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O ato e o fato
Que governo é esse onde o presidente ameaça usar as Forças Armadas caso o Congresso abra contra ele um processo de impeachment;
onde o ministro da Educação chama os ministros do Supremo Tribunal Federal de filhos da puta e diz que todos eles deveriam ser presos;
onde a ministra da Mulher e dos Direitos Humanos defende a prisão de governadores e dos prefeitos;
e onde os demais ministros, sendo 8 dos 22 militares, a tudo ouvem, impassíveis, sem dar sinais de que discordam?
É um governo golpista. Que poderá cair por falta de condições de aplicar o golpe. Mas que se tiver condições para tal, se de fato se sentir ameaçado de cair, tentará dar o golpe.
Não é dedução. Não depende de opinião de quem gosta e de quem não gosta do governo. É fato. Está gravado no vídeo exibido, ontem, na Polícia Federal. Está na boca do presidente.
Golpe não se dá mais com tanques rolando pelas ruas, tropas marchando contra cidades, Congresso fechado, Supremo Tribunal Federal fechado, prisões de opositores do novo regime.
Baionetas caladas calam um Congresso que se deixa emascular pensando evitar o pior. Um twitter do Comandante do Exército foi suficiente para mudar o rumo de uma decisão do Supremo.
O presidente da República e seu governo, pois, são, um perigo à democracia. Só isso bastaria para serem removidos. Ou se continuará esperando que o presidente faça o que alardeia que faria?
Como Donald Trump, Jair Bolsonaro é um aventureiro e um jogador de cartas que aposta alto. Como Trump, é também um presidente acidental. Mas ao contrário de Trump, tem vocação de ditador.
Trump jamais se arriscaria a dizer que só deixará a Casa Branca daqui a quatro anos. Porque sabe que se não for reeleito em novembro próximo, irá para casa. Voltará às cartas e aos seus negócios.
Bolsonaro disse que só deixará o poder em janeiro de 2027. Como se não admitisse a possibilidade da derrota em 2022. Como se ele e a Constituição fossem uma coisa só. Por sinal, já disse que são.
Em 2018, afirmou que só reconheceria os resultados das urnas se vencesse. Há poucos meses, disse ter provas de que a eleição foi fraudada para que não se elegesse direto no primeiro turno.
Cadê as provas? Não apresentou. Era blefe. Mais uma mentira de um presidente censurado no Twitter e no Instagram por mentir compulsivamente. O único presidente, até hoje, censurado.
Não foi o escândalo da invasão do edifício Watergate, onde funcionava a sede do Partido Democrata, em Washington, que fez o republicano Richard Nixon renunciar à presidência dos Estados Unidos.
Nixon renunciou porque mentiu. Um presidente que mente ao país comete pecado mortal nos Estados Unidos. Bill Clinton mentiu quando negou ter feito sexo com uma estagiária da Casa Branca.
A Câmara dos Deputados aprovou a abertura de processo contra Clinton. Faltou um único voto no Senado para cassar seu mandato. Se mentira, aqui, tirasse presidente, Bolsonaro estaria fora.
Aqui, presidente corrompe e se deixa corromper se é popular. Se sabe saciar o apetite de políticos famintos por dinheiro e cargos, sobrevive a denúncias de que patrocinou negociatas sujas.
Se pedala a Lei de Responsabilidade Fiscal como tantos já fizeram, não desmorona. Só desmorona se perder apoio político para governar. Esse filme já passou e deu em tudo o que se vê hoje.
Em negociação com os partidos mais fisiológicos do Congresso, Bolsonaro pedala os bons costumes para seguir governando. Se necessário, tentará pedalar a ordem jurídica para permanecer onde está.
O trabalho insano dos tradutores do pensamento do capitão
Ministério do “Veja bem” opera a todo vapor, mas sem sucesso
O Ministério do “Veja bem”, que reúne os principais auxiliares do presidente escalados para corrigir as declarações polêmicas que ele costuma fazer, terá muito trabalho se quiser explicar o que Bolsonaro disse quando falou em demitir o superintendente da Polícia Federal no Rio para proteger sua família e seus amigos.
De outra parte, trabalho insano terá o Procurador-Geral da República Augusto Aras para justificar por que arquivará o processo aberto a seu pedido contra o presidente. No momento, a tendência de Aras é recomendar ao ministro Celso de Mello que impeça a divulgação na íntegra do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril último.
O vídeo tornou-se tão mortal para Bolsonaro e o governo quanto o coronavírus que já matou até ontem 12.400 brasileiros e contaminou 177.589. Gripezinha forte, essa. Seu poder de devastação está para o ser humano assim como o poder de devastação do vídeo está para o presidente da República, a ver-se em breve.
