- O Globo
As respostas sem sentido de Bolsonaro diante das suspeitas de interferência na PF só aumentam os indícios em torno dele
Todos os indícios mostram que o presidente da República tentou, diversas vezes, inclusive constrangendo publicamente o então ministro da Justiça, interferir na Polícia Federal para que ela servisse aos seus propósitos. O presidente deu várias respostas, todas contraditórias, para tentar se defender dessa acusação que ganha contornos cada vez mais sólidos. O procurador-geral da República, Augusto Aras, tem o poder de arquivar esse inquérito que ele mesmo pediu para abrir, mas quanto mais transparente for cada etapa da investigação mais difícil será dizer que nada de errado aconteceu.
Ontem, ao fim da sessão de exibição do vídeo para procuradores, policiais federais, PGR, o ex-ministro Sergio Moro e o advogado-geral da União, houve duas versões. Quem assistiu disse a jornalistas que era uma prova definitiva da interferência na Polícia Federal, e o presidente , em entrevista mambembe, de cima da rampa no Planalto, negou:
– A preocupação, desde a facada, foi com a segurança minha e da minha família. Em Juiz de Fora, o Adélio cercou meu filho, no vídeo, no meu entender, talvez quisesse assassiná-lo ali. A segurança da minha família é uma coisa, não estou preocupado com a Polícia Federal, a Polícia Federal nunca investigou ninguém da minha família.
É natural que depois de passar pelo que ele passou em Juiz de Fora ele se preocupasse mais com a proteção da família. Nada disso tem a ver com o ministro da Justiça. Bastava falar com o ministro que comanda o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, das suas apreensões. Certamente a segurança seria reforçada para a tranquilidade do presidente.
Mas todo o conflito foi com o então ministro da Justiça, toda a pressão foi para tirar o diretor-geral da Polícia Federal Maurício Valeixo, porque queria outro com quem ele tivesse mais “afinidade”, e o fim último era trocar o superintendente no Rio de Janeiro. Não faz sentido, se a preocupação era a segurança da família.
Dentro do governo argumentam em favor do presidente certas minúcias. Aí é que está. Esse tipo de argumentação de detalhes só mostra a posição de fragilidade em que já se encontra o governo. O argumento de que Valeixo disse que nunca ocorreu interferência enquanto ele estava lá só confirma que Moro e Valeixo foram impedimentos para que Bolsonaro realizasse seu projeto e por isso eles precisaram ser removidos.
Não fica de pé o argumento que Bolsonaro usou ontem de que não falou em “Polícia Federal” durante a reunião. Nem precisava. Se a bronca era sobre Moro, que era o chefe hierárquico da Polícia Federal, de que outro órgão ele estaria falando? E os fatos que se seguiram à reunião do dia 22 mostraram que era isso mesmo que ele queria que acontecesse, tirar um diretor sem qualquer motivo aparente, mesmo que para isso precisasse derrubar um ministro, para assim nomear seu amigo Alexandre Ramagem. E trocar o superintendente do Rio.
Todos os outros argumentos que Bolsonaro usou ontem são sem sentido, como o de que ele poderia destruir a fita. Não poderia. Seria obstrução de Justiça, destruição de prova. Ele estaria muito mais encrencado ainda.
A maneira absurda e criminosa com que Bolsonaro está agindo durante esta crise, que só no dia de ontem matou 881 pessoas, já é motivo suficiente para o afastamento do presidente. Ele não conseguiu entender até este momento, diante de 12.400 mortos, que riscos os brasileiros correm diariamente. Ainda ameaça quem não cumprir seus decretos desprovidos de razão, como o da liberação de academias e salões, e defende a tese de que não precisa ouvir o Ministério da Saúde.
No meio desta pandemia que nos sangra, com uma crise econômica brutal, o país é exaurido em suas forças pelos problemas criados pelo presidente. Tanto a demissão de Mandetta quanto a de Moro foram crises que ele inventou para tumultuar ainda mais a situação do país.
A soma dos indícios que já se acumulam em torno dele mostra que Bolsonaro gastará os próximos meses se defendendo, na PGR ou no Congresso. Suas únicas saídas são a de Aras preparar uma pizza ou de o centrão evitar seu naufrágio. Nesse último caso, nada sobrará da política econômica com a qual o ministro Paulo Guedes defendeu sua eleição junto aos agentes econômicos.
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