesar de duas circunstâncias desfavoráveis, a epidemia de coronavírus e as grosserias cometidas contra a China pelo deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente da República, e pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub. O ministro de Relações Exteriores e o presidente Jair Bolsonaro também têm atrapalhado o relacionamento com grandes mercados, como a China e países muçulmanos. Além disso, erros graves do governo – na política ambiental, por exemplo – têm favorecido grupos interessados em criar ou ampliar medidas protecionistas na Europa. A agricultura brasileira estaria mais segura se tivesse de enfrentar apenas secas, inundações, pragas e crises globais.
• Reconstrução do país precisa estar baseada na Ciência – Editorial | O Globo
Análise do Ipea mostra que entre 2015 e 2019 o setor perdeu 40% do valor real dos recursos federais
É possível que o novo coronavírus faça parte da vida em sociedade por muito tempo além dos inicialmente imaginados dois anos para desenvolvimento, produção e distribuição de vacina ou tratamento.
Quando superada a surpresa pandêmica, no entanto, será necessário elevar ao topo da agenda política uma ampla reestruturação da saúde pública. Requer prioridade absoluta, porque se trata do mais grave problema de defesa e fere o caráter essencial do Estado moderno — a garantia da vida e da saúde dos cidadãos.
São muitas as fragilidades brasileiras em condições sanitárias, biossegurança, vigilância epidemiológica e assistência médico-hospitalar. Negligências históricas estão aí expostas na tragédia social e no desastre econômico em curso.
Paradoxalmente, o país dispõe de uma base legislativa, científica, tecnológica e empresarial razoável para iniciativas coordenadas na área. Possui, também, um Sistema Único de Saúde (SUS) cuja eficácia está sendo testada, com êxito, nessa pandemia. E há uma comunidade de pesquisadores em unidades de excelência, como a Fiocruz, cujo trabalho consolidou o Brasil como potência científica, como qualifica a revista britânica “The Lancet”, líder no setor há 197 anos.
O desafio é político. Trata-se de rever prioridades educacionais, sanitárias e de desenvolvimento das ciências, das básicas à epidemiologia, com reestruturação do complexo de laboratórios e da base médico-hospitalar do SUS.
É preciso estimular a integração em bases competitivas de toda a cadeia, da pesquisa à produção tecnológica da saúde. Além disso, é fundamental empreender a universalização da rede de saneamento.
Não falta dinheiro, falta governo. Análise do Ipea revela como as ciências foram relegadas à irrelevância na última década e meia. Em 2002 a área absorvia 0,79% do Orçamento da União. A partir de 2004, houve uma desidratação contínua. Entre 2015 e 2019, o setor perdeu 40% do valor real dos recursos federais.
No ano passado, o governo julgou mais importante liberar gastos na burocracia da Advocacia-Geral da União (61% de execução orçamentária) do que investir em ciência e tecnologia (46%).
Há meio século o país se mantém num crescimento econômico pífio, com expansão do PIB à média inferior a 2,5% ao ano. Ainda assim, é capaz de sustentar investimentos militares meritórios, como o programa de submarinos nucleares.
Agora, o cenário mudou radicalmente, com vulnerabilidades na soberania expostas e realçadas pelo histórico desmazelo na educação, na saúde, na ciência e na tecnologia.
A crise deflagrada pela pandemia é didática. Ultrapassada a emergência, a reconstrução precisa estar focada na Ciência, principal arma de defesa e de progresso.
• Covid-19 aumenta popularidade de político que combate epidemia – Editorial | O Globo
Qualidade da administração pública se fortalece como um valor prioritário para os eleitores
Inexorável que a pandemia da Covid-19 atingisse os políticos, responsáveis pela administração pública, diretamente pressionada por um vírus de efeitos avassaladores. Expostos em uma crise desta magnitude, presidentes, primeiros-ministros, líderes políticos de maneira geral são pressionados ao extremo, desde a eclosão de uma doença respiratória desconhecida em Wuhan.
Conhecidos pela tendência a ocultar más notícias, os chineses mudaram de postura, e o presidente Xi Jinping, com os poderes ditatoriais que o regime de partido único da China lhe concede, fechou (lockdown) Wuhan e outras cidades na mesma província de Hubei, e conteve a disseminação interna do Sars-CoV-2. Mas regimes democráticos também alcançaram sucesso.
Um bom gerenciamento da crise, no caso da Alemanha, recuperou politicamente a chanceler Angela Merkel, cujo governo, aprovado em janeiro por 56%, alcançou o apoio de 68% neste mês de maio, conforme levantamento feito pelo “Washington Post”.
Pressionada por seu partido de centro direita, a União Democrata Cristã (CDU), e por aliados, para encerrar os mais de 15 anos de poder, Merkel marcou para o ano que vem sua retirada. Ganhou força política para conduzir a sucessão.
Outro resgatado pela Covid-19 é Moon Jae-in, presidente da Coreia do Sul, de quem se pedia no ano passado a renúncia, devido ao baixo crescimento econômico e a escândalos políticos. A chegada do vírus a Seul levou o governo de Moon a agir de forma decidida no isolamento e principalmente na testagem em massa da população, o que lhe permitiu grande eficiência no controle da contaminação.
Dois representantes do nacional-populismo nas Américas são avaliados com sinais trocados. Trump e Bolsonaro são contrários a medidas de prevenção, preferem uma suposta preservação da economia. Mas o presidente americano Trump não conseguiu resistir à explosão de mortes, principalmente no estado de Nova York, e passou a admitir isolamentos e lockdowns. No começo de maio, 53% reprovavam a sua administração, mas ele continuava com forte apoio dos republicanos para se reeleger em novembro. Afinal, com todas as dificuldades, seu governo vem tendo 49% de aprovação. Já a não administração da crise feita por Bolsonaro era apoiada apenas por 35%, segundo pesquisa Datafolha do mês passado
Análises têm sido feitas sobre o que ficará no rastro da mais grave crise de saúde pública em um século. No comportamento, na vida das empresas e no convívio social, há inúmeras antevisões. Na política já existe um saldo positivo: a valorização do bom administrador. O que não substitui outros predicados.