Poderá dizer o Ministério do “Veja bem”: quando Bolsonaro afirmou que precisava no Rio de um superintendente da Polícia Federal que protegesse sua família, referia-se à “família brasileira”, não a dele. Como presidente, ele é o chefe da família brasileira, assim como é, por exemplo, o chefe das Forças Armadas.
Não. Difícil de colar! Como não cola a desculpa de que Bolsonaro, em momento algum da reunião, referiu-se à Polícia Federal e ao superintendente do Rio. Referiu-se à “segurança” no Rio dele e de sua família. Não estava satisfeito com ela. Pretendia trocá-la e. por isso, falou o que foi registrado. Está bem assim?
Não, não está. Da segurança de Bolsonaro e da sua família cuida o Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República, não a Polícia Federal. Então a crise desatada por Bolsonaro deveria ter resultado na demissão do general Augusto Heleno, ministro responsável pelo gabinete. E resultou em quê?
Na demissão do diretor-geral da Polícia Federal, que desde de agosto do ano passado, Bolsonaro queria ver pelas costas. Na demissão do ministro Sérgio Moro, da Justiça. E na substituição do superintendente da Polícia Federal no Rio. O Ministério do “Veja bem” deveria pensar melhor e arranjar outra desculpa.
Desde já, deveria providenciar outra para a resposta dada por Bolsonaro à pergunta que um repórter lhe fez se concordaria com a divulgação do vídeo na íntegra. A pergunta tinha cabimento. Há duas semanas, foi o próprio Bolsonaro que revelou que mandara legendar o vídeo para que fosse divulgado sem cortes.
Mudou de opinião. Agora, disse que só deveriam ser divulgados os trechos ligados à acusação de que quis intervir politicamente na Polícia Federal. O resto, que fosse destruído. Mas destruído por quê? Para que o distinto público não se envergonhe do presidente que elegeu? Nem do governo que ele montou?
Se o famoso telefonema de Dilma para Lula, gravado para além do tempo que Moro estabelecera para que fosse gravado, acabou divulgado mesmo assim e acabou dando no que deu, por que censurar o vídeo da reunião ministerial comandada por Bolsonaro que certamente entrará para a história do país?
O povo tem o direito de saber.
Generais com fraca memória são testemunhas sem serventia
Pode ser, não recordo, se disse não ouvi...
Generais sem memória, esses que cercam como ministros o presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. E que por mais que o critiquem sob a garantia de que não serão identificados, só o adulam em público para provar o quanto são leais a ele. A lealdade ao chefe é uma virtude assaz louvada entre os fardados, noves fora a hipocrisia.
Ouvidos como testemunhas no inquérito que apura se Bolsonaro tentou de fato intervir politicamente na Polícia Federal como denunciou o ex-juiz Sérgio Moro, os ministros Braga Neto (Casa Civil), Augusto Heleno (Gabinete da Segurança Institucional) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria do Governo) foram leais ao capitão.
Há dias que eles vinham sendo treinados para responder às perguntas e para não derrapar em qualquer coisa que pudesse sequer incriminar vagamente Bolsonaro. Viram e reviram muitas vezes o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. Limaram divergências. Combinaram em detalhes o que cada um diria.
Aparentemente, saíram-se bem. Contaram também com a boa vontade dos inquisidores. Em mais de uma ocasião, valeram-se da desculpa de que não se recordavam disso ou daquilo. Talvez tenha sido assim, talvez não. Pode ser, mas não posso assegurar. Não, isso eu não ouvi direito. Ouvi, mas não sei o que ele quis dizer.
Braga Neto disse que não saberia informar a razão pela qual o presidente nomeou o delegado Alexandre Ramagem para diretor-geral da Polícia Federal. Disse que nunca ouviu Bolsonaro mencionar a possível troca do superintendente da PF no Rio. Não, nem antes, nem durante a reunião ministerial, nem depois.
Deve ter sido surpreendido com tudo isso, apesar de ser hoje o braço direito do presidente e de despachar com ele pelo menos meia dúzia de vezes por dia. Ramos não se lembrou de episódios da reunião. Disse só ter visto uma pequena parte do vídeo. Foi o mais vago deles, embora o mais paciente e à vontade.
Os três foram paraquedistas em seus tempos de caserna, assim como Bolsonaro. Ramos é o único que não passou para a reserva. Espera voltar um dia à ativa. Se Bolsonaro o premiar com o comando do Exército, lhe será eternamente grato e obediente.
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