quarta-feira, 13 de maio de 2020

Nilson Teixeira* - Retomada: muita incerteza no ar

- Valor Econômico

É difícil antecipar o comportamento do ciclo econômico, pois consumidores e empresários terão provavelmente conduta diferente daquela que tinham antes da pandemia

A normalização da economia nos países bem-sucedidos em evitar o aumento de novos casos de infecção da covid-19 ensina que é crucial promover uma saída segura da quarentena. Essa estratégia requer a capacidade de realização contínua de testes, em particular nos grupos de risco, para ser implementada uma segregação imediata daqueles com sinais de possível contaminação. O começo da saída só é indicado quando o número de novos casos de infecção e de morte já está declinando e houver na localidade um número suficiente de leitos e de respiradores para atender um possível aumento desses casos com a flexibilização da quarentena.

A ausência dessas condições em muitas regiões do Brasil neste momento sugere que o ideal é manter o distanciamento social por um período mais longo, apesar do impacto desfavorável na economia e do aumento dos gastos fiscais advindo da necessidade de ampliação do suporte à população e às empresas.

A possibilidade de repique do número de novos casos de infecção torna arriscada uma saída acelerada da quarentena. Essa decisão poder ter um impacto na economia no médio prazo ainda mais desfavorável do que o prolongamento do afastamento social, pois um eventual retrocesso na reabertura deterioraria a confiança de consumidores e empresários e fragilizaria a retomada.

Dada a redução da produção de automóveis de 99%, é provável que a produção industrial frente ao mês anterior diminua mais de 25% em abril, após já ter recuado 9,1% em março. Essa expectativa é compatível com uma redução do PIB ante o trimestre anterior de cerca de 2% no 1º trimestre e de 15% no 2º trimestre, podendo resultar em uma recessão em 2020 de 6,5%, muito superior à mediana das projeções do Focus do Banco Central de 4,1%.

A magnitude da contração e a subsequente recuperação da economia dependerão da capacidade do país de impedir que haja uma grande concentração de pessoas infectadas ao mesmo tempo. A dinâmica do atual ciclo econômico será função também de outros fatores, o que dificulta ainda mais a previsão da trajetória de variáveis como o PIB e a inflação.

A provável mudança, mesmo que temporária, do padrão de consumo da sociedade é um desses fatores. Ingressos para shows, cinemas e teatros, passagens aéreas e idas a restaurantes, por exemplo, terão menor demanda nos próximos meses. O desconhecimento sobre esse perfil de consumo contribui para que a previsão do PIB seja menos precisa.

A possível transformação do ambiente de negócios é outro elemento que agrega mais incerteza às projeções. A melhor performance nesta crise das empresas com boa estrutura on-line estimulará mais investimentos em operações virtuais. Ao mesmo tempo, a forma de trabalhar e a necessidade de espaços físicos mudarão, após ter sido constatado que é possível trabalhar produtivamente em vários segmentos com acesso unicamente remoto.

O panorama político no Brasil também prejudicará o cenário da retomada sustentável. O ambiente tornou-se mais desafiador com os frequentes atritos do Executivo com o Legislativo e o Judiciário. Esse comportamento e as decisões mais recentes do governo também contribuem para uma retomada mais paulatina, ao reforçar a probabilidade, que ainda parece baixa, de abertura de um processo de impeachment do presidente. A formação de uma base de apoio no Congresso com os partidos do Centrão, com quase 200 deputados federais e mais de 20 senadores, reduz essa chance.

A expectativa generalizada é de que o PIB do Brasil tenha expressiva reversão no 3º trimestre. O ritmo da retomada será função dos estímulos fiscais e monetários implementados. A dimensão dessas ações é tão fora do comum que é difícil antecipar o comportamento do ciclo econômico, pois consumidores e empresários terão, provavelmente, conduta diferente daquela que tinham antes da pandemia.

A dívida pública como percentual do PIB aumentará de 76% em 2019 para quase 90% em 2020 para atenuar a perda de renda das famílias e a redução das vendas da maioria dos setores. A resposta monetária também tem sido expressiva, por meio de medidas regulatórias, do aumento da liquidez e da redução da Selic, com o intuito de estimular a oferta de crédito bancário para empresas e pessoas físicas. Apesar de serem corretas e bem-vindas, essas atuações embutem dúvidas sobre a habilidade do governo de reverter os fortíssimos estímulos quando a recuperação da economia estiver consolidada.

Nesse ambiente, a propensão a consumir das famílias tende a diminuir, como resposta ao aumento da incerteza sobre a capacidade de restabelecer a renda familiar e à percepção de possível alta dos impostos para fazer face à elevação da dívida pública. Do mesmo modo, a propensão a investir das empresas também tende a recuar, face ao novo aumento da capacidade ociosa em vários setores, ao risco de alta dos tributos e à incerteza sobre o desempenho da economia.

As várias fontes de incerteza sobre o desempenho da economia justificam a enorme dispersão das previsões de mercado para a contração do PIB em 2020, com números entre 1,3% e 9%. Apesar de as projeções mais otimistas nesse intervalo serem pouco realistas, dada a dimensão do atual choque, não se pode descartar números intermediários, como a mediana do Focus de 4,1%.

Não há como negar que o desempenho da atividade local nos próximos trimestres é muito incerto. As várias dúvidas sobre o comportamento dos agentes econômicos, a incerteza sobre a evolução da pandemia e a desarticulação entre os diversos níveis de governo podem intensificar a contração da atividade no 2º trimestre e fragilizar ou mesmo retardar a retomada a partir do 3º trimestre.

O governo precisa deixar de lado os factoides, orientar a sociedade para o cumprimento das regras de distanciamento social em cada Estado ou cidade - enquanto não houver redução persistente do número de novos casos de infecção - e focar na definição de uma saída ótima da quarentena, de forma a reduzir a incerteza no ar. Do contrário, a atual crise pode ser ainda mais profunda e prolongada.

*Nilson Teixeira, sócio-fundador da Macro Capital Gestão de Recursos, Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvâni

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