• Lanterna emergente – Editorial | Folha de S. Paulo
Má atuação do governo eleva o impacto econômico da pandemia sobre o Brasil
Embora os impactos econômicos da pandemia do novo coronavírus atinjam todos os países, alguns se mostram mais afetados que outros. O Brasil, por suas fragilidades e escolhas erradas, aparece nas piores colocações entre os emergentes.
Neste 2020 cresceu a fuga de capital financeiro —saíram US$ 33,3 bilhões até 8 de maio. Desde o início da crise, houve disparada dos índices que medem o risco de crédito do governo. A alta do dólar ante o real no ano chega a 43%, a mais alta valorização no mundo.
Parte dessas perdas reflete fatores globais. De modo geral, a paralisia da atividade e a incerteza derrubaram os preços de commodities e provocaram uma fuga para a moeda norte-americana, como é usual em momentos de instabilidade.
Tais elementos se mostravam dominantes até meados de março. Desde então, contudo, os problemas domésticos parecem dirigir os preços dos ativos brasileiros. Foi sobretudo em abril e maio que o real perdeu valor de forma mais acentuada que outras moedas, e as taxas de juros de longo prazo no país dispararam.
Fica prejudicado, assim, qualquer benefício que se poderia obter com os cortes da taxa Selic, de 4,5% para 3% ao ano, decididos pelo Banco Central durante a turbulência.
O desconforto de investidores com o Brasil não se limita a mera especulação. Reflete insegurança em relação à condução da crise, comprometida pela conduta tresloucada do presidente Jair Bolsonaro e pela atuação hesitante do ministro Paulo Guedes, da Economia.
Ao minar o distanciamento social e confrontar governadores e outros Poderes, o chefe de Estado expôs o país ao risco de fracasso no combate à pandemia, o que pode levar a maior perda de vidas e uma recessão ainda mais profunda.
No meio tempo, proliferam no Executivo e no Congresso medidas e propostas desconexas, que elevam o custo do auxílio a famílias, empresas, estados e municípios, sem que se vislumbre uma estratégia coerente e articulada.
A dívida pública brasileira, que já era a mais alta entre os principais emergentes antes da pandemia, deverá superar a marca de 90% do Produto Interno Bruto. A combinação entre recessão e déficit recorde exigirá ajustes ainda mais profundos depois.
Não se trata apenas de controle de gastos públicos e recuperação da receita. Cumpre avançar na retomada do crescimento com reforma do Estado e incentivo à produtividade, sem o que o país não conseguirá promover o combate à pobreza e à desigualdade.
Tal agenda dependerá, obviamente, de ampla negociação e entendimento político. Sem lideranças e disposição para tanto, o pessimismo atual não será injustificado.
• Pequeno Irmão – Editorial | Folha de S. Paulo
Chanceler Araújo rebaixa Itamaraty ao retaliar a imprensa para adular Bolsonaro
As pretensões orwellianas de Ernesto Araújo são inversamente proporcionais a sua estatura como chanceler. Catapultado de carreira diplomática medíocre para a chefia do Itamaraty, ali se esmera a cada dia para provar-se paragão da pequenez e da subserviência.
Torna-se difícil discernir se o ministro ataca a imprensa para dar vazão às frustrações de delírios de grandeza ou se o faz para adular o presidente da República. Certo é que ambos se irmanam no obscurantismo que hoje rebaixa a imagem do país no exterior.
O Pequeno Irmão Araújo suspende agora o envio de notícias de veículos nacionais a representações brasileiras. Amplia-se a canhestra tentativa de privar diplomatas da cobertura inquiridora sobre o governo iniciada em outubro, quando reportagens desta Folha foram excluídas do boletim (“clipping”).
O chancelar busca emular, com palavras lustrosas e atos vis, a paranoia agressiva do chefe ¬—como tudo que tenta, em vão. Bem mais potente que suas intermináveis postagens bisonhas em redes sociais, o megafone presidencial de Jair Bolsonaro se volta contra jornalistas com mais eficácia e dano.
Com regularidade, o mandatário açula a claque na saída do Palácio da Alvorada contra profissionais de imprensa, com qualificativos como “lixo” e “canalhas”. Alguns desmiolados reviraram lixeiras com restos de refeições na sala usada por jornalistas, em busca sabe-se lá de quê, e só produziram provas da própria abjeção.
Alguma surpresa com o fato de o ódio cevado por Bolsonaro escalar para agressões físicas, como as sofridas por dois repórteres-fotográficos em manifestação governista? Um deles foi chamado pelo presidente para uma conversa, apenas para ouvir novos impropérios contra a autonomia jornalística.
Bolsonaro almeja o mesmo que todo governante: anuência, concordância, elogios. A diferença do presidente fraco e inseguro em relação a antecessores está no recurso a expedientes autoritários de intimidação e chantagem velada.
Em reunião virtual com empresários, na quinta-feira (14), voltou a incitá-los a não anunciar em órgãos que o criticam. Bolsonaro quer asfixiar o mensageiro.
As instituições têm sabido frear os arroubos cesaristas do presidente. Até aqui, o silêncio que tenta impor à opinião pública só serviu para encorajar as vozes independentes —e estimular, no porão do Itamaraty, as cabrioladas de Araújo.
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